O Brasil que sai das urnas
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
• Com o pífio crescimento do PT, Lula se torna refém da centro-direita e terá de entregar mais ministérios para poder disputar em 2026
• Com o apoio de Lira, Bolsonaro condiciona sua própria anistia a apoios a Hugo Motta e Alcolumbre, forçando um “acordão” no Congresso
Poucas imagens representam o desafio que o presidente Lula tem pela frente como a do palanque da vitória de Ricardo Nunes em São Paulo: o prefeito ao centro, recebendo um abraço aconchegante do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), ladeado pelos presidentes do PSD, Gilberto Kassab (à esquerda), e, do MDB, deputado Baleia Rossi (à direita), os dois maiores vencedores em 2024 e que serão protagonistas da disputa presidencial de 2026, que ficou aberta com a contagem dos votos no domingo passado.
No foto, estão os destinos de Lula e de Tarcísio, ambos dependentes da centro-direita, onde PSD e MDB, as noivas mais cobiçadas, andam atualmente com um pé em cada canoa, ocupando cargos na prefeitura paulistana, no governo de São Paulo e, somados, seis ministérios no governo Lula 3.
O tímido desempenho do PT e dos demais partidos da esquerda que, somados, ficaram com apenas 19% do eleitorado, joga Lula no colo da direita e o torna refém do centro, duas forças especializadas no jogo fisiológico, que só não abandonarão o presidente se Tarcísio decidir mesmo concorrer à reeleição e não ao Palácio do Planalto em 2026, como quer a maioria dos líderes conservadores, entre eles Ricardo Nunes, que é contra a repetição da frente que elegeu o petista.
“É o velho Brasil das oligarquias de novo na cena! Metade do PT da Câmara está conversando com o Lira sobre a anistia Bolsonaro.”
Francisco Carlos Teixeira, sociólogo e historiador
Lula é o único nome colocado no tabuleiro, mas sua viabilidade passa a depender agora das forças que mandam no Congresso.
• O ponto de partida foi dado na terça-feira, 29, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao oficializar seu apoio à candidatura do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) à sua sucessão, como sempre, dando uma martelada no cravo e outra na ferradura: na mesma ocasião, anunciou a criação de uma comissão especial que irá analisar a anistia dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, uma manobra para tentar reabilitar o ex-presidente Jair Bolsonaro a partir das eleições na Câmara e Senado, em fevereiro do ano que vem.
• Em visita ao Congresso horas mais tarde, para negociar com Lira e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o favorito para suceder o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o líder da extrema direita inelegível adorou tanto a ideia que participou de tratativas para criar a comissão.
• Se por um lado Lira adiou a votação do projeto na Câmara, também abriu caminho para um grande acordo de pacificação entre as forças da elite política em conflito desde que o extremismo emergiu, em 2018. Foi o próprio Bolsonaro quem revelou que a ideia do colegiado surgiu de um acordo comum em que foi ouvido e, sem nenhum constrangimento, disse que a anistia a si próprio “está sempre nas nossas pautas”.
• E admitiu que, na paralela, busca entendimentos para desfazer sua inelegibilidade. “Tem certos acordos que a gente faz no tête-à-tête, não tem nada escrito. O que a gente quer é solução”.
A proposta de discutir a anistia depois da eleição é uma estratégia de Lira para tentar garantir os votos do PL e do PL para Motta. Ele terá de enfrentar Kassab e o União Brasil, que apoiam, respectivamente, os deputados baianos Antônio Brito e Elmar Nascimento, este ainda magoado com a traição de Lira.
O pupilo do presidente da Câmara disse que não irá misturar anistia com sucessão, mas também considera o tema relevante e inevitável para o Congresso.
“Não estamos contra o PL da Anistia, pelo contrário. A Comissão Especial construirá um relatório que busque, com equilíbrio, aquilo que a Casa representa. É um tema que deve ser debatido”. É tudo que Bolsonaro gostaria de ouvir, já que ainda nem réu é. O tempo favorece articulações do acordo que envolve sucessão no Congresso, a reconstrução da harmonia entre os poderes – com o fim dos ataques da extrema direita e a retirada da pressão pelo impeachment de ministros do STF defendida pelos bolsonaristas -, o acordo sobre as emendas parlamentares e, o que interessaria ao governo e PT, a definição de um horizonte mais suave para Lula disputar a reeleição em 2026.
A contrapartida, é claro, seria a reabilitação de Bolsonaro através de um projeto de anistia ou graça concedida por decisão das duas casas do Congresso, o que jogaria para as calendas a responsabilização do ex-presidente pelos crimes cometidos durante o mandato. Ele não escaparia dos processos, mas com os direitos políticos mantidos ganharia um tempo enorme exercitando a ampla defesa e a presunção de inocência, o que poderia retardar uma sentença definitiva por seis a oito anos.
O cientista político Francisco Carlos Teixeira não tem dúvida de que esse obsceno acordo está em gestação e não será enfrentado pelo núcleo político do Palácio do Planalto representado pelos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), que não farão esforços para contrariar tratativas em curso conduzidas por Lira e Alcolumbre. “É o velho Brasil das oligarquias de novo na cena! Pelas informações que temos, metade do PT da Câmara está conversando com o Lira sobre isso. E essa mesma metade acha que é melhor para o Lula concorrer com o Bolsonaro de novo do que contra um candidato da direita que não tenha a ficha suja”.
Lula à direita
Outro especialista, o sociólogo Alberto Carlos Almeida, diz que ninguém tem o dom de saber o que vai acontecer no país. “O que está se vendo é o início de uma grande barganha. Está tudo na mesa. Bolsonaro está dizendo o que quer, mas vai ter de botar as cartas dele e mostrar que poder tem”.
Um dos petistas favoráveis a incursão de Lula mais à direita, mesmo que a guinada custe fechar os olhos para a anistia de Bolsonaro, é o deputado Washington Quaquá, eleito prefeito de Maricá no último domingo.
A pressão pela manutenção do poder do Congresso sobre o orçamento via emendas parlamentares entra de contrabando na mesa das negociações.
• Na mesma terça-feira, 29, o ministro Gilmar Mendes, do STF, numa decisão técnica, acabou contribuindo para as negociações em curso ao anular todos os crimes atribuídos na Lava Jato ao ex-ministro José Dirceu.
• Bolsonaro não perdeu a oportunidade para também reivindicar o perdão: “José Dirceu está livre de tudo e pode ser candidato a deputado em 2026”.
• Assim como Dirceu, que deve ser candidato a deputado federal por São Paulo, voltam também ao cenário político outros dois militantes de peso no governo Lula 1: os ex-deputado José Genoíno, ex-presidente do PT, e João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, que chegou a defender a indicação de Lira como ministro de Lula no ano que vem.
“Existe gente na direção do partido e na cúpula do governo que vive num metaverso.
As esquerdas em geral e o PT, em particular, sofreram uma grande derrota eleitoral.”
Valter Pomar, dirigente do PT
O jogo da sucessão presidencial está na mesa e Lula, por enquanto, é o único candidato. Pragmático e eleitoreiro, o presidente deve ceder espaço ao centrão que, afinal, é sua única opção. Caso a Câmara decida perdoar Bolsonaro, Lula pode até falar contra, mas não moverá montanhas para impedir. Joga a seu favor o comportamento de uma direita que faz política com o fígado e se especializou em dar tiro no próprio pé, como fizeram Pablo Marçal com o laudo falso contra Guilherme Boulos e, no domingo, Tarcísio com o delirante relatório de inteligência afirmando, com as urnas ainda abertas e ao lado de Nunes, que o PCC orientara o voto no candidato do PSOL, leviandade que pode custar ao governador a suspensão de seus direitos políticos.
Mas nenhum deles superou os desastrados movimentos de Bolsonaro, que desagradou numa só tacada Tarcísio e os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado e do Paraná, Ratinho Júnior, se omitindo em São Paulo e apostando todas as fichas em candidatos que desafiaram os aliados, três presidenciáveis da direita.
As vitórias de Nunes, em São Paulo, de Eduardo Pimentel (PSD), em Curitiba, e Sandro Mabel (União Brasil), em Goiânia, representaram derrotas amargas para Bolsonaro. Ele também conseguiu desagradar sua ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) ao pedir votos em Campo Grande para Rose Modesto (União Brasil), pleito vencido pela atual prefeita, Adriane Lopes (PP).
O crescimento do PL, que conseguiu o maior número de vitórias em municípios com mais de 200 mil habitantes, 16, quatro delas em capitais, tem a força do carisma de Bolsonaro, mas as negociações daqui pra frente seguirão o pragmatismo do presidente do partido, Valdemar Costa Neto, que não está nem aí para ideologia dos extremistas.
O PL foi também o partido com mais votos para prefeito, 15,5 milhões, quase o dobro do PT, que encerrou uma disputa em 15 municípios com vitória apenas em uma capital, Fortaleza, além de três nos municípios com mais de 200 mil habitantes (Camaçari, Mauá e Pelotas).
PT Lava roupa suja
O pior foi o início de uma lavação de roupa suja em público raramente vista no PT.
• A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, criticou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por este ter afirmado que o PT continua no “Z-4” dos municípios, uma referência ao grupo de rebaixamento do Campeonato Brasileiro.
• Gleisi recomendou que Padilha focasse nas articulações políticas do governo, “de sua responsabilidade e que ajudaram a chegar a esses resultados”.
• No site do PT, a exaltação do crescimento do partido em um texto publicado, levou outro dirigente, Valter Pomar, a colocar mais lenha na fogueira. “Existe gente na direção do partido e na cúpula do governo que vive num metaverso”, cutucou.
• Para Pomar, as esquerdas em geral e o PT, em particular, sofreram uma grande derrota eleitoral.