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Pacote anti-STF mira Moraes e tem rubrica conhecida; entenda

Crédito: Ton Molina

O ministro Alexandre de Moraes não se intimidou com as pressões da direita brasileira e nem com as ameaças do bilionário Elon Musk (Crédito: Ton Molina)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Imune ao ataque do extremismo ao STF, o ministro Alexandre de Moraes enquadra o bilionário Elon Musk
• Ele ignora as chantagens por anistia aos golpistas e acelera medidas que podem levar Bolsonaro à prisão;
• Dino também não se intimida e mantém suspensas as emendas

 

O presidente da Câmara, Arthur Lira, ruge como leão pelas emendas, mas mia como gatinho diante dos extremistas da direita. Ele ficou em silêncio quando os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, na mais estridente ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal, fizeram passar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) um pacote de projetos que, além de restringir a atuação e ampliar o caminho para impeachment de ministros, dá ao Congresso a falsa atribuição de guardião da Constituição.

Num disparate jamais visto, pelas propostas, por dois terços dos votos de cada uma das Casas, deputados e senadores poderiam anular uma decisão judicial se entenderem que ela extrapola os limites constitucionais cujo zelo é a razão de existir uma Corte Suprema em qualquer lugar do mundo.

Como nada ali acontece por acaso, a retaliação tem dois motivos que giram em torno de Bolsonaro:
forçar a negociação de uma anistia que o livre dos crimes na fracassada tentativa de golpe,
e evitar que o STF coloque freio na voracidade dos congressistas sobre o dinheiro do governo federal através das emendas parlamentares suspeitas, turbinadas justamente pelo ex-presidente, que, em 2019, entregou o Orçamento ao centrão em troca do apoio para governar.

A artilharia extremista mira os ministros Flávio Dino, que suspendeu o pagamento das emendas, e Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos contra Bolsonaro, alvos preferenciais da retaliação para tentar acuar o STF e, por tabela, o governo.

Elon Musk, queridinho do bolsonarismo, que atacou e ameaçou, acabou se rendendo às regras legais impostas pelo ministro Alexandre de Moraes para que o X voltasse a funcionar no Brasil

O bilionário Elon Musk, que atacou a soberania do país, agora segue as regras para qualquer empresa estrangeira (Crédito:Apu Gomes)

Manjada, a tática foi deflagrada no intervalo entre o primeiro e o segundo turno e deve voltar com mais intensidade depois das eleições. Até aqui, no entanto, os tiros têm saído pela culatra: a extrema direita impôs o pacote anti-STF como reação à derrota sofrida na Corte pelo bilionário Elon Musk, queridinho do bolsonarismo, que atacou e ameaçou, mas acabou se rendendo às regras legais impostas pelo ministro Alexandre de Moraes para que o X voltasse a funcionar no Brasil.

O bilionário pagou R$ 28, 6 milhões em multas, tirou do ar os perfis de bolsonaristas que atacavam autoridades e espalhavam mentiras, e ainda permanece como investigado no inquérito das milícias digitais.

Capitaneados pelos filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo e o senador Flávio, parlamentares da extrema direita que se dizem patriotas fizeram o jogo ideológico e comercial do homem mais rico do mundo, que atacou a soberania do país tentando subjugar o judiciário a seus ímpetos megalomaníacos.

Direita tentou assustar Flávio Dino no encontro para definir o novo modelo de emendas, mas o ministro avisou que o pagamento continua suspenso

Firmeza Flávio Dino fechou a torneira das emendas suspeitas e só altera decisão se o Congresso mostrar o “padrinho” e destino do dinheiro (Crédito:Gustavo Moreno)

Moraes seguiu a lei e mostrou que é possível, sim, colocar limites às redes digitais.
Depois de seis meses sendo atacado pelo bilionário, que chegou a compará-lo com o vilão Valdemort e o chamou de juiz falso e tirano, o ministro autorizou que o X e a Starlink, com um representante agora formalmente indicado, voltassem a operar como qualquer outra empresa estrangeira que deve seguir as regras estabelecidas pelo País.
Um comunicado singelo do colegiado informou que como a empresa “cumpriu as condições estipuladas pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, poderá voltar a ser utilizada pelos brasileiros”.

Alvo da maior ofensiva da extrema direita parlamentar deflagrada na democracia, o judiciário brasileiro foi elogiado em vários países e virou notícia nos principais veículos internacionais, que destacaram a derrota judicial do bilionário e os prejuízos que este teve de amargar ao permitir o avanço de concorrentes no período em que, com o X já suspenso, ameaçou encerrar as operações no Brasil.

A deputada Caroline De Toni se empolgou com a vitória da direita e quis demonstrar força com o bizarro pacote anti-STF (Crédito:Divulgação)

Direita humilhada

Humilhada junto com Musk, a direita foi para a revanche, promovendo, na CCJ, uma sessão de votação que entrará para a história como uma das mais insanas e inconsequentes.

O pacote aprovado por 39 votos a 18, com apoio inclusive do União Brasil, PSD, PP e MDB que, juntos, controlam 10 ministérios no governo Lula3:
proíbe decisões monocráticas do STF,
amplia o leque de motivos que podem levar ao impeachment de ministros, transferindo da presidência do Senado para o plenário a prerrogativa de colocar na pauta os pedidos,
e, o mais grave por se tratar de cláusula pétrea que regula a separação e harmonia dos poderes, tenta usurpar o controle constitucional sobre decisões judiciais.

Presidida pela mais radical bolsonarista, a deputada catarinense Caroline de Toni (PL), que aproveitou-se do avanço da direita nas eleições para colocar o pacote na pauta, a sessão parecia uma reunião de grêmio estudantil, com propostas sem o menor princípio de razoabilidade jurídica e, a menos que país seja sacudido por uma revolução armada ou se convoque uma nova Constituinte, sem chance alguma de vingar: a última palavra sobre os limites constitucionais é prerrogativa exclusiva do STF.

Após a aprovação do pacote anti-STF, Lira disse que sob sua gestão nenhuma PEC seria votada, mas deixou a votação acontecer na CCJ

Lira tem o controle da pauta das comissões, mas deixou correr a longa sessão em que a extrema direita mostrou os dentes para o STF (Crédito:Divulgação)

O risco maior é um impeachment, atribuição do Senado que, ainda assim, deve ter rito adequado ao que prevê a Constituição e pode ser derrubado se não tiver motivação fundamentada.

No meio da balbúrdia, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) chegou ao cúmulo de afirmar que, por terem sido eleitos, os deputados podem e devem limitar o funcionamento do STF.

O petista Lindberg Faria (RJ) alertou para a bizarrice da pauta: “Isso aqui é loucura! Pergunto por onde anda nesse momento o presidente Arthur Lira, que não intervém? É uma insanidade: estamos dizendo que o poder legislativo pode sustar decisão do STF sobre controle constitucional!”.

Num ambiente lúcido, a Mesa Diretora da Câmara nem teria deixado que as propostas fossem pautadas. A histeria forçou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, a um chamamento à razão: “Num mundo plural não existem unanimidades, porém não se mexe em instituições que estão funcionando e cumprindo bem suas funções por injunções políticas de interesses circunstanciais e dos ciclos eleitorais”.

Lira quis agradar o PL

Horas depois, Lira afirmou que sob sua gestão, nenhuma das PECs seria votada. O problema, na verdade, foi ele ter permitido a votação e aprovação do pacote anti-STF. Ele sabe com antecedência o que entra na pauta das comissões, mas preferiu deixar correr para agradar o PL, cabalar votos para Hugo Motta (Republicanos-PB), o seu favorito na eleição para a presidência da Câmara, e ganhar musculatura para tentar assustar Flávio Dino no inevitável encontro para definir o novo modelo de emendas.

Dino avisou que o pagamento das emendas continua suspenso, especialmente depois que um estudo da CGU apontou que em 56% das que remanescem do orçamento secreto não é possível rastrear o parlamentar “padrinho” nem o destino do dinheiro.

Com as instituições funcionando, a chance de a extrema direita mexer na estrutura do STF ou emplacar impeachment beira a zero. A algazarra revela, no entanto, que o bolsonarismo aprendeu a impor uma retórica que agrada sua bolha e assusta os incautos.

Dino e Moraes, habituados a esse tipo de embate, demonstram que estão imunizados.
Na terça-feira, 14, em vez de recuar, Moraes atendeu pedido da Polícia Federal e formalizou pedidos de extradição de 63 brasileiros que foram denunciados no Brasil pela tentativa de golpe, mas romperam o acordo com a Justiça, arrebentaram as tornozeleiras eletrônicas e, em movimento articulado, fugiram para a Argentina.
Um deles, o blogueiro Osvaldo Eustáquio, está na Espanha.
Conhecido tecnicamente por “extradição instrutória”, o pedido será encaminhado pelos ministérios da Justiça e de Relações Exteriores e pode ser atendido via acordo firmado, ironicamente, pelos ex-presidentes Jair Bolsonaro e Maurício Macri em 2019.
Como os dois países têm acordo de cooperação, pela lei dificilmente o pedido deixaria de ser atendido, a menos que o presidente Javier Milei, que é amigo de Bolsonaro, queira procrastinar a decisão de expatriar com exigências jurídicas burocráticas.

Como se vê, a pressão pela anistia é o direito que a extrema direita tem de espernear, mas o destino de Bolsonaro, esse sim, com base técnica, deve ser o banco dos réus e depois a prisão.