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Cortando na própria carne: Forças Armadas entram na tesoura de gastos

Pacote de redução de despesas, essencial para manter o arcabouço fiscal, deverá enxugar R$ 70 bilhões em dois anos: Rui Costa (Casa Civil) anunciou que o plano será divulgado semana que vem e antecipou contingenciamento de R$ 5 bilhões

Crédito: Edilson Rodrigues

Haddad explica a Rodrigo Pacheco como será o pacote do governo: plano passará pelo Congresso (Crédito: Edilson Rodrigues)

Por Viviane Monteiro

O pacote de ajuste fiscal do ministro Fernando Haddad (Fazenda) vai atacar setores que sempre foram poupados. Entre as medidas previstas estão cortes na Previdência e pensão dos militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Mas também vai impor regras na correção do salário mínimo, redução de gastos de custeio em áreas sociais como Saúde e Educação no esforço de garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal.

A tesourada sobre históricos privilégios das Forças Armadas, defendida há anos por especialistas para o enxugamento das despesas da máquina pública, atende a um pedido do presidente Lula, que entrou em acordo com o ministro da Defesa José Múcio Monteiro Filho, após reuniões com Haddad.

Em meio à reunião do G-20, esta semana, no Rio de Janeiro, a equipe econômica e técnicos da Defesa se debruçaram, na terça-feira, 19, em Brasília, em busca de consenso nos cortes das despesas no mesmo dia em que a Polícia Federal deflagrou a operação Contragolpe com a prisão de militares que planejaram, no fim de 2022, o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes (SFT), o que causou “constragimento” entre os militares, que agora também estão insatisfeitos com a redução de seus privilégios.

Tradicionalmente poupado graças ao forte lobby, os militares estão cedendo e, segundo a Defesa, vão contribuir com o pacote que, no total, deve cortar cerca de R$ 70 bilhões em dois anos, sendo R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026.

Um dos pontos do acordo entre a Fazenda e a Defesa acaba com a chamada “morte ficta”, que, na prática, significa morte “fictícia” aplicada a militares expulsos quando forem inaptos para o serviço, seja por crimes ou mau comportamento e que, mesmo assim, os respectivos familiares recebem os benefícios integrais como se o militar tivesse morrido. O consenso para o ajuste fiscal é que, nesse caso, a família do militar passe a ter o direito ao auxílio-reclusão.

O PT de Gleisi Hoffmann discordava, desde o início, do projeto de Haddad, que acabou vencendo a disputa (Crédito:Lula Marques/ Agência Brasil)

O déficit previdenciário de um militar aposentado ou pensionista é de R$ 159 mil, 17 vezes maior do que o do INSS, reforça o economista Odilon Guedes, vice-presidente do Conselho Regional de Economia São Paulo (Corecon-SP). “São 315 mil militares nessa situação que representam um déficit total de R$ 49,7 bilhões.” Guedes lembra que o militar “é o único servidor público que se aposenta com salário integral, diferentemente dos demais trabalhadores brasileiros.”

Para especialistas e parlamentares ouvidos por ISTOÉ, os cortes previstos nas despesas das Forças Armadas, que respondem por significativa fatia do bolo orçamentário da União, são alternativas viáveis para o enfrentamento de problemas do déficit público e do crescimento da dívida brasileira, o que tem agravado a crise do setor público, levando ao aumento da inflação, do dólar e da taxa de juros.

O vice-líder da bancada do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), acredita que a tesourada deve reduzir a pressão de corte de despesas de segmentos que integram políticas públicas. “Tenho confiança que Haddad e Lula acharam um bom termo para cumprir o arcabouço e manter as políticas sociais.”

Corte de R$ 5 bi

Além disso, a área econômica cogita limitar o reajuste do salário mínimo a 2,5% acima da inflação, mudar os pisos da Saúde e Educação e contingenciar recursos da ciência, áreas essenciais para o desenvolvimento nacional. Ou seja, “cortar a própria carne” conforme relatam economistas.

Dentro desse quadro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse na quinta-feira, 21, que o pacote deve ser concluído nesta sexta-feira e que o governo deve divulgá-lo somente na semana que vem. Antecipou, no entanto, um bloqueio de R$ 5 bilhões no Orçamento de 2024 pela Junta de Execução Orçamentária. “O corte cotidiano, se necessário e quando necessário, foi e sempre ocorrerá para manter as despesas dentro do limite da lei.”

Desde o início, dirigentes do PT se posicionaram contra os cortes de gastos, como foi o caso da presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann. A academia científica, por exemplo, se mobiliza para conter um eventual corte de 35% nos recursos do FNDCT, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Ex-ministro da Educação (MEC) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro considera esse eventual corte como “violento” para a ciência brasileira o que deve prejudicar o andamento de vários projetos. Entre eles, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028 para o qual são estimados investimentos de R$ 1,76 bilhão, além de projetos de mitigação dos impactos das alterações climáticas sobre o território nacional.

O combate a “privilégios tributários” também está no radar de Haddad que, reiteradamente, critica a renúncia fiscal para o setor empresarial, que, muitas vezes, “sem nada em troca”. As renúncias fiscais totais, de estados e governo federal, alcançaram 7,2% do PIB em 2023, aumento de cinco pontos percentuais nos últimos 15 anos, mais ou menos, conforme relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o Tax Expenditures Lab e apoio da ONG Samambaia.org. A expectativa é de que esse tema seja incluído também no pacote, minimizando o impacto social negativo sobre eventuais cortes em despesas de programas importantes para o desenvolvimento do País.