Zanin, do STF, assume investigação sobre suspeita de venda de sentenças
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
• Suspeita de venda de sentenças contamina judiciários estaduais e pode chegar ao STJ
• Ministro Zanin puxa para o Supremo inquérito sobre assassinato de advogado e reforça atuação da PF no escândalo
A operação da Polícia Federal que resultou no afastamento em bloco de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul levanta suspeitas de venda de sentenças em tribunais de outros cinco estados e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na terça-feira 29, provocado pela PF e Ministério Público Federal, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que as investigações que originaram a denúncia, há dez meses no TJ do Mato Grosso, fossem transferidas para seu gabinete com os cerca de 3,5 mil arquivos encontrados no celular de um dos operadores do esquema, o advogado Roberto Zampieri.
• Numa aparente tentativa de queima de arquivo, Zampieri foi executado em dezembro de 2023, quando chegava ao escritório de trabalho, numa área nobre da capital do estado, Cuiabá.
• Em busca de detalhes que pudessem elucidar o homicídio, a polícia acabou descobrindo, por acaso, uma sofisticada rede de corrupção.
• Ao puxar o fio do novelo, descobriu um esquema que começa em escritórios de advogados com acesso privilegiado a tribunais, conta com serviços de lobistas profissionais, servidores graduados do judiciário, magistrados, e movimenta uma usina milionária de propinas como contrapartida de decisões favoráveis a criminosos e corruptos.
No mesmo dia em que a PF saiu às ruas para cumprir mandados de buscas em Campo Grande, Cuiabá, São Paulo e Brasília, o ministro Francisco Falcão, do STJ, determinou o afastamento do presidente do TJ de Mato Grosso do Sul, Sérgio Fernandes Martins, e dos desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Marco José de Brito Rodrigues, Sideni Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos.
Na casa do desembargador aposentado José Roberto Siqueira Cardoso, que deixou o cargo em junho depois de 40 anos, em Campo Grande, a PF apreendeu cerca de R$ 3 milhões.
Como qualquer suspeito, os magistrados estão proibidos de acessar os prédios dos tribunais e se comunicar. Serão monitorados por tornozeleira eletrônica até o encerramento do inquérito policial.
O advogado assassinado, suspeito também de ter atuado como lobista e corruptor, é um dos elos que conecta várias pontas do esquema a servidores de quatro gabinetes do STJ.
Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, apontou movimentações financeiras atípicas nas contas bancárias do ministro Paulo Moura Ribeiro, o que levou Zanin a chamar para si os inquéritos, que serão tocados pela PF sob sua relatoria.
O ministro nega que tenha praticado ato ilícito. Explicou que a suposta discrepância se deve a valores que recebeu por aulas, palestras e gastos que teve com a reforma de um imóvel da família. As investigações, segundo afirma, vão mostrar que não cometeu ilegalidade.
Juízes afastados
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que as suspeitas de corrupção levaram o STJ a afastar, este ano, dez desembargadores em seis Estados:
• seis no Mato Grosso do Sul,
• dois no Mato Grosso,
• um em São Paulo,
• e o outro em Goiânia.
As desconfianças rondam outros tribunais. Na Bahia, desde que foi deflagrada a Operação Faroeste, em 2019, oito desembargadores e três juízes de primeira instância foram afastados também por suspeita de venda de sentença, a maioria relacionada a conflitos fundiários. Um dos poderes mais corporativos da República, o judiciário não suspende o salário dos desembargadores afastados.
Há cinco anos tentando emplacar a CPI da Toga, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) disse a ISTOÉ que as suspeitas nos TJs reforçam a necessidade de investigação ampla sobre o judiciário, especialmente nos tribunais superiores. Elas estão inseridas no contexto da corrupção generalizada que contamina todo o aparato estatal nos três poderes. “Isso mostra que existe infiltração criminosa. Serão necessários novos mecanismos de combate, que passam por uma legislação mais agressiva direcionada à lavagem de dinheiro, que se conecta aos outros crimes”.
Delegado de polícia, o senador afirma que, com o fim das forças-tarefas de combate a corrupção, os órgãos de controle foram esvaziados por interesses políticos e se amedrontaram. “No caso do judiciário, onde o CNJ atua, até os TJs, claramente não se faz autocontenção”.
Na Câmara, o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) também colhe assinaturas para tentar instalar a CPI da Venda de Sentenças. A grande dúvida é se há vontade política no governo e no legislativo. E mais importante: se o judiciário está disposto a cortar na própria carne para estancar os desvios.