Autobiografia de Al Pacino, ‘Sonny Boy’ é pincelada de sinceridade e modéstia
Astro de Serpico e O Poderoso Chefão narra episódios marcantes da sua carreira, revela problemas com o álcool e confessa que sofreu com a solidão no auge do sucesso
Por Felipe Machado
Apesar de ter resultado em um dos maiores filmes da história, a relação entre o ator Al Pacino e o diretor Francis Ford Coppola durante as filmagens de O Poderoso Chefão foi marcada por momentos de tensão. Em uma de suas cenas mais icônicas, quando Michael Corleone, personagem de Pacino, vai ao banheiro de um restaurante para retirar uma arma escondida e se tornar um assassino, a intensidade e o medo no rosto do ator são palpáveis. Essa performance foi decisiva para a continuidade de Pacino no filme, já que havia o risco de ele ser substituído pela produção. A boa atuação foi a resposta do ator ao ultimato de Coppola, garantindo sua presença em uma das trilogias mais aclamadas do cinema.
Al Pacino, um dos maiores ícones das telas, reflete sobre sua trajetória na autobiografia Sonny Boy, abordando episódios cruciais de sua carreira e da vida pessoal com rara honestidade. Das dificuldades da infância até os altos e baixos em Hollywood, ele oferece uma visão íntima de seu mundo, marcada tanto pelos sucessos quanto pelos desafios pessoais.
• Pacino relembra com modéstia o ano de 1968, quando foi demitido por Joseph Papp, fundador do Public Theater, em Nova York, durante os ensaios de uma peça.
• Papp profetizou que ele seria um grande astro, mas mesmo assim o dispensou.
• O mesmo quase aconteceu anos depois, em O Poderoso Chefão, quando Coppola o chamou para uma conversa durante o jantar em família para alertá-lo de que ele “não estava indo bem”.
Essas histórias, narradas de forma casual, retratam os percalços da carreira de ator, como ele mesmo definiu: “Em um momento você está em alta, depois em baixa, e então sobe novamente.”
A infância de Pacino no Bronx, bairro operário de Nova York, não foi nada glamourosa. Filho de pais divorciados, ele foi criado pela mãe e pelos avós. Acompanhado pelos amigos Cliffy, Bruce e Petey, lembra com carinho das brincadeiras nas ruas. Mas enquanto o destino de seus amigos foi trágico — os três morreram de overdose — Pacino foi poupado graças à educação rigorosa de sua família.
Seu talento floresceu ainda na adolescência, quando abandonou a escola para se dedicar ao teatro. Durante a preparação para uma peça do dramaturgo sueco August Strindberg, Pacino teve uma epifania. “As palavras eram do autor, mas eu as dizia como se fossem minhas”, lembra. A partir daí, sua paixão pela atuação tornou-se irreversível. “Com dinheiro ou sem, com fama ou sem, o que importava era atuar”, escreve. Seu compromisso com a arte era absoluto, característica que o acompanharia até os dias de hoje.
No auge, a solidão
Nos anos 1970, como protagonista de filmes como Serpico e Um Dia de Cão, Pacino se firmou como um dos maiores atores de sua geração. Suas marcas registradas eram o olhar intenso e a forte presença em cena.
No livro ele narra bastidores de alguns desses trabalhos, como o acidente nas filmagens de Scarface, quando uma metralhadora colou em sua mão devido ao calor do cano. No clássico de Brian DePalma, o traficante Tony Montana foi interpretado de forma propositalmente maniqueísta, sem conflitos internos, até o momento em que mata seu melhor amigo.
Pacino não foge de suas falhas: apesar de ter levado o Oscar, admite que exagerou no papel em Perfume de Mulher, cujos excessos e maneirismos se tornaram motivo de paródia. “Sim, eu fui longe demais algumas vezes”, reconhece, com humildade.
Pacino também reflete sobre os fracassos da década de 1980, como Parceiros da Noite. Nessa fase ele ficou quebrado financeiramente e pensou em abandonar tudo para viver do teatro. Diane Keaton, sua esposa na época, acreditava que ele estava blefando. “Você já está rico há muito tempo”, disse ela.
Pacino elogia Keaton e outras parceiras românticas, como Jill Clayburgh, a quem chama de um dos grandes amores de sua vida. O livro, no entanto, é econômico em relação aos detalhes de sua vida pessoal. Ele menciona o nascimento de seus filhos, mas fala pouco sobre os relacionamentos que os geraram, preferindo manter nas sombras essa parte de sua vida privada.
O ator admite que lidou com o alcoolismo e reclama das consequências do sucesso durante o auge de sua popularidade, nos anos 1970. “Esse tipo de vida leva a uma solidão desesperadora e a um estranho distanciamento do mundo”.
Sonny Boy nos dá a chance de conhecer um pouco mais o homem por trás de tantos papéis icônicos. Aos 84 anos, é um alento descobrir que ele permanece ativo e segue em busca de novos desafios. Como um velho amigo disse certa vez, Pacino é “um milagre” — e o próprio ator parece concordar com isso.