Editorial

O gigante comercial em berço esplêndido

Crédito: Ricardo Stuckert / PR

Carlos José Marques: "A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, saudou o acordo como 'uma vitória para Europa'. Bem sabe ela dos benefícios que a região terá especialmente nesse corredor com o Brasil, em que pese a desconfiança de agricultores europeus" (Crédito: Ricardo Stuckert / PR)

Por Carlos José Marques

Surgiu o maior bloco comercial do mundo. O acordo do Mercosul com a União Europeia estabelece um mamute econômico de mais de US$ 22 trilhões, refletindo na vida de quase 800 milhões de pessoas e com potencial de negócios astronômico. Não há nenhuma aliança semelhante em porte feita antes no mundo. Algo que, certamente, irá transformar a rotina de muita gente e das empresas neste superbloco. E até fora dele. Analistas apontam que mesmo a grande rivalidade do momento entre a China e os EUA será revista à luz desse movimento. Foram nada menos que 25 anos de discussões até o desfecho de dias atrás. O acordo vai para além dos números. Estabelece uma nova ordem mundial. Tem ramificações políticas estratégicas de toda ordem. Impõe uma resposta clara, efetiva e direta contra ondas protecionistas. Pode, inclusive, afetar eleições mundo afora e as perspectivas de desenvolvimento global. Os líderes das nações envolvidas, ao apertarem-se as mãos, criaram uma espécie de selo de garantia e de credibilidade para as mercadorias de exportação e importação nessa via multilateral e fora dela. A tratativa deve logicamente impulsionar o parque produtivo brasileiro em grande escala. Há quem avalie que será o PIB nacional o mais positivamente turbinado. Não somente entre os parceiros latinos do Mercosul, como os do grupo inteiro. Natural. As potencialidades locais estão em alta, das opções energéticas às ambientais, passando pelo agronegócio, mineração — a gama é imensa. E os reflexos também são amplos. Mais investimentos, mais projetos, mais produção, mais empregos, o giro para frente da roda do desenvolvimento. A ampliação de aliados comerciais sinaliza, por tabela, uma alta na demanda extraordinária e o Brasil pula na frente com muito a oferecer. As mudanças climáticas também prenunciam mais um terreno de vantagem competitiva para as potencialidades internas em busca de soluções, com cadeias de suprimentos cobiçadas para atenuar o quadro. O bloco recém-criado coloca de ponta-cabeça as taxas e incentivos praticados até aqui. A tarifa zero que irá vigorar para inúmeros produtos premiará a eficiência e, nesse tocante, os exportadores que se diferenciarem sairão na frente. No cômputo geral, lobbies setoriais, articulações para reservas de mercado caem por terra. O que é muito bom! Naturalmente, nem todos ficaram satisfeitos. A França, liderada por Emmanuel Macron e turbinada por fornecedores do campo que não se prepararam para a concorrência, reagiu e tentou sabotar a assinatura do acordo. Ameaçou descumprir, mas sabe que não pode ir contra a maioria, sob pena de ter de renunciar à própria União Europeia. O Mercosul, como estava, vinha minguando, sem futuro. Com os membros batendo cabeça e fechados para o restante dos mercados em diversos aspectos. A janela dessa saída traz um alento. Surge como uma fórmula promissora e redentora. De certa forma, desafia os participantes a levarem contratos mais a sério, sob pena de perderem diversas oportunidades e gordos resultados. Quem estiver antenado e souber surfar no fluxo do Tratado, que tem início daqui por diante, mudará de patamar no cenário internacional. A união aduaneira promete uma liberação progressiva no acesso às 27 praças integrantes do acordo, além de concessões recíprocas dentro de determinados prazos. Tudo ainda passará por um aval final do Parlamento Europeu, com a assinatura, país a país, mas o caminho é irreversível porque exige apenas o consentimento de dois parceiros de cada lado para ir adiante. E o Brasil segue em rota acelerada rumo ao livre comércio. Já não era sem tempo. O protagonismo de longa data que os EUA, a China e mesmo a Rússia vinham tendo nas variadas áreas recebeu uma opção de peso, um oponente fruto da aliança de economias que juntas ficam indiscutivelmente significativas como voz de influência. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, saudou o acordo como “uma vitória para Europa”. Bem sabe ela dos benefícios que a região terá especialmente nesse corredor com o Brasil, em que pese a desconfiança de agricultores europeus. A expectativa do governo Lula é de que até 2044 o pacto intrablocos gere inversões da ordem de pelo menos R$ 37 bilhões na soma de bens e serviços finais. Nada mal.