Eduardo Bolsonaro, o filho 03, pode sair candidato à presidência em 2026
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
● Jair Bolsonaro está inelegível e prestes a virar réu, podendo até ser preso
● Em festa na Flórida, filho Eduardo mostrou desenvoltura ao lado do extremista Donald Trump, eleito nos EUA, e do bilionário de direita Elon Musk
● A cúpula e parte da bancada do PL na Câmara não escondem que enxergam o deputado como plano B para a disputa presidencial de 2026
● E já trabalham para isso
A direita brasileira anda assanhada. Primeiro ampliou suas bases com as eleições municipais. No dia 5 de novembro, os ventos continuaram soprando a favor com a vitória de Donald Trump à Casa Branca, confirmada numa festa de apuração por 70 convidados no luxuoso resort do extremista republicano em Mar-a-Lago, Palm Beach, Flórida, entre eles o aliado de peso Elon Musk, o homem mais rico do mundo (leia quadro sobre o bilionário no poder) e três brasileiros liderados pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. Alvo de zombarias quando afirmou, em 2019, que tinha credenciais para ser embaixador nos EUA por ter feito intercâmbio e fritado hambúrguer na fria montanha de Maine, o 03, para deleite do bolsonarismo, foi à forra e esbanjou prestígio. Sacou o celular, fez uma chamada ao pai e o colocou na linha com Trump, atuando como tradutor de ambos.
A conversa foi informal, mas a desenvoltura de Eduardo chamou atenção. Ele foi mostrado nas redes sociais como ator com trânsito junto ao republicano e a Musk, dois expoentes da direita internacional com potencial de influenciar a política no Brasil. As eleições de 2026 ainda estão distantes, mas a direita bolsonarista não tem dúvida de que Trump e Musk estarão ao lado de um nome ligado ao clã Bolsonaro. Com o ex-presidente inelegível e prestes a virar réu, com risco de ir até para o xilindró (leia quadro sobre as barreiras na Justiça), parte da bancada do PL na Câmara já enxerga Eduardo como plano B para a disputa — e começa a trabalhar nos bastidores para isso.
“Ele caiu nas graças de Trump, cresceu muito no partido e adquiriu estatura de respeito junto ao Jair Bolsonaro. Acabou se construindo como o nome forte da família”, admite o deputado José Medeiros (PL-MT). Ele conta que, nas eleições municipais, o deputado viajou o Brasil inteiro. Apenas no Mato Grosso, visitou dez cidades em que candidatos do PL saíram vitoriosos, entre elas Cuiabá, onde o bolsonarista raiz Abílio Brunini venceu o petista Lúdio Cabral. Eduardo aguentou firme viagens longas de monomotor. Numa delas, nem Medeiros suportou o estresse: teve um mal-estar e vomitou.
A participação intensa na campanha cacifou o filho do ex-presidente a assumir nos próximos dias o cargo de Secretário de Relações Internacionais do PL, num rearranjo em que o atual presidente, Valdemar Costa Neto, cederá seu lugar ao senador Rogério Marinho (RN) em 2025.
“O Eduardo é atualmente o brasileiro com maior trânsito no exterior, capacitado para entrar nos EUA, Japão, China, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e outros países importantes”, elogiou, em entrevista a ISTOÉ, o ex-ministro de Turismo do governo Bolsonaro, Gilson Machado Neto. “A gente quer que o estrangeiro venha e instale empresas aqui, gere emprego, compre mercadorias e carnes do Brasil”.
Cereja do bolo
O ex-ministro e o filho pegaram carona no prestígio do 03 com Trump e se divertiram na festa do republicano. Figuraram entre os poucos convidados, todos patrocinadores da campanha vencedora. A festa em Mar-a-Lago foi, para o trio, a cereja do bolo de uma estratégia que a direita colocou em curso para tentar voltar ao poder em 2026, com um projeto ousado em que política e negócios seriam alavancados pela parceria do bolsonarismo com Trump e Musk.
O bilionário tem planos de aumentar os negócios por aqui depois de perder prestígio na queda de braço com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes.
Gilson Machado acredita que o presidente eleito nos EUA vai implementar mudanças para recuperar a economia americana e impulsionar uma política de costumes conservadora, em alta sintonia com o que defende a direita brasileira. “A vitória acachapante de Trump colocou por água abaixo as acusações contra ele. Vai ajudar a recuperar o Brasil. Somos parceiros históricos dos EUA, muito mais do que da China. Não se troca amor velho por novo”, diz ele, para quem, nos costumes e nos negócios, tanto Trump quanto Musk, “estão alinhados” com o projeto bolsonarista.
O ex-ministro se empolga com a possível parceria. “Ninguém segura um Brasil unido. Vivemos no País mais rico do mundo. A gente tem a tabela periódica embaixo da terra, petróleo… Quem possui mais água do que nós?”, indaga, com o ufanismo nas alturas.
O mote do que vem por aí será a intensificação do confronto com o STF, em cima da orientação de Eduardo de não negociar nem fazer concessões com quem não entende a estranha luta do bolsonarismo por liberdade de expressão, em torno da qual a direita pretende se reorganizar.
A presença do 03 no PL, sob o comando de Marinho, também ex-ministro de Bolsonaro (Desenvolvimento Regional), elimina o principal problema do partido: a proibição de contatos entre Costa Neto e Jair Bolsonaro, ambos alvos na mira permanente da Polícia Federal (PF).
De quebra, marca a dominação da legenda pelo clã, algo que Bolsonaro tentou fazer com o PSL sem sucesso, e realça o fato, que ninguém mais na cúpula do partido faz questão de esconder, de que 03 é o plano B de Jair Bolsonaro caso não vingue a tentativa de derrubar a sua inelegibilidade.
Ações no TSE e um projeto que deve tramitar no Congresso estão em negociação e poderão até gerar uma demanda no STF, mas tecnicamente será difícil de prosperar, por configurar, segundo os juristas, uma clara invasão em atribuições do Judiciário (leia quadro sobre as investigações).
Com o senador Flávio enrolado por causa das rachadinhas e o vereador Carlos na mira da PF nos inquéritos sobre uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete do Ódio, Eduardo é visto como o filho ideal para reforçar o poder da família.
Numa pesquisa da CNT/MDA sobre preferência presidencial para 2026, divulgada na terça-feira 12, foi feita a pergunta sobre quem deveria ser o candidato da direita caso Jair Bolsonaro não possa concorrer.
● O 03 aparece com 4%, acima dos governadores de Minas, Romeu Zema (Novo), e de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil (leia quadro sobre os nomes da direita).
● No topo aparecem o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), com 22,6%, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL), 21,9% e o empresário Pablo Marçal (PRTB), com 20,3%.
“Se a decisão de Bolsonaro for por alguém do clã, embora Michelle esteja bem à frente nas pesquisas, a preferência será por Eduardo”, aposta o cientista político Leonardo Barreto, de Brasília. Michelle avisou concorrerá ao Senado pelo Distrito Federal.
O ex-presidente fez corpo mole na campanha de Ricardo Nunes, em São Paulo, para não dar espaço ao governador Tarcísio de Freitas, e atuou forte pelo candidato do PL em Goiânia, Fred Rodrigues, entrando em confronto com o governador Caiado. Bolsonaro queria passar o recado de que não abrirá espaço para ninguém da direita que não seja de sua família, mas Caiado abafou a mensagem com a vitória de seu candidato, Sandro Mabel.
É uma guerra anunciada na direita envolvendo ainda Zema, e o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). A cúpula do PL e Bolsonaro acreditam que a eleição de Trump resultará em apoio político e poderá ajudar a driblar a inelegibilidade.
Em público, não discutem outra hipótese para 2026 que não seja o ex-presidente. O próprio Eduardo não quer melindrar o pai e se esforçou para deixar claro, em entrevistas, que não há outro plano. Declarou que, assim como Trump, o pai, embalado pela direita internacional, voltará ao poder em 2026.
O problema é que as leis são diferentes. Bolsonaro foi condenado por crime eleitoral em 2023 e está inelegível até 2030. “Falo isso pelos conservadores: não passa pela nossa cabeça que Bolsonaro não esteja elegível em 2026”, diz Gilson Machado.
O ex-ministro afirma que as acusações contra Trump e Bolsonaro, nos episódios do Capitólio e dos ataques às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, são idênticas e devem ter o mesmo destino. “A vitória acachapante do Trump jogou por água abaixo as acusações contra ele. Só ganhou eleição porque no governo dele, apesar da pandemia, os EUA estavam melhor do que hoje”.
Apostando no apoio de Trump e Musk e nas redes sociais turbinadas por plataformas potentes, a direita quer intensificar a campanha contra o STF seguindo orientação de Eduardo Bolsonaro, que, ainda na Flórida, recomendou a Gilson pai e filho que a estratégia é não fazer concessão nem negociar com quem não tiver compromisso com o que considera “liberdade de expressão”.
“Acalmar os ânimos”
É um estranho conceito confundido pelos extremistas como direito de agredir verbalmente ou pregar a ruptura do sistema democrático, como o bolsonarismo tentou intensamente durante os dois meses de intervalo entre a eleição e posse de Lula. Segundo Gilson Machado, a direita acredita que Trump ajudará a “recuperar” a economia brasileira. Na política interna, segundo o ex-ministro, “é hora de acalmar os ânimos”.
Uma mudança de postura endossada por um Bolsonaro diferente de toda sua trajetória política. Na segunda-feira 11, ele publicou um artigo na página de opinião do jornal Folha de S. Paulo com o título Aceitem a Democracia. Personagem central do golpismo, o ex-presidente usa de liberdade poética para dizer agora que “o jardim da política só floresce quando é irrigado pela vontade popular” e, numa alusão ao que disse Lula antes da prisão, em 2017, afirmou que “quando uma ideia ganha a alma do povo, é inútil tentar matá-la simplesmente por meio da violência”. O novo Bolsonaro é diferente inclusive do filho que ele pode ter de acabar fazendo candidato.
Escrivão da Polícia Federal licenciado, Eduardo teve uma passagem apagada como policial.
● Abandonou a carreira em 2014, pouco depois de conseguir uma transferência de Guajará Mirim, na fronteira com a Bolívia, para o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, de onde, sem muita motivação para a carreira, decidiu seguir o pai.
● Elegeu-se deputado por São Paulo em 2014 pelo PSC com 82.224 votos, mas o fato de maior destaque no primeiro mandato foi quando recebeu uma reprimenda do pai por ter se ausentado do plenário justamente na sessão em que Bolsonaro, em 2017, lançou-se pela terceira vez candidato à presidência da Câmara e não pode contar com o voto do próprio filho.
● Na onda bolsonarista de 2018, Eduardo reelegeu-se com 1,84 milhão de votos, a maior votação da história.
● Empolgado com a possibilidade de eleição do pai, numa palestra em Cascavel, no Paraná, durante a campanha, escreveu o primeiro capítulo da crônica de conflitos que marcariam a relação do clã com o STF: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um solado e um cabo”.
● Desde então foram seis anos de um confronto gratuito com o Judiciário, defendendo a reinstituição do AI-5 e uma intervenção militar, proposta tão maluca que se vingasse só poderia derrubar o pai, que governava.
“Nosso garoto”
Eduardo flana pelo mundo, lidera o grupo parlamentar que enfrenta o Judiciário, mas tem também um encontro marcado com o ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos contra o clã no STF. As investigações da PF miram 13 deputados do PL, entre eles Eduardo, que no mês passado encabeçou um dos pedidos de impeachment de Moraes entregues no Senado. Em 2022, perdeu mais de 1 milhão de votos, ficando em terceiro entre deputados paulistas, com 741 mil, mas, curiosamente, é neste mandato que ele mais avança. Medeiros diz que se ele sair mesmo candidato, encontraria apoio ostensivo dos pesos pesados da direita internacional.“Acho que Trump e Musk o tratariam como ‘o nosso garoto’. Ele já tem tamanho. Conseguiu maturidade.” O 03 não quer melindrar o pai — mas está pronto para entrar no jogo.
Colaborou Eduardo Marini
AS BARREIRAS
DE BOLSONARO COM A JUSTIÇA
Ex-presidente é alvo de oito investigações da PF a pedido do Supremo. Poderá virar réu, ser julgado e até preso
Jair Bolsonaro teve os direitos políticos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em outubro de 2023, por oito anos, a contar de outubro 2022, mês das eleições presidenciais, por abuso de poder econômico.
● Havia outras 15 ações no TSE que poderiam resultar na mesma condenação.
● Ao que tudo indica, essa condenação deverá ser apenas a primeira de algumas pancadas a serem levadas da Justiça.
● Ele é alvo de oito investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) com relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
● Se o Ministério Público Federal (MPF) tornar Bolsonaro réu em apenas uma delas, ele será julgado e poderá ser preso.
“Eduardo caiu nas graças de Trump, cresceu muito no partido e adquiriu estatura de respeito junto ao pai.”
José Medeiros, deputado federal (PL-MT)
Em março último ele foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por fraude nas carteiras de vacinação de covid dele e de familiares. E, no início de julho, por desvio e venda ilegal de joias e presentes do patrimônio público da União, recebidos em visitas oficiais a outros países.
Há ainda investigações de:
● vazamento de informações sigilosas sobre um ataque hacker ao TSE, em 2021,
● fake news sobre a vacina da Covid,
● milícias digitais,
● interferência na PF,
● fake news,
● e incentivo à invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
A PF envia suas conclusões à Procuradoria-Geral da República (PGR), instância superior do MPF. Se a PGR apresentar e o Supremo aceitar ao menos uma denúncia dessas oito ações, Bolsonaro vai virar réu e ser julgado normalmente. Se recusarem todas, os processos serão arquivados.
Meses atrás, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, deu indícios de que estaria aguardando os resultados das eleições municipais para apresentar as denúncias. E o ministro Moraes não deverá recusar o que vier.
MUSK,
O “SERVIDOR PÚBLICO” DE TRUMP
Bilionário foi escolhido por Trump para cortar gastos, mas Justiça poderá impedir nomeação
Uma das proezas de Donald Trump foi conquistar o apoio de um bilionário com os cofres ainda mais recheados do que os dele. O empresário Elon Musk, o homem mais rico do mundo, dono da rede social X, da montadora Tesla, da empresa de produção e desenvolvimento aeroespacial Space X, da fabricante de satélites e fornecedora de internet Starlink e de uma fortuna estimada em US$ 314 bilhões (R$ 1,81 trilhão) pediu votos, doou US$ 75 milhões (R$ 432 milhões) para a campanha (R$ 432 milhões) e sorteou, na reta final, US$ 1 milhão (R$ 5,76 milhões) por dia entre assinantes de uma petição de adesão lançada por ele na internet.
Na noite de 5 de novembro, acompanhou a apuração ao lado do republicano como um dos 70 convidados para a festa dada pelo presidente eleito na sua casa, em Mar-a-Lago, na Flórida, onde também estava Eduardo Bolsonaro. Agradecido, Trump anunciou a criação de um departamento de eficiência governamental e a decisão de nomear Musk para o que apelidou de “secretaria de corte de custos”.
Mas a Justiça poderá frustrar o plano do republicano. Especialistas acreditam que o Escritório de Ética Governamental, que supervisiona a idoneidade das nomeações, poderá dar parecer contrário à nomeação por conflito de interesses. Musk tem contratos com o Departamento de Defesa e a Nasa, a agência espacial americana, envolvendo a Tesla e a SpaceX. No cargo, teria como tomar decisões que afetariam esses negócios. Enquanto aguarda a decisão, o bilionário mostra otimismo. Recentemente, afirmou que sua meta é reduzir as despesas do governo em US$ 2 trilhões (R$ 11,5 trilhões), equivalentes a quase 30% do total gasto pelos EUA no ano fiscal de outubro de 2023 a setembro de 2024.