Comportamento

Congelamento de óvulos: entre 2020 e 2023, procura cresceu 96,5%, diz Anvisa

Nos últimos quatro anos, o Brasil armazenou quase 800 mil óvulos e embriões, um recorde. Mercado de reprodução humana movimenta hoje mais de R$ 2 bilhões por ano no País

Crédito: Rogerio Cassimiro

"O armazenamento me deu mais tranquilidade, pois a gravidez é um tema que traz muita ansiedade para as mulheres", diz Josiane Reis, atriz (Crédito: Rogerio Cassimiro)

Por Maria Ligia Pagenotto

Atriz autônoma, Josiane Reis, de 38 anos, adiou o sonho de ser mãe por diversas razões. Em uma consulta, foi alertada sobre a possibilidade de ter uma baixa reserva ovariana, suspeita constatada em exames. Aconselhada pela médica Ana Carolina Lázaro, do Projeto Girassol, Josiane optou pelo congelamento dos seus óvulos.

A mesma decisão tomou a psicóloga Débora Santiago, de 31 anos, sob a mesma orientação da doutora Ana Lázaro. Ela tem endometriose, condição que pode dificultar a gravidez.

Tainá Alves partiu para o congelamento mais cedo, aos 28 anos, pela clínica Vida Bem Vinda, unidade do FertGroup em São Paulo. Biomédica, com conhecimento sobre o tema, achou que seria o momento certo de agir. Tainá também tem endometriose.

A maternidade é uma certeza na vida dessas mulheres, mas nunca foi algo desejado antes dos 35 anos. Num outro período da história, elas poderiam ser nomeadas como as que “ficaram para tia”, expressão pejorativa para se referir a mulheres que optaram por não ter filhos ou por engravidar após os 30.

Além de politicamente incorreta, a frase indica desinformação. “Hoje é possível priorizar outros projetos e escolher o momento de ter filho”, afirma a médica Ana. A ciência evoluiu e a sociedade mudou, dois fatores que determinam a procura cada vez mais crescente pelo processo de congelamento de óvulos e de embriões.

Paula Marin, sócia-fundadora da Venvitre e médica do Hospital Sírio-Libanês, explica que a técnica do congelamento ganhou força há cerca de uma década, quando deixou de ser considerada experimental e passou a ser utilizada para além de casos oncológicos.

O congelamento é, na maioria das vezes, uma escolha. “É uma tendência, está longe de ser um modismo”, afirma o professor Ivan Penna, da Universidade Federal Fluminense. “É inclusive subsidiado por algumas empresas para dar tranquilidade à mulher que deseja investir na carreira profissional”.

Avanço tecnológico
e mudanças sociais: estímulo ao crescimento de óvulos armazenados (Crédito:Lynne Sladky)

A médica Mariana Cassará, da maternidade São Luiz Star (Rede D’Or) e do Projeto Alfa, pontua que as mulheres devem se informar sobre esses avanços e tirar proveito deles. Ela explica que a preservação da fertilidade se destacou muito com a mudança na técnica de congelamento, realizada desde 2010 por vitrificação, um processo ultra-rápido que impede a formação de cristais de gelo no interior das células. Com isso, os óvulos não perdem qualidade. “Uma mulher que faz o congelamento aos 30 anos pode ter filho aos 40 ou mais, se assim quiser, com óvulos ainda jovens”.

Caro, mas possível

Preços variam conforme o pacote

R$ 12 a 20 mil
Valores do congelamento em média

R$ 3 a 6 mil
São os custos adicionais com medicação

R$ 800 a 2 mil/ano
Preços da taxa de manutenção dos óvulos

Espécie de seguro

A idade é um dos fatores que mais interferem negativamente na fertilidade. Isso porque as mulheres já nascem com todos os óvulos que terão na vida (de 1 a 2 milhões). O número vai caindo rapidamente, assim como a qualidade, até a menopausa.

Biologicamente, os especialistas indicam que o ideal é a mulher engravidar no máximo até os 35 anos. Mas a vida aponta outras possibilidades, e, às vezes, alguns impeditivos. “Quando congelei meus óvulos eu havia terminado um relacionamento”, conta Tainá. Ter os óvulos preservados é fazer uma espécie de “seguro”, como diz o professor Penna. “Ninguém sabe o que está por vir”. Ele dá uma dica: mulheres que menstruaram antes dos 12 anos e aquelas cujas mães entraram antes dos 50 na menopausa têm mais chance de apresentar baixa reserva ovariana. “Por volta dos 30 anos vale investigar.”

O congelamento, para melhores resultados, deve ser feito até os 35 anos, se possível. “Congelando de 15 a 20 óvulos, a chance de ter um bebê chega a 90%, independentemente da idade da mulher no descongelamento”, diz Paula Marin.

No Brasil existe banco de sêmen, por isso o grande número de mulheres que buscam, sozinhas, o congelamento, de acordo com os especialistas ouvidos. Congelar um embrião é, de certa forma, se manter atada a um parceiro, o que nem sempre interessa a elas.

Entre 2020 e 2023, a procura pelo congelamento subiu 96,5%, segundo a Anvisa. O mercado está aquecido, mas o procedimento não é barato. O custo varia conforme a clínica (ver quadro ao lado). Os planos de saúde cobrem só casos oncológicos. O SUS não faz o procedimento, com exceção de alguns serviços ligados a fundações, com muita espera.

“Ainda não é para todos, mas para muita gente é viável”, diz Ana. Alguns locais, como o Projeto Girassol, oferecem o serviço em condições mais acessíveis. Para as três mulheres entrevistadas, a tranquilidade adquirida com o congelamento não tem preço. “Foi a melhor coisa que fiz para reduzir meu nível de ansiedade em relação a esse tema”, afirma Josiane.