Maturação de carnes e peixes vem ganhando espaço em restaurantes
Chefs aderem, cada vez mais, à técnica de conservação a seco para prolongar a vida útil dos alimentos. Opção pela maturação controlada também garante sabor e textura única a carnes e peixes
Por Ana Mosquera
Muito além da charcutaria, dos embutidos e outras técnicas de conservação, chefs de cozinha vêm optando pela maturação a seco de carne (dry aged) e peixe (dry fish) para compor seus pratos. O armazenamento dos alimentos em ambiente refrigerado, com temperatura e umidade controladas, não se restringe mais a uma ou outra peça em especial, e há restaurantes cujo cardápio inteiro já se abastece das peças e cortes maturados.
Nomes como Jefferson Rueda, do restaurante A Casa do Porco, e Ivan Ralston, do Tuju, são alguns dos que vêm investindo no processo, e há chef que até fez teste com item do reino vegetal: uma abóbora.
O responsável por acelerar o movimento é o empresário Sandro Giovannone, italiano radicado no Brasil, que patenteou as primeiras câmaras de maturação a seco de proteínas da América Latina — a MaturaMeat está, hoje, em mais de 300 estabelecimentos gastronômicos. “A maturação controlada proporciona a criação de pratos com uma riqueza de sabores e texturas, além de agregar eficiência e sustentabilidade na cozinha profissional, reduzindo desperdícios significativos e contribuindo para um futuro gastronômico mais responsável”, diz ele.
Prover e conservar
As câmaras são fáceis de trabalhar, assim como o é com os seus produtos. “O principal cuidado é o de higiene, tanto na manipulação dos peixes e carnes, quanto na limpeza das geladeiras. Elas não precisam ser reguladas a toda hora, mas, conforme mudamos o tipo e o tamanho do produto, o tempo de maturação pode mudar”, diz Leandro Mattiuz, sócio do Elevado Conselheiro, em São Paulo.
No restaurante, a vida útil (ou shelf life, tempo de prateleira) do peixe salta de dois para 20 dias, e a da carne supera um mês, chegando a 45 dias.
O uso da técnica, segundo o subchef Heitor Arruda, vem para simplificar a criação: “Tentamos colocar o mínimo de ‘firula’ no prato, para deixar em evidência a maturação. A carne para a brasa, finalizamos com manteiga e sal, e a crua, com sal, azeite e pimenta. É uma culinária de insumos, que potencializa o produto com que trabalhamos”.
Todos os peixes, sem exceção – do adorado e tradicional robalo ao menos comum e conhecido lírio –, passam pelo refrigerador apropriado por no mínimo 24h antes de ganharem forma de sushi e outros preparos elaborados pelo chef Danilo Maciel, no Oizumi: “O robalo, que é mais resistente à mordida por conta das fibras entremeadas, depois de uma semana na câmara, fica muito mais macio”.
O que antes poderia causar estranhamento aos clientes elevou ainda mais o status do restaurante, que já possui uma estrela Michelin — a informação sobre o uso dos peixes maturados consta, inclusive, no site oficial do guia internacional.
“A depender da região que foi pescado, do calor por que passou, o atum é um peixe que, quando cru, fresco, tem um sabor mais ferroso, metálico. E a maturação elimina o gosto e o odor”, diz Maciel.
Somados aos ganhos em sabor e maciez – por conta da quebra das fibras facilitada pelo ozônio – há os de logística, econômicos e ambientais, por evitar o desperdício: “Em uma casa que atende dez pessoas por turno, é impossível fazer compras em quantidade, se não houver um método de auxílio. Além das questões de estoque, driblamos a inflação e a escassez de peixe, que é muito sazonal”.
O chef associa a busca por métodos que melhorem a matéria-prima ao contexto brasileiro: “É difícil ter peixe fresco no Brasil hoje, mas podemos ter um bem conservado”. Giovannone polemiza: “A maturação tem a capacidade de transformar o pescado em uma experiência gastronômica superior. Nem sempre o peixe fresco é o melhor peixe”.
Atualmente, ele trabalha em um projeto de charcutaria de pescado com o restaurante Kraken, em Roma, e em versões das máquinas para queijos e charutos.
Peixe olho de boi de sete dias e fresco, só com azeite e sal. Crudo de coxão mole com 20 dias de câmara.O subchef Heitor Arruda, do restaurante Elevado Conselheiro, em São Paulo (abaixo)