Economia

Pacote de corte + elevação da Selic: como especialistas veem o momento econômico

Em meio à recepção negativa do projeto de corte de gastos anunciado pelo governo, o Banco Central define taxa Selic em 12,25%, com aumento de um ponto percentual. O presidente Lula precisará ter muita habilidade para dobrar as resistências do Congresso

Crédito: Mateus Bonomi

Pacote anunciado por Haddad foi considerado na direção certa mas tímido pelo mercado (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Viviane Monteiro

O Planalto precisará de muita habilidade e jogo de cintura para administrar duas questões espinhosas surgidas nos últimos dias: a má recepção do pacote de corte de gastos do governo anunciado pelo ministro Fazenda, Fernando Haddad, considerado tímido pelos agentes econômicos, e o aumento, em um ponto percentual, da taxa básica de juros, a Selic, na quarta-feira 11. A uma semana do recesso parlamentar, o mercado financeiro elevou a tensão diante do impasse na tramitação das medidas no Congresso.

Em meio ao cenário de incertezas, o Banco Central elevou a taxa anual Selic de 11,25% para 12,25%, maior alta dos últimos dois anos. Foi a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob a presidência de Roberto Campos, com quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Haddad trocaram farpas no decorrer do ano sobre a condução das políticas fiscal e monetária. Campos dará lugar ao atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo.

O pacote prevê economizar R$ 71,9 bilhões no próximo biênio:
● R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026;
● ao todo, o corte estimado é de R$ 327 bilhões até 2030,
● com contribuição significativa de R$ 109,8 bilhões do reajuste do salário mínimo nos limites das regras do arcabouço fiscal.

O aumento do juro pela 3ª vez consecutiva confirma as estimativas do mercado, que defende agressividade do BC no aperto monetário, na tentativa de fazer a inflação convergir para meta de 4,5% este ano, desaquecendo a economia e, por tabela, a alta dos preços, sobretudo de alimentos e serviços.

O desequilíbrio fiscal vem pressionando o dólar e agravando o cenário de inflação, contribuindo para que os juros reais de longo prazo alcancem patamares estratosféricos.

“Os bons índices do governo podem ser dragados pelas más notícias futuramente. Eles não se sustentarão se os problemas estruturais não forem corrigidos”
Marcus Pestana, diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI)

O principal desafio de Galípolo será conter a inflação. Ele sinalizou que o Brasil terá de conviver com uma política monetária “mais contracionista”, em cumprimento ao sistema de metas. “Ele precisará da ajuda do fiscal, mas não é o BC que cuida da política fiscal”, destacou o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Pestana.

Distante do centro da meta de 3%, a inflação oficial, medida pelo IPCA, é de 4,29% de janeiro a novembro. Nos últimos 12 meses, a alta é de 4,87%. Pelas estimativas do mercado, a inflação deverá fechar o ano acima do teto estabelecido de 4,5%.

Colaboradora importante na definição do pacote, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, aposta na aprovação das medidas pelo Congresso ainda em 2024, o que facilitaria os trabalhos do governo. Para ela, as ações de controle fiscal devem caminhar lado a lado com as questões sociais. “Não se implementa políticas de apoio social sem cuidar do fiscal” (Crédito:Aloisio Mauricio/Fotoarena/)

Para Pestana, o Brasil enfrenta um processo contraditório.
De um lado, o País registra inflação elevada, crise fiscal, juros elevados e o dólar acima de R$ 6.
● Por outro, o Produto Interno Bruto (PIB) cresce acima das expectativas do mercado, tem a menor taxa desemprego da história (6,2%), alta da renda média e superação da miséria e pobreza.
● O temor é de que a crise fiscal contamine o terreno dos indicadores positivos, alerta Pestana.

“Essas coisas boas podem ser dragadas pelas más notícias futuramente. Não se sustentam se os problemas estruturais não forem corrigidos.”

Juros estratosféricos

O descontentamento dos agentes econômicos com a condução da política fiscal do governo Lula tem elevado as taxas de juros a patamares estratosféricos – com títulos públicos negociados a 9% de juro real. Tradicionalmente, o Estado brasileiro “gasta muito e mal” o que marca a trajetória de déficits nas contas públicas. No acumulado de 12 meses até outubro, o governo registra déficit de R$ 225,3 bilhões, o equivalente a 1,9% do PIB, conforme dados do Tesouro Nacional. Enquanto isso, a dívida bruta alcançou 78,6% do PIB e deve fechar este ano em 80% do PIB, pelas previsões da IFI.

O Banco Central elevou a taxa anual Selic em um ponto, de 11,25% para 12,25%, maior alta em dois anos. Foi a última reunião do Copom sob a presidência de Roberto Campos Neto (abaixo), com quem Lula e Haddad trocaram farpas. Dará lugar ao atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo (acima) (Crédito:SUAMY BEYDOUN)
(SUAMY BEYDOUN)

Para o Brasil estabilizar a dívida pública, teria que produzir superávit primário de 2% a 2,5% do PIB ao ano. Embora o quadro fiscal brasileiro ainda não esteja à beira do colapso, o desequilíbrio das contas públicas tende a ser agravado a partir de 2027.

Para o economista da área fiscal do Itaú Unibanco, Pedro Schneider, as medidas anunciadas estão aquém das expectativas e apresentam poucas mudanças estruturais. A principal frustração é com a proposta de imposto de renda (IR) de até R$ 5 mil mensais, a ser adotada em 2026, sobre a qual haveria um custo anual estimado de R$ 38 bilhões a R$ 40 bilhões aos cofres públicos. Para compensar a perda de receita, o governo propõe uma alíquota mínima de dez por cento sobre receitas acima de R$ 50 mil mensais, para os chamados super-ricos.

“Sabemos que, no mundo todo, ninguém paga imposto porque quer, mas por obrigação legal. O que fazem os contribuintes, normalmente, é tentar burlar as regras com criatividade e isso diminui o potencial de arrecadação, pela chamada ‘elisão fiscal’, que é o planejamento tributário para reduzir a carga tributária, algo muito forte no Brasil”, explica Schneider.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, embora reconheça a reação negativa do mercado ao anúncio do pacote, afirmou que o texto “está pronto” para ser enviado ao Congresso “ainda este ano”. Pesquisa da Quest, divulgada na quarta-feira, 11, mostra que 75% apoiam a isenção. O secretário acredita que as incertezas sobre o pacote fiscal devem ser eliminadas com a aprovação das medidas ainda este ano. “Isso garante que, caso sejam aprovados, tiraremos de cena todas as incertezas de cálculos sobre a pressão obrigatória nos próximos dois anos.”

Olhar da indústria

Sob o olhar atento para inflação e a tramitação do pacote fiscal, a indústria se mantém otimista em relação ao cenário econômico. “O investimento do setor é de longo prazo, não é definido com base nessas variações temporárias”, disse o superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mario Sergio Telles. A avaliação é de que o pacote fiscal está na direção correta para o ajuste dos gastos públicos. “Inclusive, como era muito demandado, com medidas estruturais que mudam a composição de gastos públicos – na regra de correção do salário mínimo, no abono salarial e em uma série de alterações que são permanentes e estruturais.”. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, aposta na aprovação do pacote ainda em 2024 e diz que a questão fiscal deve estar junta com as políticas sociais. “Não se faz o social sem cuidar do fiscal”.

Sob a influência positiva do PIB, a indústria deverá crescer acima de 3%, puxada pela indústria de transformação, que deve crescer um pouco mais. Telles discorda de que a alta do PIB seja sustentada pelo gasto público. “As grandes forças do crescimento são o mercado de trabalho, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, a concessões de crédito.”

O pacote enfrenta resistências também no Congresso, tanto na base do governo como na oposição, principalmente em relação aos ajustes previstos ao Benefício de Prestação Continuada (BCP), abono, salário e mínimo, temas considerados “polêmicos”. Parlamentares consideram as medidas duras e outros, insuficientes. “É um assunto que ferve, além da insatisfação pelo não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República”, descreveu o presidente da Câmara, Arthur Lira.

A situação no Legislativo é agravada pelo “toma-lá-dá-cá” dos parlamentares que condicionaram a aprovação das medidas à liberação das emendas ao orçamento. O STF respaldou, no entanto, a decisão do ministro Flávio Dino, que impõe transparência e rastreabilidade total para liberar R$ 29 bilhões. O presidente Lula enfrentará a negociação com o Congresso após deixar o hospital. Por tudo o que se vê, ela não será nada fácil.

Para o presidente da Câmara, Arthur Lira, “é assunto que ferve, além da insatisfação pelo não cumprimento de lei aprovada pelo Congresso e sancionada” (Crédito:Mateus Bonomi )