A saia-justa de Lula na Rússia
Por Marcelo Moreira
Lula escapou de um campo minado graças a um acidente doméstico que o impediu de viajar para a Rússia esta semana. Foi assim que um observador político ligado ao presidente definiu sua ausência na reunião de cúpula dos Brics (bloco geopolítico criado por Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul). A quantidade de problemas que ele teria de encarar para manter a sua política externa mais ou menos equilibrada caso fosse à reunião em território russo era grande demais para a disposição de desagradar alguns “parceiros”.
O acidente doméstico que Lula sofreu no Palácio do Alvorada na semana passada, ao escorregar no banheiro quando cortava as unhas dos pés e bater a cabeça no chão, foi considerado grave pelo próprio mandatário. Ele ainda vem sendo submetido a exames, mas não pensou duas vezes em seguir as recomendações médicas de não ir à reunião em Kazan, na Rússia, onde teria reuniões com o presidente russo, Vladimir Putin, e com o chinês, Xi Jinping.
As questões delicadas para a política externa brasileira se arrastam e se agravam desde a eleição presidencial na Venezuela, em que Nicolás Maduro fraudou o resultado do pleito.
• Pressionado internacionalmente, o governo brasileiro não reconheceu o resultado e exige a apresentação das atas que confirmem a vitória do outrora amigo presidente venezuelano.
• Maduro é antigo apadrinhado de Putin para uma vaga nos Brics e depois do impasse na fraude eleitoral, o Brasil passou a vetar a presença da Venezuela no grupo, o que acabou sendo referendado até mesmo por Putin.
• Essa atitude do governo brasileiro aumenta a tensão com o vizinho, que já estuda um congelamento ainda maior as relações diplomáticas entre eles.
Era uma vitória que Lula não queria festejar, pois preferia manter as aparências e evitar pisar no calo diplomático de nações enroladas em contendas diversas, como a de Maduro. Mas não apenas com o venezuelano.
Ainda na terça-feira, 22, o presidente brasileiro teve uma rápida conferência virtual com Vladimir Putin antes e fazer seu discurso na conferência principal, também via internet, no dia seguinte. O conteúdo da conversa não foi revelado, mas analistas políticos acreditam que não foi uma conversa agradável já que, no discurso oficial, via vídeoconferência na quarta-feira, 23, Lula criticou a guerra da Ucrânia e a “violência indiscriminada”, sob olhar atento e pouco amistoso de Putin.
Outro problema delicado para o presidente brasileiro remetia ao envolvimento do Irã na guerra entre Israel e os grupos terroristas Hamas e Hezbollah. Caso Lula tivesse ido a Kazan, teria dores de cabeça para enfrentar essa questão.
É que, endossado pela China e pela Rússia, o Irã agora é membro pleno dos Brics, assim como Arábia Saudita, Etiópia, Emirados Árabes e Egito. A ampliação de membros neste momento, contraria os interesses brasileiros, pois o país perde espaço dentro do grupo.
Alternativa ao dólar
O ingresso do Irã nos Brics e a defesa do uso de moedas nacionais, em vez do dólar, no comércio entre os membros dos Brics, azedou ainda mais o clima com os Estados Unidos e países da União Europeia.
• As críticas ao Brasil já são abertas: o país estaria endossando comportamentos e políticas antiocidentais, admitindo o apoio a autocracias, com posturas antidemocráticas.
• Jornais europeus mencionam inclusive uma suposta aproximação entre Putin e os talibãs que governam o Afeganistão – foram inimigos durante 30 anos – e que também estaria interessado em ingressar nos Brics.
• O governo Lula mantém silêncio sobre essa questão.
O embaixador Rubens Barbosa (que foi o principal diplomata brasileiro em Londres e Washington), tem se manifestado sobre as dificuldades diplomáticas que o governo Lula vai enfrentar, apesar de considerar positiva a participação nos Brics. “A agenda desse grupo de governança global é de mudanças profundas nos relacionamentos entre países. E o Brasil quer isso. Não é uma substituição da ordem mundial, mas um aperfeiçoamento que pode satisfazer os nossos interesses.”
Rodrigo Gallo, coordenador de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia, de São Paulo, vê um dilema importante para Lula: o fato de a Rússia ter sido a agressora da Ucrânia e ainda estar em guerra, mas considera válida a ideia de que, para além das questões políticas, o bloco apresente a possibilidade de articulação econômica. “Os membros podem ganhar relevância por conta disso. Essa articulação abre possibilidade de financiamentos Internacionais, amplia mercados para países potencialmente interessantes para o comércio brasileiro, além de dar voz a uma série de agendas com pouco espaço nas arenas internacionais mais tradicionais. O Brasil não precisa concordar com tudo que fazem a China e a Rússia no plano doméstico e regional.”