O novo zumbi digital

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Pedro Franco: "A tecnologia e as mídias sociais têm seu valor e potencial transformador, mas é necessário utilizá-las com responsabilidade e consciência" (Crédito: Divulgação)

Por Pedro Franco

Vivemos tempos em que a aleatoriedade se torna a nova ordem. A ascensão da inteligência artificial e das mídias sociais tem nos conduzido, em muitos casos, a um estado de “zumbificação” digital. Deslizamos o dedo automaticamente sobre a tela do celular, consumindo conteúdos sem refletir, analisar ou realmente entender. Essa dinâmica, que parece trivial, está transformando não apenas nossa relação com o digital, mas também com a cultura, a arte e o design ao nosso redor.

Esse comportamento anestesiado se espalha por áreas que, tradicionalmente, exigiam uma conexão mais profunda, sensível e intencional. Na arquitetura, por exemplo, assistimos ao crescimento de uma estética uniforme e repetitiva, onde prédios surgem como blocos modulares empilhados, transformando nossas cidades em uma espécie de “Legolândia” homogênea. É irônico que isso ocorra em um país como o Brasil, com uma tradição arquitetônica rica e disruptiva. Nomes como Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha e Vilanova Artigas colocaram o Brasil no mapa da arquitetura mundial, com criações que buscavam o novo, o ousado e o singular. Hoje, no entanto, a modularidade desenfreada faz sombra à inovação.

No campo do design, a situação não é diferente. Máquinas CNC e processos automatizados estão moldando uma produção padronizada, cada vez mais inspirada no “dejavu escandinavo”. Esses produtos, reproduzidos em larga escala, carecem da originalidade e do calor humano que mestres brasileiros como Zanine Caldas, Joaquim Tenreiro e Sérgio Rodrigues trouxeram em suas criações. Perdemos, de certa forma, o toque artesanal e a identidade que nos tornaram únicos.

O mesmo fenômeno se reflete na música, onde a prática de remixar fragmentos de obras clássicas para novos contextos gera uma colagem de ideias que, muitas vezes, dilui o valor do original. A história e a emoção contidas na música se desfazem, dando lugar a uma estética fragmentada.

Como designer e defensor da autenticidade, vejo esses sinais como um alerta. A tecnologia e as mídias sociais têm seu valor e potencial transformador, mas é necessário utilizá-las com responsabilidade e consciência. O digital não precisa significar alienação; ele pode ser uma ferramenta para aprofundar nossa conexão com o mundo, com a cultura e com nossa própria essência criativa.

O desafio que enfrentamos não é apenas tecnológico, mas humano. Precisamos lembrar que inovação sem propósito é vazia, e que beleza sem alma é apenas forma. É tempo de refletirmos sobre como estamos construindo – ou desconstruindo – nosso entorno. Afinal, design, arquitetura e arte devem servir para nos elevar, nos inspirar e nos conectar, não para nos transformar em meros consumidores de imagens e sons aleatórios.

O futuro que queremos não é o de uma sociedade de zumbis digitais, mas de seres humanos que vivem de forma consciente e criativa, fazendo da tecnologia uma aliada para novas narrativas e não para a repetição monótona de padrões.