Lições da derrota para os democratas

Lições da derrota para os democratas

Eduardo Marini: "Reconhecer a derrota e criticar com liberdade: foi o que restou e é o que resta"

Por Eduardo Marini

A vitória acachapante do republicano de extrema-direita Donald Trump sobre Kamala Harris, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, na quinta-feira 5, revela muito sobre o cidadão médio americano, o momento atual da única superpotência do mundo e a encruzilhada em que se encontra o Partido Democrata. O líder radical venceu com folga a batalha dos delegados, consolidou maioria confortável no Senado, poderá ter confirmada também a vitória em votos absolutos e tornou mais explícita do que nunca sua alta influência sobre a Suprema Corte americana — com perfil conservador reforçado, por sinal, pelas nomeações de Trump em seu primeiro mandato.

Atormentados com a redução do poder de compra por causa da alta dos preços internos, incomodados com a queda nos níveis de segurança e a redução da oferta de bons empregos, gerada pela ocupação de parte da produção e do mercado internos por outros países, a começar pela China, os eleitores priorizaram o imediatismo, os “apelos” do bolso e do temor, e deram o segundo mandato ao republicano mesmo sendo ele um radical xenófobo, primeiro americano condenado a chegar à presidência.

A sensatez, o carisma e os ataques de Kamala à proibição do aborto e à repulsa feroz de Trump aos imigrantes, bem recebidos sobretudo pelas eleitoras, não foram suficientes para compensar os erros dos democratas e do presidente Joe Biden. O atual ocupante da Casa Branca é criticado internamente por ter demorado a desistir da candidatura. Agonizou em praça pública por muito tempo, encurtando o tempo de campanha da democrata e de reação do partido. À boca pequena, aliados de peso criticam a escolha de Tim Walz para vice na chapa. Ele é seguro e bom de conversa, argumentam, mas ainda pouco popular para uma missão tão pesada.

O crescimento econômico dos Estados Unidos é visto com admiração fora das fronteiras do país, inclusive no Brasil. Mas, no “chão de fábrica”, os eleitores queriam algo mais do governo Biden, a começar por preços mais baixos. O fato de a inflação estar baixa e sob controle não produziu grande efeito diante da constatação geral de que os preços sobem pouco no momento pelo mero fato de já estarem muito altos. Novos aumentos significariam, na prática, menos consumo e venda. Com o título A América Faz Uma Escolha Perigosa, o principal jornal do mundo, o americano The New York Times, opinou em editorial, na quarta-feira 6, que os eleitores americanos “escolheram devolver Donald Trump à Casa Branca colocando a nação em um rumo precário que ninguém pode prever completamente”. No mesmo dia, Kamala parabenizou Trump pela vitória. Reconhecer a derrota e criticar com liberdade: foi o que restou e é o que resta.