Cultura

O México, muito além das telenovelas; confira

Com público fiel e altos investimentos das plataformas de streaming, o México, país famoso pelos dramalhões que invadiram a TV brasileira nos anos 1980, tornou-se uma potência do audiovisual

Crédito: Divulgação

Netflix apostou na obra 'Pedro Páramo', de Juan Rulfo, um dos maiores clássicos da literatura mexicana; já a Warner Bros investiu para transformar em série um dos filmes de grande sucesso, 'Como Água para Chocolate' (abaixo), que foi co-produzida pela estrela hollywoodiana Salma Hayek, marcando o final da era em que a dramaturgia do país era conhecida somente pelas telenovelas dos estúdios Churubusco (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Está longe o tempo em que o México era conhecido apenas pelas inúmeras telenovelas produzidas pelos estúdios Churubusco, o lendário complexo fundado em 1945 na capital do país. Hoje esse tempo do audiovisual latino-americano do passado abre as portas para o futuro: em um de seus espaços dedicados às filmagens, uma parede com 800 painéis de LED e do tamanho de quatro ônibus de dois andares mostra a modernização atingida pela indústria cinematográfica mexicana. O cenário virtual pode ser transformado em segundos, de um típico vilarejo repleto de mariachis cantando pelas ruas para foguetes no espaço sideral.

● Este estúdio de produção virtual, pioneiro na América Latina, foi construído em 2023 pela Amazon para filmar Every Minute Counts, série dramática sobre o terremoto de 1985 disponível no streaming Prime Video.

● Na mesma semana, a Warner Bros Discovery lançou Como Água para Chocolate, série co-produzida por Salma Hayek.

● Já a Netflix apresentou Pedro Páramo, adaptação da obra de Juan Rulfo, um dos maiores clássicos da literatura mexicana. Essas produções representam os projetos mais ambiciosos de cada plataforma no México até agora — Pedro Páramo foi o filme mais caro já produzido no país.

Historicamente, Hollywood sempre buscou o México para serviços de produção de baixo custo ou pela excentricidade de suas locações. Hoje é possível dizer que o país se destaca como uma potência criativa.

● O México já ocupava papel central na indústria cinematográfica desde a Segunda Guerra, quando ocupou uma lacuna deixada por Hollywood, que havia cedido seus diretores para filmes de propaganda contra o nazismo.
● Nos anos 1940, o cinema já era a sexta maior indústria do país.
● Décadas mais tarde, talentos fugindo das ditaduras da Espanha e da Argentina ampliaram a diversidade criativa.
● Essa tradição e experiência rende frutos até hoje – não foi por acaso que a Netflix escolheu o México para sua primeira produção original em idioma estrangeiro, há nove anos, com a série Club de Cuervos.

Apesar dessa longa e rica trajetória, os mexicanos raramente viram suas histórias representadas com autenticidade. Embora o país esteja entre os que mais vendem ingressos de cinema — abaixo apenas de Índia, China e EUA —, as salas mexicanas são dominadas por produções estrangeiras. Quando o México é retratado, a imagem é frequentemente limitada a novelas, faroestes e tramas que envolvem quadrilhas de narcotráfico, criando um estigma de que seu cinema seria um “gênero”, e não uma expressão nacional.

Essa visão, porém, está mudando. Com os gigantes do streaming disputando o público local, a produção mexicana ganhou fôlego — e milhões de dólares. A Netflix, por exemplo, abriu um escritório na Cidade do México há cinco anos e hoje ocupa seis andares de um moderno arranha-céu. Segundo a Ampere Analysis, a empresa financiou quase 40% dos filmes e séries feitas no México no primeiro semestre deste ano.

(Divulgação)

Além de investimentos, o streaming trouxe liberdade criativa. Durante a era das emissoras, os produtores buscavam apelar ao maior público possível, reforçando clichês. Agora, plataformas podem atender nichos, permitindo narrativas realistas. O Segredo do Rio, drama ambientado na zona rural de Oaxaca, é exemplo de um projeto voltado para o público local.

As produções independentes também têm mais chances de sucesso. Antes dominado pela Televisa, o mercado televisivo oferecia poucas oportunidades para filmes mexicanos. Com a chegada das plataformas digitais, os direitos de exibição se tornaram quase tão lucrativos quanto a bilheteria, embora muitos desses filmes acabem lançados diretamente no streaming.

Não é a primeira vez que o cinema mexicano atrai atenção global. Há 20 anos, os “Três Amigos” — Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro e Alejandro Iñárritu — conquistaram Hollywood e a crítica internacional. Hoje, essa geração abriu portas para novos talentos que preferem contar histórias em casa. “Antes, exportávamos talentos para os EUA. Agora, esses criadores estão voltando para criar no México com ambições globais”, afirmou Alonso Aguilar, da Amazon Studios.

A nova geração já colhe reconhecimento.
● Astrid Rondero e Fernanda Valadez ganharam o prêmio do júri no Sundance deste ano com o thriller policial Sujo.
● A atriz e diretora Lila Avilés, ganhou diversos prêmios pelos longas Tótem e A Camareira.
● Michel Franco e Alonso Ruizpalacios têm feito sucesso com projetos locais e internacionais. As tradicionais novelas mexicanas, cujas versões dubladas fizeram tanto sucesso na TV brasileira nos anos 1980, tornaram-se curiosas relíquias do passado.