Editorial

Agora no comando dos Brics

Crédito: Alexander Nemenov

Carlos José Marques: "Na direção dos Brics agora, o Brasil sempre se pautou pela ideia de que o bloco constitui um importante instrumento para uma nova governança global, algo que Lula sempre defendeu e perseguiu" (Crédito: Alexander Nemenov)

Por Carlos José Marques

Brasil se reposiciona no tabuleiro mundial. Coloca a voz da liderança e sensatez nos diálogos. Veta abertamente que a Venezuela participe dos Brics — postura que vai muito além de uma mera opinião, cria divisões, surpreende. Tido e havido como aliado de primeira hora do ditador Nicolás Maduro, Lula mudou o tom e não é de hoje. Já classificou de ditadura as regras autoritárias do vizinho. Questionou e condenou as eleições que ocorreram por ali, decerto descaradamente fraudadas. Está em uma posição no mínimo bem menos conciliadora nesse aspecto. De tal forma mostrou-se estratégica e importante a escolha brasileira de barrar a Venezuela no grupo dos chamados emergentes, que tal feito virou um divisor de águas da diplomacia internacional nesse tocante. Até a Rússia desistiu de contestar, evitou se levantar contra o Brasil e a favor da entrada do aliado latino no clubinho. A delegação nacional ainda pediu “coerência” aos países do G-20 para evitarem barreiras e discriminações ao comércio mundial. Um conjunto de leis de desenvolvimento sustentável está em elaboração no âmbito deste organismo. A intenção é criar parâmetros que impeçam restrições nos negócios, a partir do uso de questões ambientais como justificativa. O Brasil preside até o final do mês de novembro o grupo que é formado pelas maiores economias do mundo. É um momento delicado para essa gestão. Existe um contexto bastante acirrado atualmente. Parte dos membros dos Brics está sendo vista pelas grandes potências como uma espécie de aliança contra o Ocidente. Lembrar que estão ali China e Rússia, que confrontam os EUA desde sempre, desafiando a tradicional postura brasileira de neutralidade e pacifismo nas políticas globais. Difícil atuar dentro da neutralidade nesse campo hoje em dia. A Rússia, que recebeu os Brics para esse último encontro de cúpula, busca costurar apoios à sua causa e está em fogo aberto contra a Ucrânia numa guerra que já dura anos. China também não deixa por menos em sua estratégia de ocupação comercial do planeta, incomodando em especial aos EUA. Na direção dos Brics agora, o Brasil sempre se pautou pela ideia de que o bloco constitui um importante instrumento para uma nova governança global, algo que Lula sempre defendeu e perseguiu. Complicado é tecer um plano de parcerias com o clima vigente. As nações em desenvolvimento estão a necessitar de mais recursos, sem sucesso. Lula defendeu durante sua fala, transmitida por vídeo, que faz-se necessária, de maneira urgente, a taxação do que chama de “super-ricos”. O tema ainda é alvo de polêmica. Especialistas desaconselham e apontam como infrutífera a saída. Lula tenta exercer maior influência na mesa, mas a ausência causada por um acidente doméstico, que o impediu de viajar, tirou dele uma excelente oportunidade de ampliar o controle das decisões com a conhecida habilidade que detém de convencimento dos pares. Especialistas aconselham que o Brasil deveria aproveitar a presidência do bloco em 2025 e enunciar sua posição de equidistância dos antagonismos em formação, na defesa de seus interesses. A participação dos Brics na economia global é uma consequência de seu peso econômico (32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7, metade da população mundial e 25% do comércio internacional). A China tornou-se a segunda potência global, a Índia e o Brasil estão entre as dez maiores economias do mundo, a Rússia é uma enorme força nuclear e a África do Sul, a maior economia da África. O fator mais relevante para a correta projeção dos Brics é que a agenda da China não passe a ditar os rumos nas rodas de negociação, um desafio e tanto ante a projeção de sua economia. No encontro de cúpula, também as movimentações russas nos bastidores representaram um dilema perigoso para os participantes. Neste sentido, a não ida de Lula até poupou o País de constrangimentos. O recente e condenável flerte do presidente com as ideias de Vladimir Putin causou surpresa mundial. Daqui por diante, na condição de comando dessa estratégica agremiação internacional, o Brasil terá, mais do que nunca, de evitar maiores escorregões dessa natureza.