O fim do Hamas?
É o que Benjamin Netanyahu pretende. Mas ao dizimar civis e tomar territórios palestinos, o premiê israelense alimenta o surgimento de novas lideranças inimigas
Por Denise Mirás
A morte de Yahya Sinwar, líder do Hamas, foi comemorada por Benjamin Netanyahu. Esse 16 de outubro, disse o primeiro-ministro israelense, marcou “o começo do fim”, ao reforçar seu objetivo de tomar a terra arrasada de Gaza e mais territórios na Cisjordânia, forçando a população palestina a sair com a expansão das colônias israelenses. Apelos de lideranças internacionais a Israel pelo cessar-fogo param na retórica, enquanto seguem os assassinatos de dezenas de milhares de civis em Gaza e no Líbano. Mas o Hamas também persiste em seu propósito de resistir à ocupação israelense. E enquanto a cúpula do grupo se reestruturava em um comitê de comando com cinco líderes, seus aliados do Hezbollah já providenciavam um primeiro ataque direto a Netanyahu, acertando sua casa na cidade de Cesareia com um drone explosivo na terça-feira, 22. O porta-voz Mohammad Afif assumiu o ataque pelo grupo e avisou o premiê israelense: “Saiba que entre nós e você estão os dias, as noites e o campo de batalha”.
Além do projeto político-territorial de arrasar com os palestinos, que “não são gente”, como declaram ministros da extrema-direita de Israel, Benjamin Netanyahu mantém os conflitos porque já foi condenado por corrupção e irá para a cadeia se for deposto do cargo. Não leva em conta o presidente francês Emmanuel Macron, que pregou corte total na exportação de armas a Israel, ou o embaixador saudita Khalid bin Bandar Al Saud no Reino Unido, que cobrou atitude mais dura dos EUA na restrição ao envio de armamentos a Israel, por impedir a entrada de ajuda humanitária em Gaza. Muito menos ouve Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália e tão extremista quanto ele, que foi pessoalmente ao Líbano depois do ataque de Israel a soldados das Nações Unidas e destacou a “violação flagrante” da resolução da ONU pelo fim das hostilidades.
Conflitos expandidos
“Netanyahu não vai parar, mesmo sabendo o quanto é difícil acabar com o Hamas”, diz Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB. “Para isso, ele precisaria eliminar a razão do grupo ter nascido. Que é resistir à ocupação de seus territórios — justamente o objetivo de Netanyahu e seu gabinete. O Hamas vem de jovens palestinos de 1987, em reação espontânea à colonização israelense — que ficou conhecida como Revolta das Pedras.” A partir de então o movimento só cresceu, pelo descumprimento dos Acordos de Oslo, de 1983, quando os palestinos reconheceram o Estado de Israel — que, por sua vez, aceitou a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) como representante de seu povo (e ainda concordou em desmontar assentamentos israelenses na Cisjordânia — o que nunca fez).
“O Hamas não vai permanecer no poder (…) Mas a guerra ainda não acabou.”
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, sobre a morte de Sinwar
“Com isso, o Hamas ganhou outra dimensão e o apoio por parte do Hezbollah — que tem como objetivo declarado a destruição de Israel”, diz Goulart. E se Ariel Sharon, que governou Israel de 2001 a 2006, assumiu o não-
cumprimento de Oslo e a desumanização de palestinos, também abriu caminho para Netanyahu impedir a entrada de alimentos, água e remédios em Gaza e, destruída toda a infraestrutura hospitalar e escolar, preparar a ocupação militarizada daquela faixa. “Ele tornou a vida inviável por lá, empurrando a população para o Egito. Na Cisjordânia, que já é cercada por um muro de 700 quilômetros, também força a saída dos palestinos ao fomentar condomínios israelenses fechados”, explica o professor.
Sem conseguir resgatar os 250 reféns levados pelo Hamas em 7 de outubro passado, quando mais de 1.200 civis foram mortos, o primeiro-ministro e seu gabinete procuram decapitar as lideranças do Hamas e do Hezbollah e ainda abrir frentes de conflito com Líbano e Irã.
Mas assim aumenta o sofrimento e a humilhação dos palestinos — o que alimenta o surgimento de novas lideranças inimigas. O Hamas, por exemplo, já divulgou seu novo comitê de comando: Khalil al Haya, por Gaza; Zaher Jabarin, pela Cisjordânia; Khaled Meshaal pelos palestinos do exterior; Mohamed Darwish, do conselho decisório, e o secretário — mantido no anonimato.
“Israel desencadeou a ‘tempestade Sinwar’, que levará à sua destruição.”
Khaled Mashal, que assumiu a liderança do Hamas com a morte de Yahya Sinwar
A situação só patina, mesmo porque os EUA não tomarão nenhuma atitude mais drástica, nesta reta final de campanha para a eleição presidencial em 5 de novembro. Enviaram o mais sofisticado sistema de defesa antiaérea aos israelenses na semana passada e agora Antony Blinken, o secretário de Estado, seguiu para um encontro com Netanyahu — mais um, entre tantos outros que não deram em nada, quanto a cessar-fogo.