Política

“O fato é gravíssimo e a materialidade criminosa existe”, diz criminalista Celso Vilardi

Crédito: André Lessa

Para o criminalista, País tem a oportunidade de sair finalmente da polarização (Crédito: André Lessa)

Por Luiz Cesar Pimentel

O criminalista Celso Vilardi já atuou nas operações Lava Jato, Castelo de Areia, Midas, Cana Brava, Kaspar II e tem uma visão clara da atual situação por que passa o País nas denúncias recentes de plano para um golpe militar e assassinatos de três das figuras mais importantes nas cadeiras executiva e judiciária brasileiras, o presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. No total, 37 pessoas foram indiciadas na investigação e desmonte do plano Punhal Verde e Amarelo, que previa manter Jair Bolsonaro no poder com as mortes dos citados acima. Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Vilardi diz não ter dúvidas da robustez das provas que a Polícia Federal encontrou e apresentou, mas diz torcer por uma denúncia bastante criteriosa do Procurador-geral da República, Paulo Gonet, agora que o STF encaminhou o indiciamento de 37 participantes do planejamento de golpe.

Nós temos 37 pessoas indiciadas no plano Punhal Verde e Amarelo por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, tentativa de homicídio, conspiração e planejamento para crimes violentos. Em condições normais, qual seria o encaminhamento da situação do ponto onde está?
É muito difícil fazer uma análise da situação dessas 37 pessoas que foram indiciadas. Temos que conhecer o relatório e, principalmente, a denúncia, se e quando vier. Pois, na verdade, o que se espera é que ela aconteça ou sejam pedidas diligências complementares, e não o arquivamento. Acredito que a tendência é de que haja uma denúncia contemplando crimes graves. O importante é que nós temos que nos manter alertas já que, para que o Brasil vire essa página, é preciso que aconteça o devido processo legal respeitando a ampla defesa, o contraditório. Se as pessoas forem culpadas, que suportem os efeitos da condenação.

Citando mais especificamente o caso de Jair Bolsonaro, o advogado César Bittencourt, do general Mauro Cid, ajudante de ordens dele na presidência, disse que o ex-presidente era “a pessoa que comandava essa organização” durante a delação premiada. Qual é o peso dessa declaração?
É um elemento investigativo importante, mas como nós sabemos e o próprio Supremo já repetiu isso em vários julgamentos, a delação premiada por si só não é uma prova. Nós não podemos esquecer que o delator está confessando um crime e tem interesse em obter um benefício legal. Se a palavra do delator está corroborada por outros elementos de prova, ela passa a ter uma importância destacada no julgamento de uma eventual ação penal.

Dentro desse contexto, o ex-juiz Sergio Moro condenou o presidente Lula com base em “evidências” e por acreditar na “culpabilidade do réu”, sem exatamente apresentar provas efetivas. O senhor pode traçar um paralelo entre os dois casos?
Não só comparando esses dois casos, mas em outras situações, o que podemos extrair é que o Poder Judiciário não pode basear a condenação em uma delação e também não pode se basear em presunções. A condenação exige certeza. O Poder Judiciário observa os indícios de autoria e a prova de materialidade. Parece claro que na situação atual temos uma materialidade no que toca a um atentado contra o Estado Democrático de Direito, contra as instituições e contra o Presidente da República, o vice-presidente e um ministro do Supremo Tribunal Federal. Agora, caberá ao procurador, comprovada a materialidade delitiva, descrever em uma peça acusatória os indícios de autoria de cada um dos acusados. A partir da denúncia, começa o processo penal e este envolve o contraditório, as provas da defesa, as provas da acusação e o julgamento final. A decisão não pode estar baseada em nenhuma presunção nem exclusivamente em uma delação premiada. Isso geraria uma insuficiência de provas para propiciar uma condenação.

Sobre os indícios, autoria e envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro, nós precisamos analisar o conjunto da obra (Crédito:Reinaldo Campos)

Do que existe e foi revelado, inclusive por áudios, temos o general da reserva Mário Fernandes como mentor do plano Punhal Verde e Amarelo, o general Braga Netto, que foi candidato a vice de Jair Bolsonaro, na cabeça do plano e o envolvimento direto do próprio quando era presidente. Podemos dizer, com expressão que ele gosta, que foram pegos com batom na cueca?
É muito difícil até para quem trabalha nesse mundo jurídico, como eu, fazer uma análise individual sem considerar o conjunto da obra, mas acredito que as gravações que foram divulgadas até o momento não podem ser consideradas como uma mera cogitação. Ouvi pessoas falando a respeito de uma cogitação, de que dizer ou pensar em matar alguém não é crime. E o que nós temos até agora é algo muito além de uma cogitação ou de um pensamento. Nós temos atos que indicam o início da execução do plano, temos efetivamente provas da Polícia Federal de que o ministro foi monitorado, envolvimento de pessoas com celulares em nome de terceiros. Não me parece que nós estejamos no campo da cogitação, do pensamento — nós estamos diante de um fato gravíssimo em que há materialidade delitiva. Sobre a questão dos indícios de autoria e do envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro, nós precisamos analisar o conjunto da obra.

Entendo, até porque se entre a intenção e a execução de uma tentativa de golpe e se este não for executado ou bem-sucedido, o Estado Democrático de Direito permanece. Mas se ela for executada com sucesso, o Estado Democrático não existe mais.
Exatamente isso. Foi dito até pela ministra Carmem Lucia (STF e TSE), durante um julgamento: “Se tudo isso se consumasse, o Supremo não estaria aqui para julgar, porque você teria abolido o Estado Democrático, destruindo-o”. Então, nós estamos tratando efetivamente da tentativa de algo muito relevante, que não se consumou. Mas isso não quer dizer que nós estejamos no campo da cogitação.

O que é mais significativo no momento?
Será importante, principalmente, o exame da denúncia que a Procuradoria Geral da República fará. É por meio da denúncia que você conhece a acusação e os motivos pelos quais determinada pessoa está envolvida e de que forma ela participou. Ainda é precoce para sabermos se existem elementos para uma ação penal para cada um desses 37 investigados, mas o que eu não tenho dúvida é que temos materialidade delitiva.

O senhor tocou no ponto do Procurador-geral da República, Paulo Gonet. Conhecendo o histórico dele, qual o senhor acredita que será o encaminhamento, principalmente para as lideranças e supostas lideranças do plano Punhal Verde e Amarelo?
O procurador é homem muito competente, ele conhece profundamente o processo penal. Eu tenho a impressão de que, além de ser técnico e conhecedor, ele vai ter a percepção da gravidade do caso. Então, o que se espera é efetivamente uma denúncia muito minuciosa. Espero que tenhamos uma justificativa concreta a respeito da participação das pessoas, porque nós estamos vivendo numa época de muita polarização que parece que chegou para ficar. Nós estamos vivendo uma guerra de narrativas, principalmente nas redes sociais. O Brasil precisa virar essa página. E essa página só será virada se houver uma denúncia minuciosa, muito técnica, que seja inquestionável e apreciada pelo Supremo Tribunal Federal para propiciar um processo justo.

O senhor acredita que esse julgamento pode marcar um ponto de inflexão, diante da polarização?
Eu acredito em dois caminhos, para falar a verdade. Acho que uma denúncia mal feita pode nos colocar em situação difícil, mas o Procurador-geral tem ciência disso e da responsabilidade dele.

Quais são os passos importantes a partir de agora e é possível traçar uma estimativa de cronograma médio?
Se houver diligências complementares, o correr do processo deve atrasar uns 30, 60, talvez 90 dias até o momento da análise final do Procurador-geral. Do contrário, devemos ter uma denúncia que será proposta rapidamente. Creio que ainda no primeiro semestre de 2025, o Supremo vai se debruçar sobre o recebimento da denúncia, mas antes os acusados vão apresentar suas defesas. O prazo da instrução é muito difícil de se calcular, porque se mais de 30 pessoas estiverem envolvidas, todas têm o direito a arrolar testemunhas. O processo pode consumir uns dois anos, e isso não é incomum, mas é difícil fazer essa previsão. No caso do 8 de janeiro, quando houve a invasão aos Três Poderes, eu mesmo cheguei a fazer uma previsão de que demoraria, mas foi rápido. Então estimo a duração em aproximadamente um ano e meio.

Por falar em condenação, por que somente cinco pessoas foram presas como reação imediata (três militares de operações especiais, um general da reserva e um agente da Polícia Federal)?
Eu não conheço a decisão do ministro Alexandre de Moraes, mas a prisão preventiva só se justifica com base em eventos que afetem a ordem pública ou para proteger a instrução processual ou ainda para evitar risco concreto de fuga.

A ministra Carmem Lucia disse: ‘Se isso (golpe) se consumasse, o Supremo não estaria aqui, porque você teria destruído o Estado Democrático (Crédito:SERGIO LIMA)

Entre os 37 indiciados nós temos 24 militares. É inédito que não sejam julgados por um tribunal militar. O que o senhor considera que isso significa na prática?
Na verdade, parece inequívoco que esse caso será julgado pelo STF. Até porque os fatos parecem ter ocorrido a partir do Palácio do Planalto.

O senhor acredita que exista algo mais nesta condução a que a sociedade deve ficar atenta?
Em um caso desta envergadura é importante a divulgação do relatório como um todo (que aconteceu durante a semana e após a entrevista). Isso faria bem ao País, porque a divulgação parcial funciona como uma espécie de alimento das narrativas. Portanto, considero fundamental a exposição do conjunto da obra, para que se evite interpretações distorcidas.