Internacional

Saiba como o Irã se prepara para a guerra

Enquanto correntes mais extremistas e moderadas se enfrentam internamente, o Irã aumenta seu poder armamentista para uma eventual resposta a Israel

Crédito: Defesa Aérea do Irã

O Irã deve triplicar verba para armamentos, passando de US$ 30 bilhões/ano (Crédito: Defesa Aérea do Irã)

Por Denise Mirás

Israel e Irã seguem com hordas de mísseis e drones cruzando fronteiras pelos ares, em resposta a ataques de um e outro lado. Mas, se imagens devastadoras desses conflitos atestam o cenário de guerra, há muito mais ações — e declarações — cuidadosamente estudadas percorrendo os bastidores. O risco dos confrontos no Oriente Médio se avolumarem e se estenderem permanece, mas interesses políticos e econômicos de países envolvidos vêm prevalecendo e a situação se mantém sob controle. Ao menos até a próxima semana, porque a movimentação geopolítica do planeta está congelada, na expectativa pelas eleições americanas.

Na próxima terça-feira, 5 de novembro, a escolha de um novo presidente dos EUA, seja o republicano barulhento e extremista Donald Trump ou a democrata e candidata de última hora Kamala Harris, definirá rumos globais. E certamente o futuro de conflitos como esse de Israel e Irã.

Ataques mútuos entre os dois países se acentuaram no fim de julho.

Um dia depois da posse de Masoud Pezeshkian como novo presidente do Irã, Ismail Haniyeh (o número 1 do Hamas e convidado para a cerimônia do dia 30 em Teerã), foi assassinado junto com seu guarda-costas.

A resposta à invasão de seu território, se deu em 1º de outubro. O Irã lançou nada menos que 200 mísseis sobre Israel, mas buscando cirurgicamente alvos militares com os Fattah hipersônicos, com 1.400 quilômetros de alcance a cinco vezes a velocidade do som.

A justificativa iraniana abrangia ainda o apoio ao Hamas, instalado na Faixa de Gaza, onde já se somam 42 mil civis palestinos mortos pelo exército israelense, e repúdio aos ataques contra a população no sul do Líbano, onde o Hezbollah, outro grupo extremista, tem bases.

Os caça F-16 americanos, usados por Israel contra o Irã (Crédito:Jack Guez)
(Jack Guez)

A ordem teria partido do aiatolá Ali Khamenei, da facção religiosa xiita, mais extremista e defensora do uso da força, em contraponto ao programa de governo do novo presidente, tido como moderado.

Masoud Pezeshkian foi eleito com a promessa de melhorar as condições de vida da população, que enfrenta inflação a mais de 30% ao ano e forte repressão moral e religiosa. Mas, para isso, precisa promover boas relações diplomáticas e comerciais com países do Ocidente, em especial os EUA.

Em meio a essas duas correntes opostas, como observa Vladimir Feijó, analista de política internacional, as respostas do Irã a conflitos externos têm sido ambíguas: “Normalmente o discurso deles teria frases com ‘resposta ampla’, ‘imensa supremacia’, ‘vamos atacar com tudo’, ‘vamos destruir’. Seria mais hiperbólico”.

Ataque em ondas

Depois do ataque iraniano a Israel, os EUA realimentaram seu porta-aviões que circula no Mar Mediterrâneo com mais tropas em meados de outubro e seu secretário de Defesa, Lloyd Austin, ainda anunciou a instalação de um sistema antimísseis THAAD (mais avançado, para defesa de alta altitude) em Israel. No dia 26, as Forças de Defesa israelenses anunciaram o ataque “em três ondas” contra o Irã, com bombardeios “precisos e direcionados” e declarado sucesso com 20 alvos de defesa antiaérea atingidos pelos mísseis.

Vladimir Feijó lembra da “cultura ocidental de supremacia aérea”, que vem desde a Segunda Guerra e se sobrepõe à ingerência por terra com ataques lançados em ondas: “A primeira é sobre o sistema de defesa inimigo, para destruir sua capacidade de reagir; a segunda visa às bases aéreas e militares; a terceira, a atingir indústrias de construção e produção de armamentos, detonando usinas de energia elétrica, por exemplo, e trens para transporte de armas pelo território, para eliminar a resistência”.

Israel ainda tem histórico de “punição coletiva”, observa o professor, quando se procura arrasar bairros inteiros, para que os inimigo morra de qualquer jeito: se não por bombardeios, por falta de atendimento a feridos com hospitais e quartéis de bombeiros destruídos. “É a chamada Doutrina Dahiya, nome do bairro onde o Hezbollah tinha sede na guerra do Líbano, que foi adotada por Israel pela primeira vez em 1982.”

Mísseis Sayad-3 de projeto e fabricação iranianos (Crédito:AFP Photo / Iranian Defence Ministry)

Se foi assim em Gaza, há quem duvide do sucesso da resposta de Israel contra o Irã no dia 26, como é o caso do ex-diplomata britânico Alastair Crooke. Para ele, que diz ter até soldados como fonte, os israelenses não acreditavam na eficiência dos sistemas de defesa antiaérea iranianos, mas seus caças americanos (os F-16 e F-15, com alcance de 200 quilômetros) teriam sido obrigados a fazer meia-volta a 70 quilômetros da fronteira. Mísseis chegaram a Teerã, mas apenas um sistema de defesa antiaérea teria sido destruído, visto o anúncio da morte de quatro soldados — se fossem 20 os alvos atingidos, provavelmente haveria um número bem maior de soldados operadores mortos.

Armas reforçadas

De toda forma, o Irã diz que se reserva “o direito de resposta” pela invasão em seu território, enquanto segue apoiando grupos extremistas como o Hamas e o Hezbollah, que se reestruturam depois de terem lideranças decapitadas.
O Hamas, que está na Faixa de Gaza, optou por um comitê de comando com cinco membros;
o Hezbollah anunciou seu número 2, Naim Qassem, como substituto de Hassan Nasrallah, morto em uma operação israelense em Beirute, no Líbano, no fim de setembro.

E também se prepara: o Parlamento iraniano está para aprovar um projeto que triplica o orçamento reservado para armamentos em 2025 (hoje em US$ 10,3 bilhões/ano).

E já está reforçando investimentos na Marinha, com submarinos e mesmo uma “invenção” própria: um navio de carga, o “Shahid Bagheri”, de convés chato para carregamento de contêineres, que foi adaptado para servir como “porta-drones” no Golfo Pérsico, subindo para o Kuwait ou o Iraque, ou descendo para a Arábia Saudita. Ao mesmo tempo, o país segue com a produção de drones, desde que capturou um americano em 2000, para desenvolvimento próprio.

Nesta semana ainda circularam mais informações sobre armamentos iranianos, diz o professor Feijó, como sistemas de defesa aérea levados pelos russos em aviões cargueiros a localidades próximas de instalações nucleares e de pesquisas — esses seriam os S-400 (os S-500 são os mais avançados).

Outros sistemas desenvolvidos desde 2019 com a Rússia são os Bavar 373, em versão atualizada para lançar mísseis que detonem alvos a 300 quilômetros de distância (teriam sido esses a identificar os caças F-16 e F-15 mandados por Israel na semana passada).

Os sistemas S-300-PMU utilizam mísseis russos adaptados para a umidade, as montanhas típicas do Irã e suas correntes de vento. De tecnologia nativa, os iranianos contam com o Akman, sistema antiaéreo lançado em fevereiro, que opera com mísseis de longa distância: é capaz de atacar seis alvos simultaneamente, com quatro mísseis para cada alvo, em total de 24 mísseis com alcance de 180 quilômetros e capacidade de recarga em três minutos.

Iranianos transformaram um navio cargueiro com convés plano para contêineres, a ser usado como ‘porta-drones’ com rampa de lançamento (Crédito:Divulgação)
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“Muito do que se fala de Oriente Médio é distorcido e existem correntes diametralmente opostas sobre o que o Irã representa. É visto como financiador de grupos terroristas por um lado e, por outro, como civilização milenar que não quer ser intimidada”, diz Vladimir Feijó, que ainda observa: o Irã anuncia que “se dá o direito de resposta”, mas em sua primeira reunião como membro pleno dos BRICS, na semana passada, deve ter sido pressionado pela Rússia para não envolvê-la em mais essa guerra, o que também arrastaria os EUA.

Ex-número 2 do Hezbollah, Naim Qassem é o novo líder do grupo (Crédito:Divulgação)