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SP: como a polícia sem controle põe em xeque a política de segurança pública

Crédito: Divulgação

PM Alves Pereira atira rapaz de ponte em córrego da zona sul de São Paulo (Crédito: Divulgação)

Por Marcelo Moreira

RESUMO

● Jovem jogado de ponte por soldado é o mais recente dos casos de violência policial em São Paulo
● Mortes em ações da PM aumentaram 84% em 2024
● Joia da coroa do governo paulista, a política de segurança é questionada
● Autor da barbárie foi preso na quinta-feira

Um homem é jogado por um soldado de uma ponte até um córrego, uma altura de quase quatro metros, na rua Padre Antônio de Gouveia, em Cidade Ademar, bairro pobre da zona sul de São Paulo, com berros altos ecoando pela noite, enquanto PMs ignoram ou desprezam testemunhas que, horrorizadas, filmam as cenas. Era apenas mais uma “abordagem” de uma polícia que se acostumou a virar notícia de tevê e manchete de jornal não por cumprir o dever, mas por atentar contra a sociedade. No estado onde o governador sempre mostrou antipatia às necessárias câmeras de vídeo corporais nos policiais, celulares de locais captaram as imagens bárbaras do soldado Luan Felipe Alves Pereira, 29, lançando um Marcelo do Amaral, 25, da ponte ao Córrego do Cachorro.

A atitude colocou em xeque, uma vez mais, a política de segurança pública de Tarcísio de Freitas (Republicanos), joia da coroa de sua administração e plataformas de impulso do seu nome caso dispute a Presidência da República em 2026. As imagens provocaram reações indignadas da sociedade. Na noite de quarta-feira 4, a corregedoria da PM paulista pediu a prisão do autor da irracionalidade, Luan Felipe Alves Pereira. Na quinta, a Justiça Militar de São Paulo decretou sua prisão preventiva.

O vídeo viralizou na segunda-feira 2. Era para ser uma ação de rotina, com 13 PMs abordando motociclistas na madrugada daquele dia. Quatro deles perseguiram um rapaz, todos eles de moto. Testemunhas disseram que, pouco antes, houve um choque, num baile funk, entre o rapaz e um dos policiais — há suspeitas de que teria sido Alves Pereira. O jovem foi ajudado por moradores do local. Saiu andando, aparentemente sem contusões graves, apesar de relatos de um ferimento na cabeça, e logo sumiu do local. Testemunhas contaram que os policiais proibiram quem estava próximo, com ameaças, de socorrer a vítima, mas ela teve ajuda de pessoas que estavam mais distantes do local da blitz.

(Divulgação)

Policial mata com onze tiros Gabriel Soares, que tentava furtar sabão

Afastamento

No dia seguinte, o pai do jovem, Antonio Donizete do Amaral, mecânico de carros, protestou contra a agressão ao filho. “Ele é trabalhador, entregador de mercadorias com moto. É inadmissível o que aconteceu. Exijo explicações da polícia”, disse. O comando da PM e a corregedoria agiram rápido e anunciaram o afastamento da rua dos 13 policiais envolvidos na abordagem. Entre janeiro e setembro deste ano, 474 pessoas foram mortas pela PM paulista, ante 261 no mesmo período de 2023, uma alta de inaceitáveis 84%.

A crise ganha contornos mais sombrios quando se constata que o soldado Alves Pereira pertence ao 24º Batalhão da PM, em Diadema, na Grande São Paulo, cidade vizinha ao local da ocorrência. É o mesmo batalhão do ex-PM Otávio Gambra, o Rambo, que matou um mecânico desarmado em 1997 numa abordagem na favela Naval, em Diadema. O caso veio à tona depois que imagens do crime foram enviadas a emissoras de tevê. Rambo foi condenado a 15 anos pelo homicídio.

O governador Tarcísio de Freitas ficou extremamente irritado com o caso e também com outro, ocorrido há um mês também na zona sul paulistana, mas só agora revelado por imagens de câmeras de segurança, em que o PM Vinicius Lima Brito mata à paisana com onze tiros, Gabriel Soares, 26 anos, negro, que tentava fugir de um mercadinho após tentar furtar quatro pacotes de sabão.

Pela primeira vez, condenou a violência e o aumento da letalidade nas ações da PM. “Aquele que atira pelas costas ou joga uma pessoa da ponte não está à altura de vestir a farda de policial militar de São Paulo. Os casos serão investigados e rigorosamente punidos. Outras medidas serão tomadas em breve”, disparou em seu perfil no X (ex-Twitter).

“Isso é resultado da liderança de governo e secretário que pregam combate ainda mais duro”
Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

Foi endossado pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. “Haverá punições e elas serão severas. Não vamos tolerar esse tipo de comportamento dos agentes da lei”, fez coro ele. Tarcísio se apressou em defender o seu auxiliar diante das críticas sobre o excesso de violência da PM. “A polícia implantada está dando certo, é só analisar com cuidado os índices em queda de criminalidade.”

Especialistas em segurança pública creditam o aumento da violência policial em São Paulo, entre outras coisas, ao discurso belicoso adotado pelo governador e o secretário.

A nomeação de Derrite, adepto da “rigidez”, pode ter sido entendida como estímulo a condutas mais duras e até violentas. “Não deixa de ser resultado direto da liderança de um secretário que prega combate mais vigoroso ao crime”, analisa o advogado Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). “A PM não consegue renovar seus quadros a contento para modificar essa visão de combate. Além disso, há o estresse por conta das muitas horas de trabalho dos policiais, o que pode indicar um efetivo aquém do necessário.”

Tarcísio encampou as câmeras corporais a contragosto – mas, diante das dúvidas sobre como estão sendo usadas, a face da violência mais próxima da realidade acaba sendo exibida pelos veículos de comunicação com imagens de testemunhas apavoradas.