Guerra da carne: entenda o ataque do Carrefour sobre o agro brasileiro
Crítica e anunciado boicote do Carrefour ao produto brasileiro causa forte reação no País, envolve até o presidente Lula; franceses voltam atrás e pedem desculpas
Por Luiz Cesar Pimentel
Quando o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, quis fazer papel de herói perante os agricultores franceses ao postar que a rede não mais compraria carne proveniente do Mercosul, sob a alegação de que esta não atende as exigências e normas da França, mal sabia ele com quem estava se metendo no Brasil. A reação foi imediata e causou uma crise diplomática, envolvendo a interrupção de fornecimento dos produtos aos mercados da rede no País e debates e ameaças acaloradas entre as lideranças políticas.
A declaração do executivo francês foi dada durante protestos de agricultores locais contra um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, por temerem que o mercado possa ser invadido com carne mais barata e consequente prejuízo à competitividade.
● Apenas esqueceu a dimensão de influência dos pecuaristas brasileiros, que têm uma bancada ruralista, representada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), composta por 340 parlamentares, sendo 290 deputados e 50 senadores.
● Isso equivale a 58% da Câmara dos Deputados e do Senado, o que a torna dominante no cenário nacional.
● Financeiramente, o agronegócio brasileiro contribuirá neste ano com estimados R$ 2,45 trilhões para o Produto Interno Bruto, que significa 21,5% do PIB total.
● O valor inclui a produção agrícola (R$ 1,65 trilhão) e a pecuária (R$ 801 bilhões).
Seis dias depois, na terça-feira, 26, Alexandre Bompard fez uma retratação, reconhecendo a “grande qualidade” da carne brasileira, lamentando que sua comunicação anterior tenha sido interpretada como uma crítica ao setor agropecuário e enviou uma carta de desculpas ao Ministério da Agricultura. Só que a maior parte dos grandes frigoríficos, como JBS, Minerva, Masterboi e Marfrig, já tinha suspendido o fornecimento do produto às mais de 150 unidades da rede pelo Brasil, com a chancela de Carlos Fávaro, ministro da Agricultura.
Ato contínuo, após a manifestação do executivo, o Carrefour informou que o fornecimento havia sido reestabelecido e o ministro publicou carta dizendo esperar “que a situação volte à normalidade a partir desta retratação”.
Na manifestação populista de Bompard, porém, faltou lembrar que o Carrefour adquire quase 100% da carne vendida em suas unidades francesas por produtores europeus. Escreveu que isso não mudará e aproveitou para tentar passar mais um pano na situação.
“O problema foi em relação à qualidade sanitária das carnes brasileiras, que é inadmissível falar.”
Carlos Fávaro, ministro da Agricultura
“A decisão do Carrefour França não tem como objetivo mudar as regras de um mercado francês já amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais. Ela visa garantir legitimamente aos agricultores franceses, que enfrentam uma grave crise, a continuidade do nosso apoio e de nossas compras locais. Do outro lado do Atlântico, compramos quase toda a nossa carne brasileira no Brasil e continuaremos a fazê-lo. Lamentamos que nossa comunicação tenha sido percebida como uma contestação de nossa parceria com a agricultura brasileira e uma crítica a ela”, escreveu no documento.
Meia-volta
Sobre a crítica à carne nacional, o executivo tentou uma manobra de 180º na retratação: “Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor”. E teceu elogios aos agricultores brasileiros: “Os nossos dois países do coração têm em comum o amor à terra, à sua cultura e à boa comida”.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) manifestou, em nota, que espera retorno à normalidade no comércio. “A agroindústria no Brasil recebe com satisfação o pedido de desculpas e o reconhecimento da excelência do produto e do produtor brasileiro por parte do CEO Global do Carrefour, Alexandre Bompard”, divulgou em comunicado a Abiec.
Entretanto, no mesmo dia em que o pedido formal de desculpas chegou, parlamentares repudiaram o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul durante a Assembleia Nacional da França e criticaram severamente produtos do Brasil. “A realidade é que nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo”, afirmou em discurso o deputado Vincent Trébuchet (UDR).
‘Lamentamos que nossa comunicação tenha sido percebida como uma crítica
à agricultura brasileira.”
Alexandre Bompard, CEO global do Carrefour
Foi a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrar em campo. “Eu quero que o agronegócio continue crescendo e causando raiva num deputado francês que achincalhou os produtos brasileiros porque nós vamos fazer o acordo do Mercosul, nem tanto pela questão do dinheiro, nós vamos fazer porque eu estou há 22 anos nisso e nós vamos fazer”, disse sobre o embate.”Se os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia. E a Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Européia) tem procuração para fazer o acordo, e eu pretendo assinar esse acordo este ano ainda. Tirar isso da minha pauta.”