Moda: Nordeste se impõe alinhando tradição e contemporaneidade
Estilistas rompem com estereótipos ao reunir as manifestações culturais e tradicionais técnicas da região nordestina a um design contemporâneo, urbano e cosmopolita
Por Ana Mosquera
Há um novo Nordeste na moda brasileira, disposto a romper padrões e com destaque aos atores do território, entre estilistas e artesãos. A plataforma Nordestesse, que une artistas de diversas áreas e estados, acaba de marcar presença na Semana Criativa de Tiradentes, em Minas Gerais. A agência de viagens Visu está com uma vivência agendada para dezembro na Chapada do Araripe que tem como guia o designer Ronaldo Fraga. O São Paulo Fashion Week, maior evento da área da América Latina, comprova a presença massiva da região, com nomes como Isaac Silva, Gefferson Vila Nova, Marina Bitu, Ateliê Mão de Mãe, Dendezeiro e Meninos Rei. Além das referências de estilo para a próxima temporada, a predominância nordestina nas passarelas contribui para disseminar pelo País sua cultura e tradições, aliadas à contemporaneidade.
Na coleção “O Conto de Laura”, o estilista alagoano da Foz, Antonio Castro, homenageia a tia avó, que fugiu com o bando de Lampião na década de 1930. “O fantasma do folclore assombra”, brinca ele, mas tem seu papel na consolidações das tradições: “Precisamos reforçar signos e códigos do que o Nordeste representa, ainda que por uma ótica repetitiva”.
O olhar contemporâneo ao tratar de assuntos regionais, contudo, é necessário para atingir o público nacional. “O tema precisa estar diluído o suficiente para gerar identificação com as pessoas que não têm o repertório de quem criou as peças, mas que identificam beleza, usabilidade”, diz o designer, que trabalha em parceria com artesãs alagoanas para técnicas como rendendê, fuxico, entre outras.
Manualidades
Rendas e bordados, aplicação de pedrarias e outros recursos artesanais da região representam o Nordeste nas ruas e passarelas. Em sua nova linha, o estilista piauiense Weider Silveiro traz como estrela a renda de bilro – trançada a partir de alfinetes e da peça de madeira de mesmo nome, que produz um barulho característico –, elaborada por artesãs da Praia do Iguape, em Aquiraz, no Ceará. Ao unir a artesania a modelos de alfaiataria, e o tema das manifestações populares locais à vida da mulher urbana, nas metrópoles, ele ultrapassa os estereótipos com respeito às tradições.
“Não precisamos falar de um Nordeste sempre terroso ou absolutamente solar. Ele pode ser minimalista, cosmopolita. Eu, particularmente, vivi isso quando morei em Fortaleza, uma das maiores cidades do Brasil”, diz Silveiro.
A nova afirmação do Nordeste frente a um País continental e plural vem para rebater a supervalorização da produção artística no eixo Rio-São Paulo: “Associar o Nordeste ao contemporâneo brasileiro, é necessário. É muito bom que as pessoas passem a olhar para a região, que é um manancial de construção cultural imenso, senão o maior do nosso País”.
Crochê, filé, bilro e macramê são algumas das riquezas culturais exaltadas por marcas como a cearense Catarina Mina. Em “Herdeiras do Futuro”, ela une a valorização da manualidade ao compromisso urgente com a responsabilidade social, exaltando as detentoras dos conhecimentos ancestrais — 99%, mulheres. “Quando partimos das comunidades que trabalham com técnicas artesanais, das cidades que guardam essas culturas, há a real valorização dos lugares e das pessoas, além da geração de renda. Vai muito além de uma campanha momentânea”, diz a fundadora Celina Hissa.