Comportamento

Pizzaria Castelões: patrimônio gastronômico de São Paulo faz 100 anos

A paulistana Castelões chega aos 100 anos como a pizzaria mais antiga do Brasil. Na terceira geração, o restaurante coleciona receitas e casos da história do País

Crédito: Mauro Holanda

O pizzaiolo e cozinheiro Fábio Donato: receitas e decoração de cantina italiana (Crédito: Mauro Holanda)

Por Ana Mosquera

Se tudo pode acabar em pizza também dá para começar em jogo. Foi o futebol o responsável pelo início do projeto da Castelões, pizzaria localizada no bairro do Brás, em São Paulo, que comemora 100 anos de vida, sendo a mais antiga do Brasil. Era o começo do século XX quando o filho de italianos Vicente Donato se reunia com o amigo Ettore Siniscalchi, após partidas amadoras para saborear pratos tradicionais da culinária de sua ascendência. Não demorou para que preparos com berinjela e a famosa bisteca alla fiorentina dessem lugar às pizzas inspiradas em Nápoles, e que o sucesso da massa e das coberturas atraísse mais gente, levando à abertura do restaurante em 1924 — o pedreiro que construiu o forno à lenha foi o primeiro pizzaiolo da Castelões. Sozinho na administração do negócio após a mudança do sócio para o Rio de Janeiro, Vicente ganhou a parceria do filho João no final da década de 1960, que por sua vez passou o bastão a Fábio, terceiro Donato na gestão após o falecimento do pai em 2014.

“O que me levou a prosseguir foi o respeito pelo meu pai e avô, que se doaram ao restaurante por 60 anos cada um. A vida da minha família está aqui”, diz Fábio, pizzaiolo e cozinheiro da Castelões. Dentro do estabelecimento desde os 15 anos, ele se tornou um curioso pela culinária e cultura italianas, realizando viagens e cursos em importantes instituições daquele país: “Meu pai me estimulava a testar receitas, sem falar nada. Hoje eu tenho mais de 100 sabores que nunca foram usados. A clientela é um pouco avessa a mudanças” — ele preza por uma muçarela especial, uma farinha italiana feita sob encomenda e tomates italianos frescos, brasileiros e importados.

A curiosidade não impede o proprietário de realizar experimentos na cozinha: “Faço testes com todas as farinhas que me mandam e me surpreendo com os resultados, mas eu não divulgo meu método secreto”. Entre as inovações estão a chegada da “melhor máquina da Itália para bater a massa” – fruto de pesquisa de 15 anos – e a inclusão de discos individuais no menu, inclusive no delivery: “O contexto do Brasil está mudando, assim como o perfil dos clientes”.

(Mauro Hoplanda)
(Mauro Hoplanda)
(Mauro Hoplanda)
(Mauro Hoplanda)

“O que me levou a prosseguir foi o respeito pelo meu pai e meu avô, que se doaram ao restaurante durante 60 anos cada um.”
Fábio Donato, proprietário

Colegas, não rivais

Os sabores mais vendidos em meio às 1.500 unidades que saem por mês seguem os mesmos de há 100 anos:
calabresa,
muçarela,
marguerita,
portuguesa,
napolitana,
quatro queijos
e a Castelões, uma derivação da pizza de calabresa feita com linguiça preparada na casa, que já chegou a outros restaurantes de São Paulo por meio de parcerias e homenagens.

O bom relacionamento com os colegas faz parte de uma receita nada secreta dos Donato. Assim que assumiu o negócio familiar, Fábio reuniu donos de grandes pizzarias da cidade para um jantar: “Começamos a fazer eventos em conjunto, algumas compras mais pesadas. Isso uniu os empreendimentos, provando que nós somos colegas, não rivais”.

Linha do tempo: João Donato, falecido em 2014, e o filho Fábio, à frente do negócio familiar desde então. Abaixo, comemoração no estabelecimento, nos anos 1960 (Crédito:Divulgação)
(Divulgação)

Outros nomes importantes já cruzaram a porta que separa as ruas do bairro de tradição operária do cenário interior, decorado como uma típica cantina italiana. A apresentadora brasileira Hebe Camargo, o automobilista argentino Juan Manuel Fangio e o tenor italiano Tito Schipa são alguns dos que tiveram sua presença perpetuada no Livro de Ouro mantido pelo dono. O mais habitué é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Sua eleição à Presidência da República, em 1994, foi celebrada aqui na Castelões”, lembra Fábio.