PL da descarbonização está com Lula e pode beneficiar quem preserva o verde
Por Regina Pitoscia
RESUMO
● Regulação do mercado de carbono no Brasil deve ajudar a brecar o aquecimento global e minimizar os impactos dos desastres climáticos
● Ela traz incentivos para manutenção da floresta em pé, o manuseio adequado da terra, e a redução de emissão de gases poluentes
Com a regulamentação do mercado de geração, venda e compra de créditos de carbono, o Brasil dá um passo importante e decisivo para neutralizar os efeitos de gases estufa e frear o aquecimento global. O projeto de lei que normatiza o setor foi discutido por quase uma década, mas chegou à versão final, passou pelo crivo da Câmara e do Senado, e agora está com o presidente Lula para sanção e, assim, entrar em vigor.
Embora tenha as questões ambientais como seu principal pano de fundo, a nova legislação deve trazer em sua esteira impactos econômicos relevantes por atrair investimentos estrangeiros, e sociais por proporcionar mais renda às comunidades que mantiverem as florestas em pé. Por tudo isso, e por tornar as negociações mais transparentes e seguras, a regulação pode criar uma nova economia e fortalecer o segmento.
Em 2023, o País emitiu o equivalente a 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.
● Mesmo que expressivo, o resultado é 12% menor do que o do ano anterior, segundo o Observatório do Clima.
● Este ano, no entanto, os dados serão piores, e o País deve bater recorde de emissão de gases em decorrência dos incêndios florestais.
● Até setembro, 180 megatoneladas de carbono foram despejadas no ambiente, de acordo com o Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus (Cams), da União Europeia.
Em nível mundial, a concentração média de dióxido de carbono, o gás de efeito estufa mais abundante no planeta, ultrapassa, em mais de 151% os níveis da era pré-industrial. É o que mostram estudos recentes da ONU com o alerta de que, nesse ritmo, a temperatura poderá subir até 3,1ºC. Para evitar a catástrofe, os países precisam reduzir em 42% a emissão desses gases.
Há um esforço global para a diminuição das emissões, de modo a cumprir o que foi acertado no Acordo de Paris, de conduzir a elevação de temperaturas no planeta a 1,5º ou no máximo a 2º acima do apresentado na era pré-industrial.
Cada país tem sua meta, quanto mais ambiciosa for, mais firmes e contundentes têm de ser as decisões para alcançá-la, explica o pesquisador da Embrapa, Giampaolo Pellegrino. E somente quando um país atinge o nível proposto para suas emissões é que pode negociar e vender o excedente de créditos de carbono a outro país.
O mesmo critério será aplicado em outros níveis, entre empresas, exemplifica. Quem produz crédito pela eficiência e redução da emissão de gases em suas atividades, ou pelo manejo adequado da terra poderá vendê-lo a quem polui e necessita desses créditos para atingir sua meta.
Ao mesmo tempo que é urgente a redução de emissão de carbono, é preciso criar políticas para a geração de créditos, que possam compensar as emissões e, ao menos, amenizar consequências desastrosas ao clima.
● Um crédito de carbono corresponde a uma tonelada de carbono que deixa de ser emitida ou é capturada da atmosfera.
● Ele pode ser criado a partir do uso de fontes de energia limpas e renováveis, como a solar ou eólica, em substituição a fontes sujas como carvão, petróleo e gás natural, responsáveis pela emissão de gases poluentes.
● A redução no desmatamento e restauração de florestas e biomas são igualmente geradoras de créditos, porque são capazes de absorver e armazenar grandes quantidades de carbono.
Marco regulatório
A chegada da regulamentação no Brasil é bem-vinda e tem gerado expectativas positivas entre os especialistas. “Esse sistema brasileiro do comércio de carbono tanto na teoria como no papel tem tudo para ser bem-sucedido. É novo, vai precisar de alguns ajustes ao longo do tempo, e vamos aprender com a prática, criando um arcabouço e mecanismos para fazer ele funcionar”, argumenta Luis Adriano Nascimento, professor da Universidade do Pará.
Como resultado direito, segundo o professor, os recursos acenados pelos países ricos ao Brasil por preservar suas florestas poderão agora ser aportados aqui em escala relevante. Em termos regionais, a expectativa é de que haja uma redução das atividades exploratórias, com a derrubada de árvores e venda de madeiras com expectativas de lucro a curtíssimo prazo.
“O mérito do projeto de lei é estabelecer um mercado em que quem mantiver o verde terá compensações e poderá ganhar dinheiro com isso”. O marco regulatório cria três principais figuras nesse mercado: o gerador de crédito de carbono, o comprador do crédito e os desenvolvedores do projeto, a consultoria que deve prestar assistência técnica.
“O comércio de carbono tem tudo para ser bem-sucedido. Vai precisar de ajustes, vamos aprender com a prática, mas trará investimentos.”
Luis Adriano do Nascimento, professor da Universidade Federal do Pará
Para Rita Ferrão, presidente da ABCarbon, um dos principais desafios é justamente conscientizar o produtor que manter a propriedade e ter um manejo mais adequado do solo podem se tornar uma nova fonte de renda. “Há um pouco de receio e questionamento, mas como é que funciona? O dinheiro vem não vem? É um mercado muito novo, mas incluímos tecnologia para fazer a medição por imagem de satélite, utilizando inteligência artificial, nosso processo é remoto e 100% auditável. O uso da tecnologia é um outro desafio para o mercado”.
A regulação deixa de fora os setores agrícola e de pecuária pelas dificuldades em chegar a critérios mais exatos de medição de suas emissões de gases. Ao mesmo tempo, na opinião da CEO, as novas normas devem trazer mais segurança, valorização e maiores investimentos das propriedades para a geração de créditos.