Saiba como o Irã se prepara para a guerra
Enquanto correntes mais extremistas e moderadas se enfrentam internamente, o Irã aumenta seu poder armamentista para uma eventual resposta a Israel
Por Denise Mirás
Israel e Irã seguem com hordas de mísseis e drones cruzando fronteiras pelos ares, em resposta a ataques de um e outro lado. Mas, se imagens devastadoras desses conflitos atestam o cenário de guerra, há muito mais ações — e declarações — cuidadosamente estudadas percorrendo os bastidores. O risco dos confrontos no Oriente Médio se avolumarem e se estenderem permanece, mas interesses políticos e econômicos de países envolvidos vêm prevalecendo e a situação se mantém sob controle. Ao menos até a próxima semana, porque a movimentação geopolítica do planeta está congelada, na expectativa pelas eleições americanas.
Na próxima terça-feira, 5 de novembro, a escolha de um novo presidente dos EUA, seja o republicano barulhento e extremista Donald Trump ou a democrata e candidata de última hora Kamala Harris, definirá rumos globais. E certamente o futuro de conflitos como esse de Israel e Irã.
Ataques mútuos entre os dois países se acentuaram no fim de julho.
• Um dia depois da posse de Masoud Pezeshkian como novo presidente do Irã, Ismail Haniyeh (o número 1 do Hamas e convidado para a cerimônia do dia 30 em Teerã), foi assassinado junto com seu guarda-costas.
• A resposta à invasão de seu território, se deu em 1º de outubro. O Irã lançou nada menos que 200 mísseis sobre Israel, mas buscando cirurgicamente alvos militares com os Fattah hipersônicos, com 1.400 quilômetros de alcance a cinco vezes a velocidade do som.
• A justificativa iraniana abrangia ainda o apoio ao Hamas, instalado na Faixa de Gaza, onde já se somam 42 mil civis palestinos mortos pelo exército israelense, e repúdio aos ataques contra a população no sul do Líbano, onde o Hezbollah, outro grupo extremista, tem bases.
A ordem teria partido do aiatolá Ali Khamenei, da facção religiosa xiita, mais extremista e defensora do uso da força, em contraponto ao programa de governo do novo presidente, tido como moderado.
Masoud Pezeshkian foi eleito com a promessa de melhorar as condições de vida da população, que enfrenta inflação a mais de 30% ao ano e forte repressão moral e religiosa. Mas, para isso, precisa promover boas relações diplomáticas e comerciais com países do Ocidente, em especial os EUA.
Em meio a essas duas correntes opostas, como observa Vladimir Feijó, analista de política internacional, as respostas do Irã a conflitos externos têm sido ambíguas: “Normalmente o discurso deles teria frases com ‘resposta ampla’, ‘imensa supremacia’, ‘vamos atacar com tudo’, ‘vamos destruir’. Seria mais hiperbólico”.
Ataque em ondas
Depois do ataque iraniano a Israel, os EUA realimentaram seu porta-aviões que circula no Mar Mediterrâneo com mais tropas em meados de outubro e seu secretário de Defesa, Lloyd Austin, ainda anunciou a instalação de um sistema antimísseis THAAD (mais avançado, para defesa de alta altitude) em Israel. No dia 26, as Forças de Defesa israelenses anunciaram o ataque “em três ondas” contra o Irã, com bombardeios “precisos e direcionados” e declarado sucesso com 20 alvos de defesa antiaérea atingidos pelos mísseis.
Vladimir Feijó lembra da “cultura ocidental de supremacia aérea”, que vem desde a Segunda Guerra e se sobrepõe à ingerência por terra com ataques lançados em ondas: “A primeira é sobre o sistema de defesa inimigo, para destruir sua capacidade de reagir; a segunda visa às bases aéreas e militares; a terceira, a atingir indústrias de construção e produção de armamentos, detonando usinas de energia elétrica, por exemplo, e trens para transporte de armas pelo território, para eliminar a resistência”.
Israel ainda tem histórico de “punição coletiva”, observa o professor, quando se procura arrasar bairros inteiros, para que os inimigo morra de qualquer jeito: se não por bombardeios, por falta de atendimento a feridos com hospitais e quartéis de bombeiros destruídos. “É a chamada Doutrina Dahiya, nome do bairro onde o Hezbollah tinha sede na guerra do Líbano, que foi adotada por Israel pela primeira vez em 1982.”
Se foi assim em Gaza, há quem duvide do sucesso da resposta de Israel contra o Irã no dia 26, como é o caso do ex-diplomata britânico Alastair Crooke. Para ele, que diz ter até soldados como fonte, os israelenses não acreditavam na eficiência dos sistemas de defesa antiaérea iranianos, mas seus caças americanos (os F-16 e F-15, com alcance de 200 quilômetros) teriam sido obrigados a fazer meia-volta a 70 quilômetros da fronteira. Mísseis chegaram a Teerã, mas apenas um sistema de defesa antiaérea teria sido destruído, visto o anúncio da morte de quatro soldados — se fossem 20 os alvos atingidos, provavelmente haveria um número bem maior de soldados operadores mortos.
Armas reforçadas
De toda forma, o Irã diz que se reserva “o direito de resposta” pela invasão em seu território, enquanto segue apoiando grupos extremistas como o Hamas e o Hezbollah, que se reestruturam depois de terem lideranças decapitadas.
• O Hamas, que está na Faixa de Gaza, optou por um comitê de comando com cinco membros;
• o Hezbollah anunciou seu número 2, Naim Qassem, como substituto de Hassan Nasrallah, morto em uma operação israelense em Beirute, no Líbano, no fim de setembro.
E também se prepara: o Parlamento iraniano está para aprovar um projeto que triplica o orçamento reservado para armamentos em 2025 (hoje em US$ 10,3 bilhões/ano).
E já está reforçando investimentos na Marinha, com submarinos e mesmo uma “invenção” própria: um navio de carga, o “Shahid Bagheri”, de convés chato para carregamento de contêineres, que foi adaptado para servir como “porta-drones” no Golfo Pérsico, subindo para o Kuwait ou o Iraque, ou descendo para a Arábia Saudita. Ao mesmo tempo, o país segue com a produção de drones, desde que capturou um americano em 2000, para desenvolvimento próprio.
Nesta semana ainda circularam mais informações sobre armamentos iranianos, diz o professor Feijó, como sistemas de defesa aérea levados pelos russos em aviões cargueiros a localidades próximas de instalações nucleares e de pesquisas — esses seriam os S-400 (os S-500 são os mais avançados).
Outros sistemas desenvolvidos desde 2019 com a Rússia são os Bavar 373, em versão atualizada para lançar mísseis que detonem alvos a 300 quilômetros de distância (teriam sido esses a identificar os caças F-16 e F-15 mandados por Israel na semana passada).
Os sistemas S-300-PMU utilizam mísseis russos adaptados para a umidade, as montanhas típicas do Irã e suas correntes de vento. De tecnologia nativa, os iranianos contam com o Akman, sistema antiaéreo lançado em fevereiro, que opera com mísseis de longa distância: é capaz de atacar seis alvos simultaneamente, com quatro mísseis para cada alvo, em total de 24 mísseis com alcance de 180 quilômetros e capacidade de recarga em três minutos.
“Muito do que se fala de Oriente Médio é distorcido e existem correntes diametralmente opostas sobre o que o Irã representa. É visto como financiador de grupos terroristas por um lado e, por outro, como civilização milenar que não quer ser intimidada”, diz Vladimir Feijó, que ainda observa: o Irã anuncia que “se dá o direito de resposta”, mas em sua primeira reunião como membro pleno dos BRICS, na semana passada, deve ter sido pressionado pela Rússia para não envolvê-la em mais essa guerra, o que também arrastaria os EUA.