Câmara ensaia pôr ordem na farra das emendas
Medidas que dão mais transparência às emendas parlamentares são resultado de grande acordo entre os Três Poderes e envolvem a sucessãode Arthur Lira e freio ao avanço da anistia a Jair Bolsonaro
Por Marcelo Moreira
Um pequeno passo em direção à transparência no direcionamento dos recursos públicos, mas um enorme caminho percorrido na busca de um entendimento mais amplo em tempos de transição. Essa definição, em tom de alívio, foi dada por uma importante liderança governista depois da aprovação, na Câmara dos Deputados, das novas regras para a definição dos recursos das chamadas emendas parlamentares, instrumento até então usado por deputados federais e senadores para enviar dinheiro do Orçamento da União para suas bases eleitorais.
O texto aprovado foi resultado de um grande acordo envolvendo os Três Poderes, consultas à ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e às altas cúpulas do Palácio do Planalto e do Congresso – consequência de questionamentos feitos pelo ministro do STF Flavio Dino, um crítico da maneira como ocorriam as destinações de dinheiro público por parte dos congressistas.
Depois de meses de conversas, um esboço de projeto surgiu rapidamente para destravar também outras conversas, como a sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara e eventual análise/votação de anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro e vândalos de 8 de janeiro de 2023, data da depredação das sedes dos Três Poderes.
O texto original do projeto ficou a cargo do deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA), vice-líder do governo na Câmara. Indicado por Lira, Elmar Nascimento (União-BA), ex-pretendente à cadeira de presidente da Câmara, foi o relator, que apresentou um substitutivo. “As novas regras devem fortalecer o mecanismo das emendas parlamentares. Aumentar a transparência da aplicação dos recursos públicos está na gênese da atividade do Congresso”, disse Pereira Junior.
O texto foi aprovado na terça-feira, 5, por 330 votos a favor e 74 contrários.
• O projeto é fruto de uma série de reuniões entre os poderes para tentar cumprir exigências do STF de transparência e rastreabilidade.
• O texto segue agora para o Senado, onde deve ser votado ainda neste mês.
• Somente em 2024, os parlamentares tiveram cerca de R$ 52 bilhões do Orçamento para enviar aos seus estados.
De forma pragmática, o texto foi resultado direto de uma conversa inicial entre as lideranças dos Três Poderes em 23 de outubro. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, reuniram-se com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, o anfitrião, com o ministro do STF Flávio Dino e com o advogado-geral da União, Jorge Messias, para definir como serão as mudanças nas regras de emendas.
Foi um encontro de emergência, digamos assim, depois que Flavio Dino suspendeu em agosto a execução das emendas individuais impositivas apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento, também chamadas de transferência especial ou “emendas pix”, que totalizam cerca de R$ 8 bilhões em 2024 e são de execução obrigatória. Sua decisão foi em seguida chancelada pelos 10 outros ministros do STF. Desde então, os Três Poderes buscam consenso para definir as regras que garantam transparência, rastreabilidade e eficiência dessas emendas.
“Texto não cumpre as determinações do STF e ainda oferece margem para a ocorrência de corrupção.”
Transparência Internacional, em nota
Regras mais claras
São três as principais alterações aprovadas pela Câmara:
• limite ao crescimento do montante das emendas no Orçamento,
• obrigação de identificação do local de aplicação dos recursos,
• e autorização do congelamento das indicações para cumprimento das regras de gastos.
O texto também coloca como prioridade o repasse de recursos para projetos estruturantes, como obras em rodovias ou de saneamento, por exemplo. Em relação às chamadas emendas de bancada, cada estado terá direito a um número máximo de emendas, calculado de acordo com o tamanho da sua população: para estados com até 5 milhões de habitantes, oito emendas; para estados com até 10 milhões de habitantes, seis emendas; para estados com mais de 10 milhões de habitantes, quatro emendas.
Apesar da pressa na confecção do texto, sua tramitação e aprovação, o resultado aparentemente agradou a maioria das partes, mas também foi alvo de críticas. A organização Transparência Internacional, por meio de nota, criticou o que considera “brechas” e afirma que permanecem os riscos de “distorções eleitorais” e possibilidades de casos de corrupção. Também constata que não cumpre as exigências feitas pelo STF, além de conter omissões graves. “O texto carece também de mais objetividade no que se refere ao estabelecimento de critérios técnicos para proposição, aprovação e execução de emendas”, diz a nota.
O cientista político Elias Tavares enxerga avanços e pontos positivos no texto que foi aprovado. “É um passo na direção certa. Em essência, reflete o que a população espera: um sistema mais transparente, responsável e focado em resultados sociais. O projeto estabelece regras mais claras e um marco legal que busca organizar a forma como os recursos são direcionados.” Ele acredita que a iniciativa aumenta a segurança na fiscalização da aplicação dos recursos públicos e facilita o seu acompanhamento.
Nos bastidores do Congresso, há um consenso de que o acordo e a aprovação do projeto ajudaram a destravar alguns nós que prometiam causar desconforto geral neste fim de ano.
Clareia o cenário para a disputa da presidência da Câmara, já que traz o governo para o endosso da candidatura favorita de Hugo Motta (Republicanos-PB), que tem o apoio de Arthur Lira.
A contrapartida, para o governo, é o freio nas análises das propostas de anistia a Bolsonaro e aos condenados pelos eventos de 8 de janeiro. Por enquanto, estão todos satisfeitos.