Internacional

Alemanha: entenda o inferno particular de Olaf Scholz

Crédito: Emmanuele Contini

"O (partido de extrema-direita) AfD está prejudicando a Alemanha. Está enfraquecendo a economia, dividindo a sociedade e arruinando a reputação do nosso país", disse Olaf Scholz, Chanceler da Alemanha (Crédito: Emmanuele Contini)

Por Luiz Cesar Pimentel

RESUMO

● Chanceler alemão tem passa por momento político delicado, com agenda carregada de problemas
● Entre eles: a implosão da coalizão que sustentava seu governo, ascensão da extrema-direita e antecipação das eleições legislativas, nas quais não é nem de perto favorito

O chanceler Olaf Scholz vive seu inferno particular neste terceiro ano em que governa a Alemanha. A coalizão que lhe dava suporte no poder implodiu, com a ruptura entre os social-democratas, partido do qual faz parte desde 1975, os Verdes e os liberais do FDP. A crise política soma-se à financeira, com uma significativa queda industrial na mais robusta economia da Europa. Some ao drama a eleição de Donald Trump na principal potência das Américas e a ascensão da extrema-direita entre os alemães e teremos um cenário altamente preocupante para a sequência do mandatário alemão.

As eleições legislativas foram antecipadas de setembro para fevereiro de 2025 como resposta direta ao colapso da união de partidos de sustentação de Scholz. A data foi definida em acordo entre os conservadores da CDU/CSU e o partido social-democrata SPD, mas mesmo assim o chanceler tentará uma cartada com apresentação de moção de confiança ao Bundestag, a Câmara Baixa do parlamento, no meio de dezembro. As chances de sucesso não são significativas, já que o governo não tem maioria parlamentar.

Pesquisas apontam que os conservadores tem 30% das intenções de voto, o que garante maioria no Parlamento; produção industrial cai, o que gera protestos (abaixo) na maior economia da Europa (Crédito:Michael Matthey)
(Hesham Elsherif)

O ato que deflagrou a crise institucional foi a demissão do ministro das finanças, o liberal Christian Lindner, por conta de seguidos embates no encaminhamento da política econômica. A saída abriu a porteira para debandada de ministros liberais e culminou no rompimento da coalização e na antecipação das eleições. Mesmo com impopularidade alta e com pesquisas desfavoráveis, que apontam que os conservadores devem vencer com mais de 30% dos votos, Scholz quer liderar a campanha social-democrata – só que se o atual cenário se confirmar, terá que ceder a cadeira de chefe do governo ao conservador Friedrich Merz.

Olaf Scholz quer liderar a campanha social-democrata – só que se o atual cenário se confirmar, ele terá que ceder a cadeira de chefe do governo ao conservador Friedrich Merz

● Pior: as pesquisas ainda apontam que o partido de extrema-direita e anti-imigração Alternative für Deutschland (AfD, ou Alternativa para a Alemanha) deve formar a segunda maior bancada legislativa.
● O partido extremista celebra vitória recente no estado da Turíngia, no leste do país.
● Em maio recente, um tribunal alemão determinou que a agência de inteligência local, BfV, tem a missão de observá-los por suspeita de terrorismo.
● O resultado significou a primeira vitória da direita radical em uma eleição para parlamento estadual na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial.

Sombra Nazista

No primeiro momento, Scholz clamou aos partidos tradicionais que não apoiem o AfD. “O AfD está prejudicando a Alemanha. Está enfraquecendo a economia, dividindo a sociedade e arruinando a reputação do nosso país. Todos os partidos democráticos são agora conclamados a formar governos estáveis sem extremistas de direita”, pediu, e considerou o resultado “amargo” e “preocupante”.

Apesar disso, o AfD ficou em segundo lugar no populoso estado da Saxônia, com a liderança nas mãos do conservador CDU e muito à frente dos social-democratas do chanceler, dos Verdes e dos liberais.

Björn Höcke, principal liderança do AfD na Turíngia e personagem dos mais polêmicos na Alemanha, comemorou o que chamou de “vitória histórica”. Recentemente ele foi multado por utilizar um slogan nazista, apesar de tentar justificar dizendo que não sabia a origem temerária do chamado.

Outra liderança do partido, Alice Weidel, afirmou que a vitória foi um “réquiem” (prece para mortos) para os três partidos que formavam a coalizão do chanceler e que o AfD, em segundo lugar nas pesquisas, tornou-se imprescindível. “Sem nós, não é possível mais um governo estável”, disse. Ela sabe o que fala, já que uma pesquisa do canal de televisão ZDF aponta que 36% das pessoas com menos de 30 anos na Turíngia votaram na sigla extremista.

Não é coincidência que a coalizão aprovou no Parlamento medidas que facilitam a deportação de imigrantes e que Scholz tenha dado declarações no mínimo contraditórias à plataforma social-democrata recentemente. Em entrevista antes de desembarcar no Brasil para o G20, a reunião das principais economias do planeta, falou contra a irregular permanência de estrangeiros no país. “Queremos abrir as rotas de migração legal e, ao mesmo tempo, impedir a migração irregular. Isso deve ficar claro: quem não tem o direito de permanecer na Alemanha precisa retornar ao seu país de origem. A ideia é facilitar a deportação de pessoas que são obrigadas a deixar o país e ajudar as autoridades na luta contra o islamismo violento. O objetivo é, portanto, fortalecer a segurança na Alemanha.”

Outro tema caro aos extremistas alemães diz respeito às pessoas que pedem asilo e aos refugiados. Os tópicos voltaram às manchetes depois que três pessoas foram assassinadas em um festival de rua no oeste do país, com a suspeita de o ataque ter sido realizado por um homem sírio.

Guerra na ucrânia

O chanceler tem sido chamado, também, a se manifestar no tabuleiro geopolítico belicoso, especialmente nos conflitos entre a Rússia e a Ucrânia e nos que envolvem Israel no Oriente Médio. Em todos os casos, ele usa a carta do “direito à defesa” para justificar ter pendido para os lados israelense e ucraniano. “Provavelmente ninguém na Europa anseia tanto pela paz quanto os ucranianos. Mas devemos ter cuidado com soluções falsas que só contêm paz no nome. Paz sem liberdade se chama opressão, e paz sem justiça se chama ditadura. É por isso que apoiamos as exigências da Ucrânia por uma paz justa que respeite os princípios da Carta das Nações Unidas e os de integridade territorial e independência”, disse sobre a guerra. “A posição da Alemanha é clara – Israel tem o direito de se defender e também deve ter o direito de impedir que o Hamas continue a perpetrar esse tipo de terror.”

Vice-chanceler de Angela Merkel entre 2018 e 2021 e chefe do governo desde então, os próximos meses dirão se a subida de Scholz como influência continuará ou se entrou no ocaso político, junto à social-democracia alemã.