Angelina Jolie retrata declínio de Maria Callas em filme com riqueza visual
Angelina Jolie interpreta a soprano Maria Callas na última parte da trilogia do chileno Pablo Larraín sobre as mulheres que moldaram o século 20
Por Felipe Machado
Uma diva interpretando a outra: Angelina Jolie retorna às telas com o desafiador papel de Maria Callas, uma das maiores cantoras de ópera do século 20, em Maria, dirigido pelo chileno Pablo Larraín. Conhecido por retratar mulheres icônicas em seus momentos mais sombrios, Larraín completa, com este filme, a trilogia que começou com Jackie (2016) e seguiu com Spencer (2021), explorando os conflitos internos de Jacqueline Kennedy Onassis e a Princesa Diana, respectivamente. Agora, com Jolie no papel principal, o cineasta volta seus olhares para os últimos dias da lendária soprano em Paris, no ano de 1977. Na época, ela vivia reclusa e enfrentava a solitária decadência de sua outrora gloriosa carreira.
Jolie, que tem se mantido relativamente distante dos filmes levados a sério pela crítica — seu último papel foi a super-heroína Thena, em Eternals, da Marvel, em 2021 —, embarca em uma jornada intensa para personificar a cantora. Em entrevistas à imprensa internacional, a atriz revelou que seu processo de preparação durou meses, com aulas de canto e italiano, para viver a personagem com autenticidade. Embora tenha cantado nas filmagens, as cenas em que Callas canta no longa utilizaram suas gravações originais, com trechos da voz de Jolie combinados por meio de inteligência artificial.
O que chama a atenção em Maria, no entanto, não são apenas os desafios técnicos ou o compromisso de Jolie com o papel, mas a abordagem visual e emocionalmente rica que Larraín adota para ilustrar o declínio da artista. O filme se passa quase inteiramente dentro do enorme apartamento parisiense de Callas, onde ela se mantém isolada, cercada por uma atmosfera de tristeza e nostalgia.
Angelina, abusando dos luxuosos figurinos de época e mergulhada na depressão, interpreta a artista como uma figura etérea, marcada por arrependimentos e pelo vazio de sua vida pós-fama. O diretor de fotografia Edward Lachman, utilizando câmeras de cinema e Super 8, oferece ao filme uma textura visual densa e analógica, que evoca tanto a grandiosidade quanto a fragilidade da protagonista.
O relacionamento trágico entre Callas e o magnata grego Aristóteles Onassis é outro ponto central para a narrativa.
• Por meio de flashbacks, o filme mostra como Onassis, interpretado pelo ator turco Haluk Bilginer, rompeu com Callas para se casar com a ex-primeira dama ameriana Jacqueline Kennedy, ferida que jamais cicatrizou para a soprano.
• Em várias cenas, Jolie, em um tom sombrio, relembra seu “único verdadeiro amor”, dando à interpretação uma dor contida, que demonstra o desespero de uma mulher abandonada tanto no amor quanto na carreira.
• Jolie atua com uma indiscutível elegância estética, mas sem encarar com profundidade as complexidades emocionais que fizeram de Callas uma figura tão carismática.
A estrutura narrativa do filme, dividida em três atos — A Diva, Verdade Importante e Cai o Pano — parece resumir de maneira simplista a trajetória que a vida de Callas exigiria.
Trilogia feminina
As comparações com os filmes anteriores de Larraín são inevitáveis. Assim como Jackie e Spencer, Maria tenta imaginar o lado psicológico de uma mulher assombrada pela fama. Diferentemente de Natalie Portman e Kristen Stewart, porém, que conseguiram imprimir uma mistura marcante de sofrimento e superação em seus papéis, Jolie parece aprisionada em uma performance excessivamente calculada, sem a força necessária para se conectar de verdade com o público.
Filha de imigrantes gregos, Callas viveu o auge nos anos 1950, quando foi considerada a maior cantora de ópera da história
A presença de uma atriz tão famosa como Angelina Jolie certamente despertará nos jovens a busca por mais informações sobre Callas. O filme de Larraín é o elemento mais midiático da comemoração do centenário de nascimento da soprano, celebrado em 1923.
Outra homenagem importante foi protagonizada por outra diva: a italiana Monica Bellucci interpreta Callas em Cartas e Memórias, peça baseada no livro de Tom Volf. O espetáculo já excursionou pelo mundo e teve inclusive uma temporada na Broadway, em Nova York. O projeto rendeu um documentário que vem sendo exibido em festivais pelo mundo.
Entre os tributos, destaque ainda para a inauguração do Museu Maria Callas, em Atenas. Filha de imigrantes gregos, Maria Anna Cecilia Sofia Kalogerópulos nasceu nos EUA, mas, honrando sua origem, nunca deixou de viver como se estivesse atuando em uma tragédia grega.