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PT deve passar por reforma inédita. Afinal, que reforma é essa?

Crédito: Evaristo Sa/AFP

Lula quer uma profunda reforma no PT para enfrentar a reeleição de 2026 (Crédito: Evaristo Sa/AFP)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Enfraquecido com o avanço da direita, PT perde força e tenta se reconstruir ampliando alianças com o centrão
• Ideia é mirar nas eleições de 2026
• Ala nordestina quer o comando do partido
• É uma disputa inédita, que desafia o Sudeste e a preferência de Lula por Edinho Silva

 

Foi-se o tempo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegia “postes” e empurrava o PT para o pódio dos campeões das eleições municipais, como nas conquistas, em 2012, de 630 prefeituras, entre elas São Paulo, vencida pelo hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A estrela vermelha do PT desbotou e, depois de sucessivos fracassos embalados pela maldição da Lava Jato, o partido vai entrar numa fase em que os dirigentes estão tratando como a mais profunda reforma desde a fundação, há 44 anos.

A mudança mais forte cujo debate já toma conta das correntes envolvidas é a disputa interna pelo comando do partido que vai negociar as alianças para a eleição de 2026.

Não se trata apenas da sucessão da deputada Gleisi Hoffmann (PR), há sete anos na presidência, mas na possível transferência do centro de decisões da direção nacional, do Sul e Sudeste para a região Nordeste, onde ainda está a força de Lula.
O presidente quer o prefeito de Araraquara, Edinho Silva como sucessor de Gleisi, mas líderes nordestinos como o senador Jaques Wagner e os ministros da Casa Civil, Rui Costa (Casa Civi), Camilo Santana (Educação) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social), que no primeiro turno garantiram sozinhos juntos cerca de 60% das 248 prefeituras conquistadas, e reivindicam a presidência.
Outros nomes cogitados são José Guimarães, líder do governo na Câmara, o senador Humberto Costa (PE) e o ministro das Comunicações, Paulo Pimenta.
Gleisi diz que a pretensão de mudanças é justa pelo desempenho eleitoral do Nordeste – foi de lá que Lula tirou o 1,8% que permitiu vencer em 2022 -, admite que na segunda-feira, 28, a disputa interna estará aberta com a convocação do Processo de Eleição Direta (PED) para renovação da direção do PT, e de um seminário marcado para dezembro.
Na pauta estão as mudanças internas e a nova fisionomia da frente que sustentará o palanque de Lula em 2026, uma provável nova guinada para o centro-direita.
Ela afirma que não tem preferência por nomes para sucedê-la, mas diz que o futuro presidente deve representar as tendências do partido. “Na segunda-feira, a eleição interna entra na pauta do PT. Agora começa outra fase no partido. Defendo um nome que unifique o PT”.

“Nunca tivemos grande expectativa na eleição de 2024. As pessoas tinham essa perspectiva porque é o partido do presidente.”
Gleisi Hoffmann, presidente do PT

A mudança na correlação de forças na coalização de governo indica, no entanto, que Lula não repetirá com facilidade a mesma frente de centro que ajudou a elegê-lo em 2022 e terá de buscar novos aliados na direita, como sugeriu o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha.

Ele defendeu uma reforma ministerial que inclua Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, hipótese que divide ainda mais os petistas e é rechaçada pelas correntes mais à esquerda.

Gleisi faz parte do grupo majoritário e, pelo calendário, seria substituída em junho do ano que vem. Nos bastidores discute-se, no entanto, a possibilidade de ela pedir o afastamento depois do seminário de dezembro, entregando o comando provisoriamente ao líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), para facilitar o trabalho de quem conduzirá as alianças para 2026.

A tese alimenta a movimentação da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), que reúne a cúpula do partido, com Lula como expoente, e abriga velhos militantes, como o próprio Cunha, o ex-ministro José Dirceu e José Genoíno, que voltaram a atuar depois dos escândalos do mensalão e da Lava Jato.

Diante do avanço do centro nas eleições municipais, Lula teria de manter um terço dos ministérios com PSD, MDB, União Brasil e Republicanos, e ainda abrir mais espaço ao PP.

“O endosso à Venezuela está desconectado com o que pensam Lula e a grande maioria dos simpatizantes.”
Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG)

União com a centro-direita

No novo cenário, a esquerda perdeu espaço e o PT, embora tenha conquistado 65 prefeituras a mais do que em 2020 (eram 183, agora são 248), só conseguiu estancar uma sangria que vinha se repetindo nas disputas municipais desde 2016.

Pleito majoritário ou proporcional, o partido que tem a máquina do governo federal, na avaliação de especialistas, tem obrigação de apresentar resultados mais expressivos do que o que se viu até agora.

Em números absolutos, o partido teve 8,8 milhões de votos e cresceu 39%, mas só conquistou até agora as prefeituras de dois municípios com população acima de 200 mil habitantes (Contagem e Juiz de Fora).

• Perdeu força no ABC paulista, berço político de Lula, sendo derrotado em cinco dos sete municípios, embora ainda haja esperanças em Mauá e Diadema, onde seus candidatos disputam o segundo turno neste domingo.

Outra derrota pesada foi em Araraquara, administrada por Edinho Silva.

No maior colégio eleitoral do país o fiasco é evidente: o PT só ganhou em três municípios paulistas sem grande expressão (Matão, Lucianópolis e Santa Lucia) e corre o risco de ser derrotado na capital paulista, onde os institutos de pesquisa como Datafolha e Quaest apontam como improvável uma reação do aliado Guilherme Boulos (PSOL) que possa quebrar o amplo favoritismo de Ricardo Nunes (MDB).

Estatísticas mostram que um quarto das conquistas do PT são municípios com menos de 20 mil habitantes, porcentagem que sobe para 65% se forem incluídos os com até 50 mil habitantes.

Ou seja, o PT virou uma agremiação de pequenas unidades da federação.

No quesito densidade eleitoral, o desempenho é pífio se comparado com o principal adversário do PT, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que ajudou a turbinar o PL com mais de 15,6 milhões de votos. Os números demonstram que o PT pelo menos parou de cair.

A direção petista conta como vitória também a ampliação da presença do partido em municípios onde se coligou com outras agremiações. Por essa conta, se estava em 1.584 municípios em 2020, com 206 vices e 2.663 vereadores, a presença saltou agora para 222 vices e 3.118 vereadores.

No domingo, o partido terá candidatos próprios em 13 dos 51 municípios, dos quais só quatro são capitais (Natal, Fortaleza, Cuiabá e Porto Alegre).

O PL de Bolsonaro disputará em 23 municípios, nove deles capitais, com chances de manter o favoritismo, segundo avalia o presidente do PSB, Carlos Siqueira. “Sabia que a centro-direita ganharia, mas o resultado foi pior do que imaginei. A esquerda precisa refletir profundamente o recado das urnas se quiser recuperar o prestígio que já teve”.

A explicação da presidente do PT para o baixo desempenho de um partido com a máquina federal na mão explica, mas não justifica:
ela diz que os municípios nunca foram uma estratégia do PT,
partido que, desde a redemocratização, apostou suas fichas na presidência da República, vencendo cinco das nove eleições até 2022,
o que demonstra que o partido não acabou, como insinuam os adversários.

O mandato de Gleisi Hoffmann vai até junho, mas há movimento interno sugerindo que renuncie antes (Crédito:Mateus Bonomi )

Em dezembro de 2022, no encontro nacional em Brasília, o partido havia tomado a decisão de fazer enfrentamento mais direto à extrema direita bolsonarista apostando na parceria com os apoiadores que participam da coalizão do governo com o objetivo de repetir as alianças para 2026, especialmente com o Centrão, que controla mais de um terço dos ministérios.

“Nunca tivemos grande expectativa na eleição de 2024, mas as pessoas tinham essa perspectiva porque o PT é o partido do presidente. Historicamente, esquerda e centro-esquerda nunca tiveram maioria nos municípios”.

Na polarização pregada por Lula, Bolsonaro venceu e, mesmo inelegível, firmou-se como forte cabo eleitoral com chances emplacar um candidato que capitalize o avanço do centro-direita e ameace o favoritismo do presidente.

Partido em baixa

O problema não é só a baixa densidade eleitoral e as alianças que têm tornado o partido cada vez mais parecido com o seu antigo rival, o PSDB.

Ao priorizar o pragmatismo pelo poder, o PT foi abandonando pelo caminho as bandeiras que o identificavam à esquerda:
combate à corrupção,
direitos humanos,
defesa das minorias,
demarcação de territórios indígenas,
pautas de gênero, etc.

A agremiação não conseguiu emplacar a narrativa em busca dos evangélicos e ainda perdeu o controle da periferia.

Para agravar, endossa decisões antidemocráticas de regimes como o da Nicarágua e Venezuela. Ao ver a assinatura do partido numa carta em que o Foro de São Paulo “reconhece” legitimidade na eleição fraudada por Nicolás Maduro, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) não se conteve e, pelas redes sociais, escreveu que essa posição “está desconectada com o que pensam Lula e a grande maioria dos simpatizantes” do partido.

O candidato derrotado do PT à prefeitura de Belo Horizonte, deputado Rogério Corrêa avalia que o apoio a Maduro não pode ser retirado do contexto do longo bloqueio ou do desejo da direita em alinhar-se aos Estados Unidos pelo controle da Venezuela. E alfinetou o correligionário. “O Reginaldo Lopes quer se aproximar do agronegócio. Quer fundar um Centrão no PT e outro no Foro de São Paulo”.

Aliados do PT, como o PSB presidido por Carlos Siqueira, acham que os partidos de esquerda devem ter uma posição mais clara na condenação de ditaduras. “Nicarágua e Venezuela representam a anti-propaganda da esquerda na América do Sul. Não têm nada de socialismo e muito menos de esquerda. São ditaduras pura e simples”.

Estrela sem brilho
A sucessão no PT vai mobilizar a militância logo após a eleição deste domingo, 27. Em jogo, o comando para a reeleição de Lula em 2026

(Igo Estrela/Getty Images/AFP; William Volcov/Brazil Photo Press/AFP; Jefferson Rudy/Senado Federal do Brasil; Mateus Bonomi/Agif/AFP; Sergio Lima/AFP)