Editorial

Um caos recorrente

Crédito: Willian Moreira/Ato Press

Carlos José Marques: "Com mais de R$ 320 milhões em multas aplicadas, a Enel dá sinais de ignorar a gravidade de sua ineficácia" (Crédito: Willian Moreira/Ato Press)

Por Carlos José Marques

É inacreditável que uma empresa com o histórico da Enel continue a operar na maior capital do País, escancarando uma ineficiência operacional que salta aos olhos e coloca o cidadão em situação de absoluto caos a cada temporada de chuvas e tempestades. A empresa não investe em infraestrutura, não apresenta a menor condição de dar suporte às necessidades que São Paulo, como motor da economia do País, exige, e agora galvanizou todos os poderes contra a sua atuação, com o governo federal, estadual e municipal, além de organismos fiscalizadores e Justiça a lutarem para mudar essa situação e caçar sua concessão. Nem poderia ser diferente. Não há mais condições de seguir nesse estado de descaso. Além de São Paulo, a Enel já tem um péssimo currículo, foi banida de Goiás, investigada em CPIs no Rio de Janeiro e Ceará e enfrenta ameaça de cassação também no Chile. A reputação da companhia italiana, que tem participação do governo de lá, não é das melhores. Os apagões energéticos em redes sob seu controle se repetem seguidamente em um sistema de vagalume que vai parando as cidades. Na capital paulista, milhares de casas chegam a passar até uma semana sem luz. O sistema de recuperação é lento, o investimento da empresa em infraestrutura e pessoal também é mínimo, longe de suprir as necessidades. A promessa de ampliar a equipe própria em 31%, do ano passado para cá, não passou de um residual índice de 4,6%. Agora os governantes, de maneira emergencial, estão convocando outras concessionárias para darem suporte e resposta ao que a Enel não consegue, e a corporação italiana corre o risco de perder em definitivo a praça paulista — o que configuraria, assim, a primeira cassação de uma concessão nesses termos lamentáveis. A agência reguladora Aneel tem a prerrogativa de intervir desde já na Enel, mas o processo inteiro até sua conclusão demandaria ao menos um ano de tratativas e rompimento de contrato. De forma geral, os apagões constantes na principal metrópole latino-americana evidenciam uma combinação deletéria de fatores que deveriam ser contornados o quanto antes. Há equívocos claros na fiscalização, descaso do poder público e burocracia das instituições para providências mais ágeis. As falhas frágeis na prestação dos serviços vão sendo toleradas indefinidamente e se repetem a cada temporada. O Tribunal de Contas da União (TCU) está disposto a responsabilizar todos os envolvidos nas diversas esferas pelas ocorrências frequentes. O fator governança parece estar sendo claramente colocado de lado, vilipendiado. Investigações estão em curso, a CGU pretende auditar as ações das reguladoras e até do Ministério das Minas e Energia, mas tais medidas ficam muito a desejar para uma solução imediata. A falta de planejamento por parte da Enel “beira a burrice” nas palavras diretas do ministro Alexandre Silveira. Sendo assim, por que as providências para a mudança desse estado de coisas custam a sair? Sem definir um período para a conclusão dos reparos e restabelecimento pleno do atendimento, Silveira cravou um prazo de três dias para a solução que não foi cumprido. Ameaças são desprezadas e punições retardadas enquanto o usuário fica à deriva. A força-tarefa colocada em campo desta feita é um paliativo. Passou da hora de uma resposta concreta, definitiva e efetiva. Com mais de R$ 320 milhões em multas aplicadas, a Enel dá sinais de ignorar a gravidade de sua ineficácia. E vai sucessivamente prorrogando os processos para não pagar pelas infrações. Conta a favor com a habitual lerdeza da Justiça. O plano de contingência para eventos climáticos extremos segue como uma quimera. Ninguém cobra, ninguém cumpre e a percepção é de um desrespeito generalizado que beira a irresponsabilidade crônica. Para dar uma ideia da dimensão da tragédia, São Paulo chegou a ter mais pessoas sem energia do que a Flórida logo após o furacão que devastou o Estado dias atrás. Os dados estão postos e o que difere os dois episódios é realmente a força da resposta. No pátio da Enel, centenas de caminhões técnicos foram flagrados parados nos dias subsequentes à tragédia, como a ignorar as demandas, que também não eram atendidas pelos telefones. Reinava a desordem e o despreparo. Se não está à altura do desafio que assumiu, deixando de lado a celeridade necessária, a Enel deveria ser a primeira a pedir para sair. Com 15 milhões de endereços dependentes de sua resposta, a organização italiana vai se mostrando muito aquém do ideal.