Argentina Ariana Harwicz sacode a literatura com urgência e melancolia
Por Luiz Cesar Pimentel
Ariana Harwicz é a maior estrela da literatura argentina atual, em uma constelação de peso que reúne nomes como Camila Sosa Villada, Mariana Enríquez, Samantha Schweblin e Carla Maliandi. Há 17 anos, ela emigrou para a França, onde obteve o mestrado em Literatura pela renomada Universidade de Sorbonne e, desde então, começou a despontar no cenário mundial. Guarda, no entanto, uma característica: mesmo vivendo na terra de Gustave Flaubert e Victor Hugo, ainda segue escrevendo em espanhol. A autora lança agora no Brasil seu sexto livro, Perder o Juízo, onde a protagonista é uma argentina de origem judia, que tornou-se mãe como imigrante francesa. Qualquer semelhança com a vida real não é ironia nem mera coincidência. A condição que lembra bastante a sua própria vida só reforça a escrita urgente, cinematográfica e um tanto melancólica que Ariana Harwicz comprova a cada linha. Como ela mesma diz, ninguém é capaz de cometer um crime —até cometê-lo.
Na trama, a protagonista Lisa Trejman chega ao limite de atear fogo à casa do ex-marido para sequestrar e fugir com os filhos. “Um romance tem a ver com os personagens e com o enredo. Ao mesmo tempo, não tem absolutamente nada a ver com tudo isso. Sim, acho que todos os meus personagens são degenerados, e também gosto muito daquele ponto localizado cinco minutos antes de o ato ser consumido. Aquele instante anterior ao crime, prestes a que seja cometido, mas que tem a vida seguindo normalmente enquanto vivemos esse risco. Meus romances são sempre essa hipótese de que tudo também pode acontecer a nós, pessoas normais”, diz ela à ISTOÉ.
Estilo único
Seu estilo é tão cinematográfico que sua estreia, Morra, Amor, de 2012, está virando filme estrelado por Jennifer Lawrence e Robert Pattinson, com direção da escocesa Lynne Ramsay, de Precisamos Falar Sobre Kevin. A produção ficará a cargo de ninguém menos que Martin Scorsese. “Isso me parece uma espécie de milagre, já que é uma obra de literatura independente. Soa como algo vindo da ordem de um feitiço, de bruxaria. Como um livro nessa categoria alcança um nível planetário?”, espanta-se a autora.
Sobre seu estilo, que causa tanta identificação quanto um certo temor no público, ela prefere não criar teorias, com medo de desenvolver um bloqueio criativo. “Se eu pudesse responder com precisão de onde vem o estilo, a escrita, as palavras, as imagens, acho que nunca mais escreveria. Ou seria uma escritora muito ruim”, diz. “Pode considerar que escrevo assim porque sou mulher, porque sou argentina, por causa da ditadura, porque sou judia. Mas tudo isso seria uma mentira, uma farsa. O autor nunca sabe por que ele escolhe uma palavra e não outra, porque ele encontra uma imagem e não outra. A escrita é uma experimentação.”
ENTREVISTA
Ariana Harwicz, escritora
“A empatia é perigosa para a arte”
Como o fato de ter nascido na Argentina influencia sua literatura?
Todo país tem seus demônios, seus fracassos e suas armadilhas mortais, das quais não consegue sair. Ou suas guerras internas. A Argentina está eternamente presa em uma espécie de porta giratória entre o peronismo e o antiperonismo. Outros países são divididos, mas lá isso é bem maior do que direita e esquerda. Acho que falta uma terceira opção na dialética que rompa isso.
Como reage às críticas de que suas obras são muito intrincadas?
Sei que são livros difíceis, mas não são demagógicos. Não apelam para a identificação fácil. A empatia é perigosa para a arte.
Quando e onde estava quando descobriu que seria escritora?
Eu me tornei escritora na França, foi lá que aconteceu essa conversão. Não sei qual ruptura houve, pois escrevo em espanhol. Só sei que, quando deixei a Argentina, aconteceu algo em meu cérebro que me possibilitou escrever.
Por que a literatura argentina é tão visual e cinematográfica?
A Argentina tem uma longa tradição de grandes filmes, mas não sei dizer por quê. Talvez porque exista uma determinada conjuntura política ou por que o país vem da mistura de imigrantes, da violência da Argentina. Talvez seja uma mistura de tudo isso. Acreditamos que somos europeus e latinos ao mesmo tempo. A violência argentina é muito cinematográfica.