Dormindo com o inimigo
Por Germano Oliveira
Os partidos da direita e da extrema-direita, que têm maioria folgada na Câmara e no Senado, passaram os dois primeiros anos do governo mantendo Lula com a faca no pescoço, submetendo-o a toda a sorte de artimanhas e manobras fisiológicas. Sob a batuta voraz de Lira e a complacência de Pacheco, os parlamentares desses partidos obtiveram dezenas de ministérios e centenas de cargos públicos, além de bilionárias verbas do Orçamento (R$ 53 bilhões só neste ano). O pior é que isso vai se agravar nos próximos dois anos, quando o Congresso será dirigido por Hugo Motta, na Câmara, e por Davi Alcolumbre, no Senado. Motta é do Republicanos de Tarcísio de Freitas e Alcolumbre do União Brasil de ACM Neto – dois inimigos do PT –, mas que terão apoio de Lula para se elegerem.
Ajuda do PT
Realmente, a política brasileira não é para amadores. Motta e Alcolumbre estão virtualmente eleitos e o mais esdrúxulo é que contam com os votos dos parlamentares da esquerda (PT, PCdoB e PSB), ao mesmo tempo em que contabilizam o apoio dos partidos da extrema-direita e da direita (PL, PP e União Brasil). Ou seja, Lula está dando um tiro no pé.
Força do PL
Nessa geringonça à brasileira, em que o PT fica do mesmo lado do PL, o partido de Bolsonaro está conseguindo negociar cargos melhores. O PL poderá ter as vice-presidências da Câmara e do Senado, onde ainda negocia ter a CCJ, a comissão mais importante da Casa. Os petistas entendem que isso faz parte do jogo, por terem bancadas menores.
Uma estranha no ninho
Governadora de Pernambuco, Raquel Lyra deve deixar o ninho tucano nos próximos dias e aderir ao PSD de Kassab. Em entrevista ao “Estado” de domingo, 17, disse não concordar com a linha de seu partido de fazer oposição ao governo. “Discordo de posições que o PSDB vem tomando de oposição sistemática a Lula.” Para ela, o partido não fez oposição nem a Bolsonaro e deveria ter agora uma posição independente.
Rápidas
● Ao definir que o corte de gastos deve ter impacto de R$ 70 bi em dois anos (R$ 30 bi em 2025 e R$ 40 bi em 2026), com aval do presidente, Haddad mostrou que está mais forte do que outros membros da Esplanada dos Ministérios na corrida para 2026 caso Lula não seja candidato.
● O rombo previdenciário da União, estados e municípios atingiu
um recorde de R$ 6 trilhões, derrubarão a capacidade de investimentos públicos: ações de servidores no STF contra a reforma ampliarão a crise.
● O Brasil colherá 311 milhões de toneladas de grãos em 2025, que terá um aumento de 5,8% em relação a este ano (293,8 milhões de toneladas), mas um pouco menor do que o recorde atingido em 2023, de 315,4 milhões de toneladas.
● A indústria de etanol de milho no Brasil, que em cinco anos saiu de 2% para 19% na oferta do biocombustível, deve receber em torno de R$ 20 bi em investimentos: produzirão mais de 14 milhões de toneladas ao ano.
Retrato falado
Luís Roberto Barroso, presidente do STF, criticou, na quinta-feira, 14, um dia após as explosões na Praça dos Três Poderes, a tentativa dos parlamentares de anistiarem os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro antes do fim do julgamento. Ele disse que a iniciativa é um incentivo a novos atos extremistas, como os praticados por Francisco Wanderley Luiz. Por enquanto, dos 1.430 presos pelas depredações no início de 2023 ainda falta julgar em torno de 200 executores.
STF X Corte Inglesa
A agilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à corte britânica no caso do desastre da barragem do Fundão, em Mariana (MG), frustrou as expectativas do escritório de advocacia inglês Pogust & Goohead (PG), que busca uma indenização pelo rompimento da barragem na Justiça de Londres. Mais de 600 mil pessoas foram atingidas. Segundo um advogado de Minas Gerais, após o ministro Luís Roberto Barroso homologar, no início do mês, o acordo de reparação dos danos, o PG passou a enviar cartas aos advogados parceiros no Brasil dando instruções para que ele coletem novas assinaturas das vítimas a fim de “segurá-las” no processo que corre na justiça londrina.
Complicadores
Outro problema é a recente decisão da Justiça Federal de absolver as empresas Samarco, Vale, e BHP pela culpa do desastre. Diante disso, vítimas estão avaliando se vale trocar o certo pelo duvidoso. Os moradores de Mariana estariam preferindo receber a indenização a partir do acordo homologado pelo STF.
De volta ao jogo
Seguidores do ex-senador Alvaro Dias (Podemos-PR) estão publicando em seus canais de apoio na Internet que ele deve disputar cargo majoritário nas eleições de 2026. Não dizem qual será o posto pleiteado, mas no estado insinua-se que pode disputar novamente o governo do Paraná (governou o estado entre 1987 e 1991).
Senado no radar
Como foi senador de 1983 a 2023 (40 anos consecutivos), especula-se também que ele pode se interessar na volta ao Senado. Em 2022, até desejava manter-se no Salão Azul, mas foi atropelado pelo ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), que o ultrapassou na reta final da disputa e elegeu-se senador em seu lugar. Álvaro ficou desiludido com a política.
Choque fiscal
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, que não é afeito a atender a imprensa alegando estar proibido pelo “compliance” da instituição, disse em entrevista à “Folha” na sexta-feira, 15, que o governo demora para implementar o “corte de gastos na carne” e pede pressa para Lula anunciar o pacote. “Quanto mais se espera, depois o choque a ser produzido é maior”. Ele sairá em dezembro.
Toma lá dá cá
O que tem atrapalhado a confiança do mercado na atual gestão?
A falta de coordenação entre as diferentes autoridades. Ministros das áreas econômicas defendem o ajuste fiscal, enquanto outros ministérios trazem propostas de ampliação de gastos. Lula vai decidir o rumo.
A sra. acredita que o governo conseguirá sucesso no corte de gastos?
Temos dúvidas quanto à viabilidade política do corte de gastos a dois anos da eleição. Sou um pouco cética quanto à entrega de medidas impopulares a essa altura do campeonato.
O que esperar da inflação para os próximos meses?
Projetamos a inflação pressionada pela alta da carne bovina, por exemplo. Continuamos prevendo a inflação estagnada acima da trajetória de metas.