Brasil

Proliferação de armas cresce no Brasil e põe CACs na mira

O caso do atirador de Novo Hamburgo, na Grande Porto Alegre, expõe a gravidade do crescimento de armas e de portadores de registro, aumentando riscos de novos incidentes violentos e de crescimento do crime organizado

Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil

“O projeto de lei prevê o cancelamento de todos os registros de colecionadores e atiradores não-olímpicos”, diz Gleisi Hoffmann, Deputada Federal (PT-PR) (Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

Por Marcelo Moreira

Um efetivo maior que o das Forças Armadas, fora de controle e migrando para o crime organizado. Esse é o quadro alarmante sobre os registros dos chamados CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) em 2024, mesmo depois das promessas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de restringir a concessão de novas autorizações e de reduzir o número de armas em circulação no Brasil. Não só não cumpriu a promessa, como viu a proliferação de armas e de registros aumentar neste ano, apesar de um decreto federal assinado em 2023 com medidas de restrição ao acesso aos armamentos.

Os alertas foram ligados novamente depois de mais um caso de, aparentemente, surto psicótico de um portador de registro e CAC que terminou em morte sequencial no Brasil.
Foi em Novo Hamburgo, na Grande Porto Alegre (RS).
O caminhoneiro Edson Crippa, de 45 anos, matou o pai, o irmão e dois soldados da Brigada Militar no dia 24 de outubro, além de ferir outras oito pessoas.
O atirador foi morto por soldados da própria Brigada e, segundo familiares, tinha histórico de esquizofrenia e surtos psicóticos.
Ele tinha registro de CAC e quatro armas em casa, além de farta munição.

O caminhoneiro Edson Crippa, de 45 anos: registrado oficialmente como CAC, ele matou o pai, o irmão e dois soldados (Crédito:Agencia Enquadrar)

Especialistas em segurança temem que casos como esse aconteçam com mais frequência por conta do aumento progressivo da circulação de armas no Brasil, além do crescimento acelerado da emissão de certificados de registro de CACs.

Dados do Exército Brasileiro divulgados em julho demonstram o perigo:
em dezembro de 2022, os CACs tinham 1.277.170 armas registradas;
em junho de 2024, eram 1.366.845, um salto de 7%.
Os registros gerais de todos os tipos de CACs, há dois anos, somavam 1.786.536.
Agora, contabilizam 1.867.558, um aumento de 4,5% (cada pessoa pode ser, ao mesmo tempo, atirador, caçador e colecionador).

Para uma comparação, as três Forças Armadas reúnem um efetivo de cerca de 300 mil homens em circunstâncias normais.

Caminhoneiro Edson Crippa (Crédito:Divulgação)

Crime organizado

A situação fica mais perigosa diante de um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz que constata o aumento da presença de pessoas com registro de CAC em atividades ligadas ao crime organizado

O levantamento identifica que eles estão sendo utilizados para apoiar uma ampla variedade de atividades criminosas, incluindo:
tráfico de drogas;
quadrilhas de roubo de valores e “novo cangaço”;
milícias urbanas e rurais;
grupos de extermínio,
e grilagem de terras.

Entre 2020 e 2023 os casos subiram seis vezes, pulando de 2 para 12.

Já um documento do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que ao menos 8% das armas apreendidas em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a CACs.

Esse aumento coincide com a flexibilização das regras de controle de armas promovida durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022).

Um caso se destaca entre os analisados: é o de um casal do Rio de Janeiro que usou o registro de CAC para comprar todo o limite concedido pelo governo Bolsonaro. O casal adquiriu, em 2022, 26 fuzis T4 Taurus que, segundo investigação da Polícia Civil, seriam repassados para o Comando Vermelho, além de 11 mil munições. Todos os itens controlados eram comprados e transportados legalmente com guias de trânsito do Exército.

Também em 2022, a operação Ludibrio, da Polícia Federal, prendeu um armeiro do PCC que conseguiu usar certidões falsas para se registrar como CAC, mesmo tendo 16 inquéritos ou processos judiciais, inclusive por homicídio. Ele tinha sete armas em seu nome, incluindo um fuzil 556 mm e uma carabina 9mm.

“Casos como esses mostram que esse tipo de desvio é mais comum do que se imagina. Se houver um investimento pesado em investigação desse tipo, provavelmente muitos outros casos serão descobertos”, avalia Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Flexibilização das regras: bandeira do governo Bolsonaro (Crédito:Divulgação)

Rafael Alcadipani, advogado que integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lamenta os dados alarmantes e vê com preocupação as dificuldades de conter a proliferação de armas dos CACs. “Quanto mais delas em circulação, maior é o aumento da violência e maiores as chances de que abasteçam o crime organizado. A violência tende a crescer”, diz.

Parlamentares atentos à proliferação de armas estão se movimentando para tentar aumentar o controle efetivo.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que criou há dois anos a Frente Parlamentar de Controle de Armas, enfrenta a ira da Bancada da Bala.
O mesmo ocorre com a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do partido. Ela anunciou que ainda neste ano apresenta um projeto de lei para proibir clubes de tiro que não sejam exclusivamente para a prática esportiva visando a projetos olímpicos. “O texto também prevê o cancelamento de todos os registros de colecionadores, atiradores que não sejam de nível olímpico e caçadores.”

Dentro do Ministério da Justiça há certo ceticismo em relação à eficiência desse tipo de iniciativa por conta das dificuldades jurídicas. O problema é que não seria possível restringir o acesso de quem já está legalizado dentro das regras atuais. Ainda assim, o governo analisa alternativas para desacelerar e, de alguma forma, restringir a proliferação de CACs e suas aquisições de armas.