Internacional

Kamala x Trump: entenda a disputa que define o futuro do mundo

Crédito: Brandon Bell

Trump promete aumentar juros e tarifas; Kamala terá dificuldade com interesses da indústria de armas (Crédito: Brandon Bell)

Por Eduardo Marini

RESUMIO

• Donald Trump e Kamala Harris chegam à reta final da eleição à Presidência dos EUA empatados em tudo
• Cenário indefinido altera câmbio, bolsas e mercados nos principais países, gera especulações e impõe uma questão: qual será o destino dos americanos — e do mundo — caso um ou outro ganhe?

 

O dólar voltou a se impor sobre uma cesta recheada de moedas de nações importantes na semana que passou. Entre elas o Brasil, onde fechou a R$ 5,78 na quarta- feira, 30. Mesmo com alguns motivos internos adicionais para ajudar a impulsionar a moeda americana por aqui, a pancada simultânea no câmbio de tantos países não foi mera obra do acaso. Uma preocupação comum atormentava o mundo: após o cenário de indefinição das eleições americanas, marcadas para terça-feira, 5 de novembro, qual será o destino dos EUA — e do mundo — se o incendiário e imprevisível republicano Donald Trump voltar à Casa Branca? E se chegar a vez da adversária, a combativa e firme democrata Kamala Harris?

No sprint final de campanha, eles empatam, dentro das margens de erro, em todos os levantamentos e agregadores de pesquisas, incluindo as feitas nos swing states, os estados decisivos (leia quadros).

• Se o republicano vencer, certamente haverá, como prometido, alta de juros internos e globais e aumento das tarifas de importação. No plano externo, as outras moedas seguirão se desvalorizando e as pessoas terão um mundo ainda mais belicoso.

• Na hipótese de vitória da democrata, a maioria espera políticas de imigração mais amenas, benefícios fiscais generosos aos de baixa renda — bancados com aumento de impostos para empresas e milionários, como avisado —, investimentos em redução de emissão de gases e apoio à Ucrânia contra a Rússia. Mas também dificuldades políticas para interferir no conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza.

O presidente eleito tomará posse em 20 de janeiro. Não por coincidência sobram farpas entre os dois. “Esses ditadores (da extrema-direita europeia) e autocratas torcem por você novamente para manipulá-lo com favores”, disparou Kamala contra Trump. “É certo que não vou perder nem reconhecerei derrota para ela em qualquer hipótese”, não cansa de repetir o republicano.

Há expectativas positivas e negativas em relação aos dois lados, mas o possível retorno do republicano ao poder gera mais temor por causa da experiência antidemocrática de seu governo anterior e do discurso agressivo de campanha, recheado de discriminação, xenofobia e autoritarismo.

“Trump não tem respeito pelas instituições democráticas. A invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 prova isso”, afirma a americana Jana Silverman, PhD em Economia do Trabalho e professora de Relações Internacionais da UFABC. “Internamente, uma das cláusulas do seu Projeto 2025 é restringir empregados públicos federais aos de sua confiança. Quer ainda eliminar sindicatos, anular outras proteções trabalhistas e sociais e se abastecer do que chamamos de whistleblowers, pessoas contratadas para denunciar informações confidenciais ou ilegais em organizações e empresas. Em resumo: entregar pessoas covardemente. São tentativas claras de destruir as instituições que fizeram frente ao seu autoritarismo no primeiro mandato e livraram os EUA e o mundo de uma situação que poderia ter sido muito pior”, detalha Jana.

“Esses ditadores e autocratas torcem por você novamente para manipulá-lo com favores” Kamala Harris, sobre Trump

O sentimento de vingança de Trump e o enfrentamento de setores contrários a seus projetos se refletem na sociedade americana. “Há grande apoio a Trump em um ambiente totalmente polarizado”, identifica Janina Onuki, diretora e professora titular do Instituto de Relações Internacionais da USP.

A eleição do republicano, afirma, ampliaria a polarização no mundo. “E repercutiria em todas as relações internacionais, incluindo com o Brasil, dada a posição de Trump sobre conflitos, sempre com incentivo à relação amigo-inimigo. Internamente, o risco é a volta da política do medo, que estimula divergência, discriminação e ódio.”

A postura de Trump em relação ao governo Lula também preocupa. “O Brasil sempre manteve relações diplomáticas, comerciais e econômicas com os EUA, mas o diálogo certamente seria mais difícil com Trump, pelas diferenças políticas e ideológicas e a assimetria de poder.”

Kamala e o Brasil

E se der Kamala Harris, o que mudará? Será bom ou ruim para o Brasil? “Seu discurso é menos polarizado e mais tolerante. Há possibilidade de diálogo — e isso é bom para o governo brasileiro”, pondera Janina. “Mas ela sofrerá muitas pressões internas e externas. Terá desafios importantes, como o conflito entre Israel, apoiado historicamente pelos EUA, e a Palestina. Enfrentará situações cada vez mais complicadas, mas com maior possibilidade de retorno às atuações pelas organizações internacionais.”

O sociólogo Paulo Niccoli, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da ESPM-SP, enxerga sinceridade e boas intenções em Kamala, mas considera muito difícil para ela alterar pontos polêmicos da política externa americana, adotados, inclusive, pelo governo do democrata Joe Biden, de quem é vice. “Ela tem se mostrado crítica ao massacre dos palestinos, mas terá poucas forças para mudar essa realidade. Precisaria, para isso, enfrentar interesses internos violentos e bilionários do Partido Democrata. Independentemente de o presidente ser democrata ou republicano, existe uma fortíssima indústria da guerra nos EUA ligada ao mercado armamentista. Na Europa, ela reforçaria a defesa a democracia na luta contra os governos autocráticos e neofascistas. Nesse ponto, poderia ter mais protagonismo do que Biden, mas muito dificilmente conseguirá modificar algum cenário da política externa americana.”

(Stefan Jeremiah)

“É certo que não vou perder nem reconhecerei derrota para ela em qualquer hipótese.”
Donald Trump, sobre Kamala e o resultado

Nessa reta final, temores e angústias de governos, agentes de mercado e defensores das duas candidaturas sobre o rumo a ser tomado pelos EUA e o mundo após o resultado são ampliados, dentro e fora do país, pela indefinição absoluta do cenário, acirrada pelo empate técnico em tudo. Entre a noite de quarta-feira 30 e a manhã de quinta-feira 31, o agregador RealClearPolitics, que faz a média ponderada diária das pesquisas divulgadas desde o início de maio, deu 48,4% das intenções de voto ao republicano e 48% à democrata.

Para interpretar esses números e percentuais, é necessário entender como funciona o peculiar sistema eleitoral americano. Nestes últimos dias, as tentativas de seduzir o multifacetado eleitorado do país se darão, em especial, em sete dos 50 estados:
Pensilvânia,
Carolina do Norte,
Georgia,
Michigan,
Winconsin,
Arizona,
e Nevada.

O motivo é relevante: eles são os swing states, ou estados-pêndulo, aqueles que não dão a vitória — e os delegados votantes do final — a democratas ou a republicanos em todas as eleições seguidas. Seus eleitores oscilam entre um e outro partido, a depender da situação econômica e social do país no período de votação.

Ao fim das contas, acabam decidindo a parada. Isso porque os eleitores americanos não escolhem diretamente o presidente. A votação popular define o vencedor em cada estado, que terá o direito de indicar todos os delegados daquela unidade federativa para o colégio eleitoral de 538 integrantes. As exceções são Maine (quatro delegados) e Nebraska (cinco), que entregam representantes na proporção dos votos recebidos por cada partido. Quanto mais populoso o estado, maior o número de delegados. A democrata Califórnia tem 54, o provavelmente republicano Texas, 40, e a capital federal, Washington DC, apenas três. Quem soma 270 delegados vence.

O sistema explica por quê, diante da constância de resultado nos outros estados, os candidatos fazem os swing states de alvos neste período. Um candidato pode ganhar na soma de votos nacional e não ser eleito, como ocorreu em 2016 com a democrata Hillary Clinton, que teve exatos 337.636 votos a mais do que… Trump.

Na manhã de quinta 31, projeções do agregador RealClearPolitics em estados teoricamente definidos mostravam o republicano com 219 delegados, contra 215 de Kamala. Se for levada em conta a vantagem numérica do republicano nesse mesmo dia, nos estados ainda em disputa, ele seria eleito em 5 de novembro com 293 delegados e vitória em seis dos sete estados-pêndulo.

A democrata ganharia no sétimo e terminaria com 234. Mas ainda há água a correr. Na próxima semana, os americanos e o mundo finalmente saberão quem será — e o que esperar — do novo presidente dos Estados Unidos da América.