Livros celebram a vida de Camus e seu legado para o pensamento ocidental
Por Ludmila Azevedo
RESUMO
● De autoria do jornalista e escritor Olivier Todd, biografia do aclamado autor de O Estrangeiro apresenta a complexidade de sua personalidade
● Um dos principais intelectuais do século 20, Albert Camus teve peso além da literatura, posicionando-se de forma política e filosófica diante da vida
● Outros dois livros desvendam a intimidade do escritor argelino que rompeu com Sartre
Nascido na Argélia colonial de 1913, Albert Camus foi um dos maiores autores contemporâneos, basta enumerar os romances O Estrangeiro, A Peste, Primeiro Homem — obra que deixou inacabada —, e ensaios como O Mito de Sísifo. Em 1957, aos 43 anos, recebeu o Nobel de Literatura. Mas a contribuição de seu pensamento ultrapassou as letras, alcançou a filosofia, o pensamento político e segue como um norte em nossos tempos.
O escritor é bastante lembrado pelos anos parisienses quando, exilado na França nos anos 1940, aprofundou vínculos com o escritor e pai do existencialismo, Jean-Paul Sartre, além da filósofa e intelectual Simone de Beauvoir. A amizade e o rompimento com Sartre, aliás, são um dos tópicos favoritos entre estudiosos e leitores. São tantas camadas que só mesmo uma biografia robusta daria conta de revelar.
Em 1978, o autor norte-americano Herbert Lottman juntou peças para compor o quebra-cabeças do que foi a breve vida de Camus. Em 1996, Olivier Todd conseguiu desmistificar sua personalidade com Albert Camus: uma vida. A edição chegou em 1998 ao Brasil pelo Grupo Editorial Record e, após anos indisponível nas estantes, acaba de ganhar uma importante reedição, com tradução de Monica Stahel.
As 882 páginas são o resultado de um trabalho que mergulhou em gravações inéditas e entrevistas com familiares, amigos e amantes de Camus. Todd obteve, ainda, os diários do escritor cedidos por sua filha, Catherine. Como ressalta o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dênis de Moraes, autor de Sartre e a Imprensa, o biógrafo teve o privilégio de conviver com os gigantes do pensamento francês do século 20.
“Entre as maiores virtudes desta biografia está o fato de Todd não poupar o biografado. Ele não deixa de apontar os conflitos e de mostrar Camus em sua complexidade e totalidade, revelando facetas de sua sensibilidade, intelectualidade e singularidades. Camus, às vezes, parecia ir na contramão do que era tendência, mas não deixava de acompanhar. Ele tinha um viés de aproximação, de tentativa de compreensão das ideias de seus tempos”, explica o professor.
Nova edição inclui digitalizações de correspondências do autor. As cartas são a chave para decifrar sua complexidade. Além de Albert Camus: uma vida, os leitores podem conhecer suas outras relações: com a amante, em Escreva muito e sem medo: uma história de amor em cartas (1944-1959) e com o mestre em Caro Professor Germain
Político e filosófico
Camus teve contato com as desigualdades sociais desde seus primeiros anos. Uma experiência que moldou sua busca por justiça social. Na juventude, exerceu o ofício de jornalista, publicou textos no Alger Républicain e filiou-se ao Partido Comunista. Como Dênis de Moraes observa, a biografia ilumina a militância política clandestina do escritor na Argélia e a luta pela libertação do país.
O escritor, no entanto, rompeu com a esquerda francesa, o que de modo algum significou um aceno conservador. “Ele defendia uma terceira via, o campo progressista da social-democracia. Isso gerava incompreensões da esquerda tradicional da época. Mas os questionamentos postos por Camus eram um chamamento até para repensarmos atualidades. Um homem com aquela riqueza intelectual merece ser relido e repensado”, explica o professor.
Mais que visão política, visão de mundo. “Ele valorizava o ser humano de uma forma mais concreta. Ele não rejeitava o interior, mas não o supervalorizava. Ele tinha a justa medida do equilíbrio”, explica o filósofo e pesquisador Carlos Eduardo Bernardo, autor de Humanae absurdum: a imagem do humano na obra de Albert Camus. Para ele, ao lidar com o contraditório e a noção do absurdo, o escritor lidava com a condição humana. “A filosofia camusiana passa pela constatação das contradições”, completa.
Albert Camus teve contato com as desigualdades sociais desde seus primeiros anos na Argélia. Uma experiência que moldou sua busca constante por justiça social
Vida pessoal
“Sartre e Camus tinham o compromisso dos intelectuais com grandes temas da sociedade e do mundo”, conta Dênis de Moraes. Uma conexão marcada pelo senso crítico aguçado e por discordâncias que teriam atingido o ponto irreconciliável quando em sua revista, Les Temps Modernes, Jean-Paul Sartre publicou uma resenha negativa de O Homem Revoltado, o que abalou de vez a amizade.
Camus reagiu com uma carta à redação sem citar o nome do editor, deixando evidente seu afastamento. Mas o professor da UFF lembra que há rastros de convívio entre os dois no período. Um ano antes, Camus teria pedido a Sartre uma ajuda para conseguir um papel para a atriz franco-espanhola Maria de Casarès, a mais famosa de suas amantes.
Juntamente com Albert Camus: uma vida, neste ano foi lançada Escreva muito e sem medo: uma história de amor em cartas (1944-1959), que apresenta o período de intensa correspondência entre amantes, ajudando a desvendar sua persona multifacetada. Outra publicação afetiva que saiu em 2024 é Caro Professor Germain, um volume de cartas trocadas com o mestre que incentivou sua formação. “Ao lembrar-se do legado de intelectuais como Camus, temos um antídoto do vazio de nossos dias”, resume Dênis de Moraes.