‘Senhor das armas’ e ‘mercador da morte’: conheça o ex-atleta Viktor Bout
Depois da prisão nos EUA, Viktor Bout voltou à Rússia em troca de prisioneiros, virou deputado e retomou os “negócios”, aquecidos pelos conflitos no Oriente Médio
Por Denise Mirás
Em meio às sombras do mercado paralelo — e trilionário — de armas, Viktor Bout ressurge como um dos maiores traficantes do planeta, mas agora oficialmente sob a luz da política. A partir do esboço traçado como mercador sem escrúpulos, tomou forma como deputado regional por Oblast, na Rússia, filiado ao ultranacionalista Partido Liberal Democrata. Sempre cercado por lendas que se estendem do Caribe aos EUA, da África ao Oriente Médio e da Europa à Ásia, o tajique de 57 anos, 1,83m, olhos azuis e bigode, casado com Alla e pai de Elizaveta, é monitorado por serviços de inteligência de vários países pelo menos desde 1995. E estaria de volta aos “negócios”, com o envio de fuzis AK-74 (versão atualizada dos AK-47), mísseis antitanque Kornet e sistemas de defesa aérea para a milícia houthi do Iêmen, aliada do Irã que ataca navios no Mar Vermelho em retaliação aos EUA pelo apoio à Ucrânia. Uma venda “casada” por US$ 10 milhões.
• O “Senhor da Guerra” havia caído em uma armadilha da DEA (a Drug Enforcement Administration, órgão de segurança americano), montada na Tailândia em 2008. Extraditado em 2010 para os EUA, foi condenado a 25 anos de cadeia por “conspirar para matar, comprar e vender mísseis, fornecer armamento para organização terrorista”.
• Mas veio a guerra na Ucrânia, em 2022, quando a jogadora de basquete Brittney Griner estava na Rússia jogando pelo UMMC Ekaterinburg e se viu presa por porte de óleo de cannabis.
• Sentenciada a nove anos, tinha cumprido dez meses quando o governo russo aceitou a troca dessa bicampeã olímpica pelo traficante de armas, realizada no aeroporto de Abu Dhabi.
• Foi assim que Viktor Bout voou para Moscou em dezembro de 2022, para voltar a ser chamado de “Mercador da Morte” agora em 2024.
Aprendizado na prisão
Nascido no Tajiquistão, à época ainda parte da União Soviética, Viktor Bout teve pai mecânico de carros e mãe contadora. Cresceu ouvindo discos do ABBA e assim começou a aprender inglês, enquanto se destacava como jogador de vôlei, até ser recrutado pelo Exército para dois anos de serviço na Ucrânia. Liberado, escolheu estudar Português no Instituto Militar de Línguas Estrangeiras, em Moscou, e essa decisão, somada ao gosto por idiomas, se mostrou fundamental para sua “carreira” de traficante de armas, encomendadas por órgãos e grupos armados dos mais variados países.
Consta que, por conta desse comércio — e também pelo aprendizado nas várias prisões por onde passou —, fala tajique, russo, inglês, português, esperanto, farsi, urdu, dari, zulu e xhosa.
Mais dois pilares de sua vida se mostraram como apoio determinante para um traficante de armas: a passagem pela diretoria da KGB (o serviço secreto soviético) e a dissolução da URSS em 1991, quando a economia russa entrou em colapso, assim como a presidência de Boris Iéltsin, com gangues criminosas se espalhando pelas cidades. Viktor Bout não perdeu a chance. E foi se deslocando por países do Leste Europeu, Oriente Médio e África, fundando empresas para operar com frotas de aviões para transporte “de cargas e passageiros”.
Quando foi preso em Bangkok, enganado por americanos que se diziam compradores das FARC, a lista “da guerrilha colombiana” para ele somava nada menos que 100 mísseis, 5 mil fuzis AK-47, 10 milhões de cartuchos de munição, 250 rifles Dragunov, 20 mil granadas de fragmentação, 740 morteiros e uma tonelada de explosivos plásticos, que ele se propunha a entregar arremessando de um avião.
Mercado desdobrado
Professor de Direito Internacional da Faculdade Arnaldo Janssen de Belo Horizonte, Vladimir Feijó destaca que em paralelo ao mercado irregular de armas outros se sobrepõem e também se aproveitam de corrupção, muitas vezes disseminada em países autoritários.
Além disso, lembra que novas tecnologias também ganham espaço e vão entrando no mercado global, legal ou ilegalmente. “Hoje temos, por exemplo, o Hezbollah com drones fabricados com pouco metal para dificultar sua detecção por radar. E há países como a Turquia e o Irã, que estão se especializando em drones e podem compartilhar tecnologia com grupos da África e do Oriente Médio. Esses ‘piratas das sombras’, como são chamados, estão aproveitando as mudanças na globalização para atuar na ilegalidade”, observa. “E a demanda de mercado também abre caminho para o aproveitamento de equipamentos legais que estão parados e seriam vendidos como sucata, como navios. Reformados, podem burlar sanções econômicas, por exemplo, por meio de agentes paralelos nos mares.”
Lenda ou “garganta” de mercadores, fato é que o mercado de armas se tornou trilionário, como aponta o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz (SIPRI, na sigla em inglês), com sede em Estocolmo. A estimativa, apenas para gastos declarados em forças militares pelo mundo (sem contar os negócios “à sombra”) é de US$ 2,443 trilhões neste ano — quando, além da guerra na Ucrânia, o planeta ainda assiste aos ataques de Israel em Gaza e no Líbano e os muitos conflitos na África.
Os cinco países que mais exportaram armas entre 2019 e 2023, com 75% do total, foram:
• EUA,
• França,
• Rússia,
• China,
• e Alemanha.
A ABC (rede de notícias da Austrália) informa que os gastos dos EUA apenas com as operações militares de Israel e outras no Oriente Médio totalizam US$ 22,76 bilhões agora em 2024 — e o número ainda é parcial. Outro dado do SIPRI: as receitas somadas das 100 maiores empresas de defesa do planeta chegavam a US$ 597 bilhões em 2022 (as top-5 são Lockheed Martin, RTX, Northrop Grumman, Boeing e General Dynamics). Viktor Bout não seria o Senhor das Armas se perdesse essas “oportunidades de negócios”.