O cinema sob a pena de Drummond: fascínio e deleite
Antologia com crônicas e poesias revela a sétima arte sob a perspectiva de Carlos Drummond de Andrade. Uma viagem por filmes clássicos estrangeiros e nacionais e pela literatura em tom maior
Por Ludmila Azevedo
Durante décadas, frequentar cinema de rua era mais que diversão, era um ritual. Alguns adeptos, ou melhor, cinéfilos, chegavam a organizar sessões comentadas e criavam movimentos cineclubistas. Outros, escreviam suas impressões sobre o encantamento que longa-metragens provocavam em ensaios acadêmicos. Mas imagine abrir o jornal num domingo e ler uma crônica de ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade?
O poeta, cronista e contista mineiro era um cinéfilo prolífico. Drummond dedicou muito de sua produção literária à magia do cinema, aos grandes diretores e roteiristas, às musas (em especial, Greta Garbo) e aos frames que despertavam risos e lágrimas. O cinema de perto: prosa e poesia, uma reunião inédita de crônicas e poemas, mostra o fascínio desde as primeiras publicações sobre o tema, na década de 1920, até o que seria seu penúltimo poema, Os 27 Filmes de Greta Garbo, de 1987.
“O cômico, um enigma. Oscarito era sério e agora faz chorar seus amigos diletos. Se vive acaso numa estrela, está rindo dessa combinação de contrastes secretos”
Os textos foram organizados por Pedro Augusto Graña Drummond, neto do autor, e pelo editor Rodrigo Lacerda e a publicação tem prefácio do escritor e crítico de cinema Sérgio Augusto.“Faz um tempo que eu passeio pelas crônicas do Carlos, que deixou em vida tudo organizado, em ordem cronológica, com índice. Eu já havia organizado uma antologia sobre Minas Gerais (Canto Mineral) e sobre animais (O Gato Solteiro e Outros Bichos). Ele tinha alguns temas recorrentes e o cinema era um deles”, explica.
Para Pedro, a proximidade da escrita do avô com o público é uma das razões para o deleite da leitura. “Ele representava a consciência das pessoas, escrevia em nome de todas e acho que, por isso, há esse afeto. O trabalho de jornalista que ele fez despertou tanto o carinho pela figura quanto pela obra”, resume. Outro motivo é, sem dúvida, passear pela história do cinema recontada pelo poeta.
Licenças Poéticas
Drummond criou o “Conselho Supremo da Sociedade dos Templários de Greta Garbo”. A paixão pela atriz teve bastidores curiosos: um deles é que alguns de seus leitores chegaram a acreditar que o itabirano conhecia de fato a sueca. Outro foi a provocação entre poetas, quando Vinicius de Moraes rivalizou Garbo com a alemã Marlene Dietrich, sua preferida. A resposta ao poetinha veio em crônica.
As crônicas não abriam mão do tom crítico sobre o Brasil do regime militar, que vetou diversas obras cinematográficas. “Quinta-feira à tarde, chovia tristemente e o sr. Jânio Quadros fizera uma das suas. Dessa vez abusando um pouco de recursos teatrais do século XIX”, escrevia. Os escritos também traduziam o país esperançoso, que torcia pelo prêmio internacional a O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte. Um país tão esperançoso como o de agora.
Ele já refletia melancolicamente sobre o fim das coisas, sobre a televisão cair no gosto do público e esvaziar as salas escuras. Como o neto lembra, um homem que foi como em sua poesia, alguém de mãos dadas com o seu tempo. Um tempo que não viu o desaparecimento das salas, que cultivou a aura de mistério de tantas musas e histórias.
Histórias que sempre valem ser revisitadas. O cinema de perto: prosa e poesia oferece humor, lirismo e nostalgia ao leitor. Pedro Drummond, que ao longo dos anos vem compartilhando generosamente uma obra tão expressiva da literatura brasileira do século 20, também faz sua viagem ao tempo com o livro, mas de outra maneira. “Para mim, trabalhar com a obra do Carlos é atenuar a saudade. Eu leio e escuto a voz dele, vou descobrindo mais sobre ele. Esse trabalho jornalístico sobre ele me proporcionou muitas descobertas.”