Comportamento

Planalto quer combater violência alterando constituição; entenda

Governo quer criar Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o ‘SUS da Segurança’, para enfrentar grandes organizações criminosas, mas, por medo de perder poder e verbas, alguns governadores são contra

Crédito: Fabio Teixeira

Em comunidade do Rio: estados têm dificuldade para enfrentar sozinhos o crime (Crédito: Fabio Teixeira)

Por Íris Marini

Os dados, estatísticas, características e a natureza dos crimes provam: a falta de segurança pública é um dos problemas mais dramáticos do Brasil e a solução não será dada apenas com as forças de combate estaduais. A taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) no País cresceu em 2024. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ela é quase quatro vezes maior do que o índice médio mundial de homicídios. Foram 46 mil mortes com essa qualificação em 2023.

Dois fatores se destacam no total assustador:
● a letalidade policial
● e as disputas do crime organizado.

As ações e o confronto entre facções, muitas delas organizações internacionais, agridem não só cidadãos, mas também a autonomia dos executivos municipais, estaduais e federal. A escalada da falta de controle levou o Governo a propor uma alteração constitucional para a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), apelidado de “SUS da Segurança”.

A ideia enfrenta, no entanto, a resistência de governadores, entre eles Tarcísio de Freitas (São Paulo), Cláudio Castro (Rio de Janeiro) e Ronaldo Caiado (Goiás). A rigor, por dois motivos: divergências políticas e medo de perder ou dividir poder e verbas com a União, pois cuidar da segurança pública, pela Constituição, é função dos estados.

No Planalto, o maior defensor da causa é o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. “A segurança pública, há muito, deixou de ser um problema local para tornar-se uma questão nacional, considerada a criminalidade organizada, cuja atuação transcende as fronteiras estaduais e até mesmo as do próprio País”, destaca o ministro. “Por isso, seu enfrentamento exige um planejamento estratégico capitaneado pelo governo central. Também os estabelecimentos prisionais, hoje majoritariamente controlados pelos estados e o Distrito Federal, demandam um tratamento semelhante. Para tanto, é preciso modernizar o modelo concebido pelos constituintes de 1988, ou seja, há mais de 35 anos, para adequá-lo à conjuntura atual, mediante uma emenda à Constituição que outorgue à União a competência de coordenar o Sistema Único de Segurança Pública.”

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, é o principal defensor da proposta no Governo Federal (Crédito:Robson Alves)

● O Brasil tem três por cento da população mundial mas, de acordo com as Nações Unidas, responde por dez por cento dos homicídios.
O índice de mortes violentas intencionais é de 22,8 para cada grupo de cem mil, 18,8% maior do que a média regional da América Latina e do Caribe.

“O crime está cada vez mais complexo e organizado. E o Estado, desorganizado”, resume o cientista social e coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio Robson Rodrigues, especialista em Segurança Pública e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ (LAV/UERJ). “A visão de que segurança pública é atribuição exclusiva dos governos estaduais é equivocada e reducionista. Os estados se sobrecarregam e não conseguem enfrentar crimes transnacionais como tráfico de drogas e armas.“

Modernização

Virgínia Machado, professora de Direito Público do Uniarnaldo Centro Universitário, de Belo Horizonte, acredita que a PEC da Segurança Pública representa uma modernização do sistema de combate ao crime, especialmente o organizado. Diante de grupos que rompem fronteiras, ela defende uma resposta estratégica e conjunta. “A lógica não é de fragmentação, mas de sistematização, para que se tenha eficiência e padrões. As competências de cada ente de poder deverão ser definidas com rigor para não haver conflito.”

Jacqueline Muniz, gestora pública, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em segurança pública, participou das proposições iniciais do SUSP no primeiro mandato de Lula. Hoje possui algumas restrições à proposta. Ela aponta o que considera lacunas. “Trata-se de uma mudança que incha certos órgãos. As Guardas Municipais, Polícias Penais e a Força Nacional estão fora da PEC. Uma Polícia Ostensiva da União tomaria o lugar da Força Nacional. Seria o paraíso das redundâncias, conflitos de competência, carteiradas e desautorizações”, opina.

Organizações criminosas cometem crimes com ousadia cada vez maior, como no caso do assassinato de Vinicius Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos (Crédito:Miguel Schincariol)

O cientista político Rafael Gripp, de Brasília, prevê que o SUSP, “como sugerido, pode enfrentar barreiras estruturais significativas”. Ele cita precariedade material e humana das forças de segurança, déficit de equipamentos e falta de capacitação adequada. “Sem um plano de investimento, a centralização corre o risco de engessar ainda mais um sistema que já opera no limite.” São pontos que devem ser considerados, mas uma realidade salta aos olhos: os governos estaduais não conseguem enfrentar, sozinhos, os crimes transnacionais – e algo precisa ser feito.