Brasil

Na antessala da prisão: Collor não tem mais como recorrer contra a sentença

Retirado da presidência em 1992 por corrupção, Fernando Collor foi condenado agora a 8 anos e 10 meses de prisão pelos mesmos crimes. Encurralado, ele pode ser detido a qualquer momento

Crédito: Jefferson Rudy

Condenação e provável prisão, 32 anos depois, encerram a carreira do político carimbado como corrupto (Crédito: Jefferson Rudy)

Por  Vasconcelo Quadros

Derrubado do cargo pelo primeiro impeachment aprovado pelo Senado, no final de dezembro de 1992, em um dos maiores escândalos de corrupção já descobertos, o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido dois anos depois e até chegou a reivindicar o tempo de mandato tirado no julgamento político. Passados 32 anos e depois de dois mandatos como senador, encerrados no ano passado, mais uma vez acusado de corrupção, Collor entrou de novo em um labirinto judicial do Supremo Tribunal Federal. Só que agora ele não tem saída e terá mesmo de enfrentar a realidade do sistema prisional.

Está condenado a oito anos e dez meses de reclusão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, acusado de desviar cerca de R$ 20 milhões em propinas na Petrobras.
● Ele não tem mais como recorrer contra a sentença e nem tentar mudar o tamanho da pena, duas decisões juridicamente inalteráveis, embora o processo ainda não tenha alcançado o chamado trânsito em julgado.
● Seus advogados tentam protelar a execução da sentença com os últimos recursos possíveis, os chamados embargos de declaração, sobre os quais só podem pedir um ou outro ajuste no texto do acórdão que já foi publicado, mas as letras frias da lei são cruéis.
● O primeiro presidente eleito depois da ditadura, o mais jovem a ocupar a presidência com juras de acabar com a inflação e a corrupção, deve ser preso logo, provavelmente na Penitenciária da Papuda, em Brasília, ou em Maceió.

6×4

Votaram contra a redução da pena: Alexandre de Moraes (relator), Roberto Barroso (presidente do STF), Flávio Dino, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia

Votaram a favor da redução para quatro anos:
Dias Toffoli, Kássio Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes

Na semana passada, por quatro votos a seis, o STF julgou o último recurso, afastando o argumento da defesa apontando omissão e obscuridade no processo e manteve a condenação de Collor e dos empresários Pedro Paulo Leoni Ramos, que foi seu ministro de Assuntos Estratégicos, e Luis Pereira Amorim, acusados de terem atuado junto com ele em um esquema de propina operado entre 2010 e 2014 na BR Distribuidora, quando a empresa era ainda uma subsidiária da Petrobras.

Os três haviam sido condenados em maio de 2023, mas alegaram que houve erro no cálculo das penas e recorreram. O ex-presidente teria recebido propina para alavancar, através de apoio político que conseguiu ao indicar dirigentes da ex-estatal, contratos da BR com a UTC Engenharia para construção de plataformas de distribuição de combustível.

Relator do recurso, Alexandre de Moraes disse que os argumentos da defesa foram examinados integralmente, mas afirmou que as deficiências alegadas não existiram.

Condenado a oito anos e dez meses, em 2023, por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, o ex-presidente recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir a pena, mas a Corte negou o pedido por 6 a 4 na quinta-feira, 14. O ministro Cristiano Zanin declarou-se impedido de votar por ter advogado para acusados da Lava Jato, entre eles o presidente Lula. A prisão de Collor não foi decretada porque ainda cabe recurso. Ele segue respondendo o processo em liberdade. (Crédito:Andressa Anholete)

A defesa diz que um erro de cálculo na dosimetria da pena sobre o crime de corrupção aumentava a prisão em quatro anos, argumento que, se acatado, poderia evitar que Collor fosse preso. Seguiram o voto de Moraes os ministros Luiz Roberto Barroso, presidente da Corte, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin.

Foram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffolli, André Mendonça e Nunes Marques, que votaram por reduzir a pena para quatro anos e quatro meses. Cristiano Zanin deu-se por impedido por ter atuado na Lava Jato como advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fachin, que foi relator da ação penal queria uma pena bem mais pesada, de 33 anos e 10 meses, considerando que o fato de ter ocupado cargos públicos de relevo, em vez de atenuante, era um agravante contra Collor.

“O conjunto probatório é sólido”, afirmou o ministro no julgamento do mérito. “Collor recebeu vantagem indevida de R$ 20 milhões como contraprestação à facilitação da contratação da UTC Engenharia para a construção de dois tanques de óleo diesel e um cais flutuante no terminal de combustível de Manaus.” Moraes divergiu da pena, mas concordou que os autos do processo não deixaram dúvidas de que os três se organizaram para praticar o ato de corrupção passiva. “Não há outra explicação para aquela união dolosa de desígnios.”

Resquício da lava jato

O destino reservado a Collor carrega ironias.
● Ele é um dos poucos a serem alcançados pela operação Lava Jato, que desceu ladeira abaixo depois que o próprio Fachin, em um surpreendente cavalo de pau, anulou todas as condenações imposta pelo ex-juiz e hoje senador Sergio Moro ao presidente Lula em 2021, quando este já havia cumprido 580 dias de prisão em Curitiba.
● Na esteira da decisão, várias condenações foram anuladas, a última delas beneficiando o ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu.

As acusações que podem levar Collor à cadeia pela primeira vez tem como origem denúncias envolvendo a mesma Petrobras de onde partiram as revelações do ex-presidente da estatal, Luiz Octávio Motta Veiga, sobre as movimentações do ex-caixa de campanha do ex-presidente, Paulo Cesar Farias, o PC, que queria controlar os negócios da estatal para arrecadar a propina que garantiria a permanência do grupo no poder por pelo menos duas décadas.

PC Farias organizou um enorme esquema de corrupção, avançando sobre os negócios de toda a máquina federal, mas foi pego depois que o irmão do então presidente, Pedro Collor, detonou a roubalheira em depoimento na CPI mista do Congresso que deu no impeachment.

À época, Collor perdeu o cargo, os direitos políticos, viu a família desmoronar, mas não a pose. Agora, aos 75 anos, a sentença equivale à saída da vida pública para entrar na cadeia. Um tardio fim para o “caçador de marajás” que encontrou sua “presa” nos cofres públicos.