Economia

Como o apagão da Enel joga luz sobre o frágil serviço de energia em São Paulo

Crédito:  Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo

No 5º dia do apagão família na grande São Paulo, aguarda retorno da energia (Crédito: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Agência O Globo)

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Terceiro grande apagão em menos de um ano deixa mais de dois milhões de imóveis sem energia na capital paulista e região metropolitana
• O problema causa prejuízo de pelo menos R$ 1,65 bilhão, irrita empresários e evidencia despreparo da concessionária Enel e falhas da prefeitura

Menos de um ano após o apagão causado entre 3 e 9 de novembro de 2023 por uma forte tempestade, a Grande São Paulo enfrenta novamente uma crise de energia elétrica. Um vendaval intenso, com ventos superiores a cem quilômetros, expôs, em menos de dez minutos, falhas graves na infraestrutura elétrica da cidade. As tempestades derrubaram árvores e interromperam circuitos, levando fios e transformadores ao colapso, com necessidade de substituição urgente. Mais de dois milhões de imóveis ficaram sem luz, um número expressivamente maior do que o registrado pelo furacão Milton, que devastou parte do estado americano da Flórida. Foi o terceiro apagão a atingir a capital paulista em um ano.

O evento extremo deixou o saldo trágico de pelo menos 16 mortes. Em São Paulo, apenas 24 horas após as tempestades, sete pessoas haviam perdido a vida. Durante sua passagem pela Flórida, o furacão Milton também causou danos significativos, como era previsto. Mas, no sábado (12), São Paulo contabilizava 1,45 milhão de imóveis sem energia, cem mil a mais do que os 1,35 milhão atingidos pelo furacão no estado norte-americano.

Moradores e comerciantes de Osasco sofrem com a falta de energia elétrica a devido a chuva e fortes ventos que ocorreram na noite do dia 11/10 (Crédito:Aloisio Mauricio)

A comparação evidencia a precariedade do fornecimento de energia em São Paulo após a ventania.
Levantamentos recentes sobre interrupções de energia nos municípios atendidos pela empresa italiana Enel, concessionária de energia da capital paulista, destacam a situação alarmante.
A cidade enfrenta interrupções por tempo cerca de cinco vezes maior do que os registrados na atuação da empresa em municípios da Itália e do Chile, revelando o descaso com a região metropolitana.
Na quarta-feira, 16, a defesa civil anunciou novo risco metereológico entre os dias 18 e 20.
O debate sobre a responsabilidade pela falta de ações preventivas, como a poda de árvores e a manutenção da infraestrutura, se intensifica.
A Enel atribui a culpa à prefeitura, que tem a obrigação legal de podar. A administração municipal, por sua vez, alega não poder colocar seus funcionários em risco trabalhando em árvores energizadas pelos fios.

Entre uma e outra, o cidadão paulista paga a conta da omissão, amplificada com a demora injustificável da Aneel, a agência reguladora do setor, em tomar providências.

Setor de serviços estima perda de R$246 milhões a cada dia sem luz (Crédito:Miguel Schincariol)

Os impactos financeiros são alarmantes. A Fecomércio-SP estima que as perdas para o varejo e serviços da cidade somam R$ 1,65 bilhão, considerando os quatro primeiros dias de apagão. O varejo foi especialmente atingido, com prejuízo de pelo menos R$ 536 milhões, e o setor de serviços enfrenta danos de R$ 1,23 bilhão. Na noite de quarta-feira, 16, cem mil imóveis na Grande São Paulo ainda estavam sem energia. A Fecomércio mantém diálogo constante com autoridades e exige resposta rápida da concessionária para restabelecer o fornecimento. O setor mais prejudicado é o de serviços. Em média, são R$ 246 milhões perdidos a cada dia sem luz.

Insatisfação

A falta de comunicação efetiva com os clientes, especialmente empresários, é um ponto de preocupação. A Fecomércio-SP aponta que a Enel não cumpriu prazos legais para restabelecimento nem adotou medidas compensatórias para os afetados. “Estamos insatisfeitos com a concessionária”, afirma a assessora Cristiane Cortez. O apagão anterior durou uma semana e deixou marcas profundas na população e no setor empresarial.

Além das perdas financeiras, muitas empresas arcaram com custos extras de geradores e enfrentaram dificuldades de acesso à internet, complicando ainda mais a vida dos cidadãos.

A expectativa é que a Enel apresente soluções concretas para a recuperação do serviço em breve. “Consideramos demasiadamente longo o tempo de restabelecimento da energia, pois, independentemente do tamanho dos danos, a concessionária de eletricidade que atende a maior e mais economicamente ativa cidade do Brasil precisa estar preparada para as correções necessárias. E também se comunicar com seus clientes prevendo prazo para retorno, para que as empresas possam se planejar e adotar medidas de diminuição de perdas e danos”, reforça Cristiane.

Para evitar novas crises, a Fecomércio-SP e especialistas sugerem medidas como:
modernização da infraestrutura elétrica,
instalação de dispositivos que minimizem desligamentos por falhas temporárias,
e realização de podas preventivas de árvores.

A entidade defende também a necessidade de equipes de manutenção suficientes para atender à demanda, opinião compartilhada pelo ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira. “Se eu ocupasse o cargo de prefeito da cidade de São Paulo, a primeira ação que tomaria seria entrar em contato com o ministro de Minas e Energia para agendar uma reunião com a Enel. Neste momento a prioridade é colaborar. No futuro farei as cobranças para que haja responsabilização”, disse o ministro.

Poste de energia cai em cima de árvores em Cotia durante a chuva de sexta-feira (Crédito:Leco Viana/Thenews2/Agência O Globo)

A crise do apagão em São Paulo levanta questionamentos sobre as obrigações legais da Enel. Segundo o especialista em Direito da Construção Rafael Marinangelo não há disposições legais específicas para crises, mas a Resolução da Aneel 1000/21 estabelece prazos para religação de energia: até quatro horas em emergências e 24 horas em casos normais. Jurisprudências em outras regiões aplicaram esses critérios em situações de mau tempo. “As responsabilidades da Enel incluem garantir o fornecimento contínuo de energia, manter a infraestrutura de distribuição, prestar atendimento ao consumidor e cumprir normas da Aneel. Embora estas sejam algumas das principais obrigações, o contrato de concessão pode prever outras responsabilidades adicionais”, explica Marinangelo.

(Tauan Alencar)

“Se eu ocupasse o cargo de prefeito de São Paulo, a primeira ação que tomaria seria ligar para o ministro de Minas e Energia para agendar uma reunião com a Enel.”
Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia

Desde que assumiu a concessão em 2018, a Enel registrou três apagões, o que pode resultar em penalizações. A Aneel avalia o desempenho das distribuidoras por meio do Índice de Desempenho Global de Continuidade (DGC), e a Enel corre o risco de enfrentar consequências legais, incluindo multas significativas.

R$ 1,23 bi
é o valor estimado da perda de receitas do setor de serviços no período

O especialista em Direito Político e Econômico Antonio Celso Baeta Minhoto ressalta que a Enel enfrenta crescentes desafios em sua relação com o poder concedente e os consumidores. Sob a regulação da Aneel e do Código de Defesa do Consumidor, a empresa deve assegurar um fornecimento contínuo de energia. Embora não possa ser responsabilizada por fenômenos naturais, a Enel é cobrada por um atendimento eficiente.

(Divulgação)

No escuro

Este é o segundo apagão de grandes proporções decorrente de temporais que atinge os setores de turismo e alimentação paulistas. O blecaute que atingiu a capital paulista e região metropolitana provocou para os segmentos um prejuízo de R$ 500 milhões, estima a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp). “Nosso setor é formado por 97% de micro e pequenos empresários. Essas empresas não têm lucro. Dependem da receita diária para a própria subsistência. Sabemos que a Enel não controla o vento e a chuva, mas é fundamental que tenha um plano de contingência emergencial para solucionar os problemas num espaço de tempo razoável. O que se vê hoje é caótico: a distribuidora deixa os consumidores e os empresários sem energia por dias e não demonstra um pingo de empatia e preocupação”, enfatiza Edson Pinto, diretor-executivo da Fhoresp.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), criticou o governo federal pela crise de energia, apontando a responsabilidade da Enel. Afirmou que a cidade não merece que a empresa continue prestando serviços. O episódio trouxe à tona lembranças do apagão histórico de novembro de 2023, que afetou quatro milhões de residências e gerou investigações e uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Na era dos eventos climáticos extremos, resta torcer pela ação das autoridade e para que os próximos não deixem rastros tão grandes de prejuízo.