Netanyahu, pária mundial
Tribunal emite mandado de prisão por crimes de guerra para premiê israelense Benjamin Netanyahu. Ele aceitou cessar-fogo com o Líbano – mas a guerra em Gaza continua
Por Eduardo Marini
O s apelos vindos de várias partes do mundo, exigindo a punição do primeiro-ministro de Israel, o extremista de direita Benjamin Netanyahu, pelas vítimas civis de suas tropas na Faixa de Gaza, incluindo milhares de crianças e mulheres, começam a dar resultado. Ele teve a condição de pária internacional finalmente reconhecida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Os juízes da Corte, com sede em Haia, na Holanda, emitiram mandados de prisão para ele, seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, demitido há duas semanas, e, do outro lado, o comandante militar do Hamas Mohammed Deif, mesmo com a informação de Israel de que ele teria morrido em julho, num dos ataques aéreos a Gaza.
Os juízes rejeitaram os questionamentos israelenses sobre os limites da jurisdição da Corte e afirmaram haver “motivos razoáveis” para conferir “responsabilidade criminal” aos três, por supostos crimes de guerra e contra a humanidade no conflito atual entre Israel e o Hamas. As duas partes rejeitaram as alegações do tribunal.
O TPI é uma corte internacional independente inspirada no Estatuto de Roma, criado em 1998. Começou a funcionar em julho de 2002, com a missão de julgar e, se for o caso, responsabilizar indivíduos, autoridades civis e militares acusados de genocídio e crimes contra a humanidade, de guerra e agressão. Os juízes disseram ter evidências claras de crimes dos dois lados pelo ataque deliberado a alvos civis.
“Atos desumanos”
“O tribunal encontrou motivos razoáveis para acreditar que o senhor Netanyahu e o senhor Gallant têm responsabilidade criminal pelos crimes de guerra e fome como método de guerra; e contra a humanidade de assassinato, perseguição e outros atos desumanos”, diz o texto da sentença da dupla israelense. Sobre o líder palestino, acrescentou: “A corte encontrou motivos razoáveis para acreditar que o senhor Deif (…) é responsável pelos crimes contra a humanidade de assassinato; extermínio; tortura; estupro e outras formas de violência sexual, bem como pelos crimes de guerra de assassinato; tratamento cruel; tortura; tomada de reféns; ultrajes à dignidade pessoal; e estupro e outras formas de violência sexual”.
O Brasil e mais 123 países são signatários do TPI. Israel, Rússia e EUA não fazem parte. A exemplo do que ocorre com a polícia internacional (Interpol), as nações se comprometem a prender condenados capturados em seu território. A maioria dos integrantes apoia a decisão, mas há divergências de peso. Na Europa, sete países – Áustria, Bélgica, Espanha, Eslovênia, Holanda, Itália e Irlanda – saíram na frente afirmando que dariam voz de prisão ao trio. França, Alemanha, Reino Unido e República Tcheca não se manifestaram de início.
Sem a obrigação assumida pelos estados-membros, Mike Waltz, escolhido pelo presidente eleito dos EUA, o republicado de extrema-direita Donald Trump, para ser conselheiro de segurança nacional, prometeu que o futuro governo americano dará uma “resposta forte” ao “viés antissemita” do tribunal. Foi além: pediu ao líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, que lidere, desde já, a implantação de um projeto de lei, aprovado em junho último na Câmara de maioria republicana, para aplicar restrições de visto e fortes sanções econômicas a juízes, funcionários e assessores do TPI, incluindo familiares. “Ou então”, ameaçou, “os republicanos farão em janeiro como prioridade máxima”.
Como também era de se esperar, o primeiro-ministro da Hungria, o autocrata Viktor Orbán, afirmou que a decisão contra o premiê israelense “não seria cumprida” em seu país e convidou o “amigo” para uma visita em breve. “Garantirei a ele que, se vier, a decisão do TPI não terá qualquer efeito na Hungria. Não seguiremos seu conteúdo.”
Em meio às divergências criadas com a decisão do tribunal, Netanyahu contabilizou vantagens parciais, na terça-feira, 26, com o anúncio do acordo de cessar-fogo na linha de combate israelense, na fronteira norte do país com o sul do Líbano, contra o Hezbollah, o Partido de Deus, organização paramilitar islâmica xiita fundamentalista e partido político libanês apoiados pelo Irã. “Os combates terminarão. Terminarão. Isto foi concebido para ser um fim permanente das hostilidades”, iludiu-se o presidente americano, Joe Biden, mediador do tratado, que entrou em vigor às 23h (de Brasília) do mesmo dia.
A conquista de Netanyahu foi relativa porque ele não conseguiu dois objetivos estratégicos: aniquilar de vez o Hezbollah, apesar do forte abalo no poder de fogo do rival provocado por suas tropas nas últimas semanas, nem ocupar a faixa de fronteira com suas tropas.
Soldados israelenses e combatentes do grupo xiita libanês foram obrigados a recuar para o interior dos países para tropas de segurança neutras assumirem o teatro de combate. Por outro lado, a Netanyahu sobrarão tempo, soldados e armas para continuar a chuva de fogo na Faixa de Gaza, porque, sem ela, os israelenses não encontrarão outros motivos para mantê-lo no poder. Como se ainda fosse razoável atacar aquele território em escombros.