Antártida está ficando verde; entenda por que
Por Maria Ligia Pagenotto
RESUMO
• Estudo realizado por universidades britânicas revela que a Antártida está em franco degelo
• O fenômeno afeta de forma negativa o clima em todo o planeta
• O cenário de inverno permanente do território está dando lugar a uma cobertura vegetal
• A situação é fruto do aquecimento global
Imagens captadas por satélite e divulgadas em diversas publicações científicas impressionam quem sempre associou pinguins e elefantes-marinhos às terras geladas da Antártida, continente localizado no hemisfério sul. O território, o mais frio — há registros de -93,2 °C —, o mais seco, com a maior média de altitude e de maior índice de ventos fortes do planeta, está paulatinamente mais verde e menos branco. Ou seja, o gelo está saindo de cena de forma impressionante e com muita rapidez na Península Antártida. O cenário de inverno permanente está dando lugar a uma cobertura vegetal formada especialmente por plantas briófitas, como, por exemplo, os musgos.
Um estudo realizado por cientistas das universidades britânicas de Exeter e Hertfordshire com base nos arquivos do satélite Landsat, da NASA, no período de 1986 a 2021, aponta um crescimento significativo do esverdeamento da península. Essa pesquisa foi publicada na revista científica Nature Geoscience em outubro.
+10 vezes
Cobertura verde cresceu de 0,863 km², em 1986, para 11,947 km² em 2021
Segundo o levantamento, a área de cobertura vegetal aumentou de 0,863 km2 em 1986 para 11,947 km2 em 2021, um crescimento de mais de dez vezes no período. Chama atenção ainda a taxa de mudança acelerada da cobertura — de 2016 a 2021 (0,42 km² por ano) em relação ao período estudado, de 1986 a 2021 (0,31 km² por ano). E a densidade da vegetação continua crescendo, segundo a série de imagens.
“O dado novo importante que esse estudo traz é a expansão da área onde essa vegetação passa a ocorrer”, diz o geólogo José Alexandre Perinotto, da Unesp de Rio Claro. Ele desenvolveu pesquisas na Antártida nos anos 2000 e explica que, nos verões, a vegetação fica exposta na região. Mas esse crescimento, afirma, está relacionado ao aquecimento do planeta.
De acordo com a pesquisa, a Antártida tem registrado aumentos significativos de temperatura nos últimos 60 anos, com taxas de aquecimento mais elevadas e muito mais rápidas do que o aquecimento médio global.
“Por uma série de condições, a Antártida, e também o Ártico, no hemisfério norte, as duas regiões mais frias da Terra, estão se aquecendo cerca de duas a três vezes mais rápido do que a média do planeta”, pontua Paulo Câmara, professor de botânica da UnB, há 12 anos pesquisando a vegetação local. “A Antártida é uma das últimas regiões a sair da era glacial. O gelo está sendo substituído por briófitas, plantas de pequeno porte”.
Esse é um processo natural do ciclo da Terra, segundo os pesquisadores ouvidos por ISTOÉ. No entanto, ele está sendo acelerado pela ação humana —e isso é algo que tem inquietado pesquisadores em todo mundo.
“O aquecimento preocupa porque provoca o degelo do continente, elevando o nível do mar”, diz Pedro Côrtes, especialista em mudanças climáticas e professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Os últimos verões na Antártida já indicavam o aumento do calor.
• Em 2022, as temperaturas registraram até 20 graus acima da média para a região.
• Em julho deste ano, o aumento foi de cerca de 10 graus.
• Segundo o estudo publicado, é esperado que as temperaturas na Antártida continuem a crescer até 2100 a um ritmo de 0,34 graus por década, em média.
“O aumento do nível do mar traz consequências para a vida de forma geral.”
Pedro Côrtes, professor da USP
Alteração na fauna e flora
O impacto do degelo na Antártida é diferente do impacto no Ártico, explica Côrtes. No hemisfério norte, o gelo cobre o mar. Já na Antártida, o gelo fica apoiado sobre o continente: “Diferentemente do Ártico, que está sobre o oceano, o impacto do degelo no nível do mar já está contabilizado. O gelo do continente, no entanto, vai para os oceanos”.
Um dos maiores problemas é que o aumento do nível do mar não se distribui de maneira homogênea. Depende do fluxo de correntes. E, na prática, a repercussão desse movimento significa o aquecimento maior das águas dos oceanos, com alteração na flora e fauna marinhas.
“Dependendo da elevação do nível, há alteração nos hábitos das aves migratórias, dos pinguins, leões-marinhos e outros animais”, diz o pesquisador da USP. O aquecimento é fato consumado, segundo os entrevistados. E, com ele, as consequências também. O professor Perinotto lembra que, ao redor do continente, circulam correntes de ar que isolam termicamente a Antártica, por isso ela se mantém gelada. Em contrapartida, a região atua como um regulador climático do planeta.
“Se a terra esquenta, se a água do degelo da Antártida vai para os oceanos, os mares tendem a perder salinidade, com implicações na vida dos animais e das plantas”, pontua Perinotto. “Se o ritmo de aquecimento persistir, haverá mudança no padrão das correntes marítimas, com alterações no padrão climático global. O continente sul-americano, com sua proximidade maior da Antártida, certamente será o mais afetado.”
Velocidade acelerada
O estudo publicado na Nature intitulado Sustained greening of the Antarctic Peninsula observed from satellites — em tradução literal “Esverdeamento sustentado da Península Antárctica observado por satélites” — aponta que, quanto mais gelo derreter, mais espaço haverá para a vegetação. Também haverá mais chuvas na área. Essas condições, além de elevarem o nível dos mares, contribuem para o crescimento das áreas verdes no continente.
E de onde vem esse verde que se observa já em quantidade expressiva no outrora totalmente continente gelado?
“Uma parte já estava debaixo do gelo há muito tempo, pois a Antártida já foi verde há milhões de anos. Outras fontes para a vegetação são as aves migratórias, que levam esporos de plantas. A terceira fonte é o vento”, afirma o professor Câmara.
E, segundo ele, parte da vegetação, mais recentemente, tem sido levada pelas pessoas que lá circulam: “Já se observam, inclusive, espécies vegetais forasteiras”. A contribuição humana provém de pesquisadores, como os entrevistados, que fazem estudos alojados em bases. Outra parte significativa, atualmente, vem de turistas, uma preocupação a mais para o impacto ambiental na região, segundo Perinotto.
“Há navios que levam turistas para lá e eles podem ser vetores de disseminação de espécies invasoras”, explica. A preocupação é que elas podem competir com a vegetação nativa, causando um desequilíbrio a mais no ecossistema.
O estudo da Nature ressalta a velocidade com que a vegetação se expande na Antártida.
• Por enquanto são 12 km² verdes, uma pequena parcela dos 522 mil km².
• Hoje, com a maior parte coberta de gelo, a península funciona como uma espécie de espelho, refletindo a radiação solar.
• Se o gelo diminui, a radiação será refletida em menor quantidade, e mais calor será absorvido.
E a Antártida, acredita Perinotto, não admite meios-termos: “Lá, a natureza está em seu estado mais puro, ou respeitamos esse estado ou teremos muitos problemas”. Parte deles, relembra, presenciamos recentemente: as chuvas no sul do Brasil. “E quem mais sofre são sempre as populações mais miseráveis”, conclui.