Cultura

Terror salva o cinema

Ao apostar em produções originais, criativas e de baixo custo, diretores de filmes de horror da nova geração alcançam sucesso de público e crítica — além de um faturamento que surpreende a indústria cinematográfica

Crédito: Divulgação

Invocação do Mal, de James Wan: longa custou US$ 20 milhões e já faturou US$ 320 milhões em todo o mundo (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

O cinema de terror está em sua melhor fase – e isso é assustador. O gênero, que por décadas foi subestimado como entretenimento de nicho — e de segunda classe —, se consolidou como uma força dominante, tanto no mercado quanto na cultura popular. Hoje, o estilo não apenas domina as bilheterias, como apresenta uma excepcional relação entre os investimentos e os lucros, desafiando as convenções cinematográficas.

A crescente popularidade dos filmes de terror reflete algo profundo sobre o ser humano: nossa necessidade de lidar com medos reais por meio de ficções controladas. Por mais de um século, esse tipo de cinema tem sido um negócio bem sucedido, mesmo durante períodos de crise global, como a recente pandemia.

Os números não mentem:
o mercado de terror mais do que dobrou sua participação,
saltou de 4,87%, em 2013, para impressionantes 10,08%, em 2023, segundo dados da indústria.
Essa ascensão não apenas atraiu a atenção da crítica, mas também trouxe uma nova era de prestígio que seria bastante improvável até pouco tempo atrás.
A relação entre o sucesso comercial e o baixo custo de produção sempre foi a força motriz desse estilo.

Cada vez mais ousados, diretores compreenderam que precisam inovar para manter a audiência envolvida

Diferentemente de outros tipos de filme, o horror não depende de grandes estrelas ou efeitos especiais sofisticados para atrair público. Pelo contrário, muitas vezes, o anonimato dos envolvidos e o boca a boca gerado pela audiência são suficientes para garantir o sucesso nas bilheterias.

O longa Atividade Paranormal, filmado em casa pelo diretor Oren Peli, é um bom exemplo: filmado com um orçamento de apenas US$ 15 mil, arrecadou US$ 194 milhões e se tornou um dos maiores lucros da história do cinema.

Isso se repete em outros casos mais recentes, como X — A Marca da Morte, de 2022. Produzido com apenas US$ 1 milhão, ultrapassou os US$ 14 milhões com a venda de ingressos.

Nicolas Cage em Longlegs: bom roteiro e campanha enigmática de marketing (Crédito:C2 Motion Picture Group - Neon )

Com obras que exploram o trauma psicológico e as angústias sociais, o terror encontrou uma maneira única de espelhar os tempos sombrios em que vivemos. Filmes como Longlegs, com direção de Oz Perkins e US$ 58,6 milhões de arrecadação, e Invocação do Mal, de James Wan, que faturou US$ 320 milhões, ambos lançados recentemente com grande sucesso de público e crítica, representam essa virada.

Cada vez mais ousados e criativos, os diretores parecem compreender que, para manter a audiência cada vez mais envolvida, é necessário fugir do convencional e apostar no inesperado. Ao subverter as fórmulas usadas há décadas, eles mantêm o público alerta e sedento por novas experiências.

Atividade Paranormal: filmado em casa com US$ 15 mil, faturou mais de US$ 194 milhões (Crédito:Divulgação)

Reflexões profundas

Essa transformação começou há pouco mais de uma década, quando três produções desafiadoras romperam com as convenções e abriram caminho para a nova era do terror.
O Babadook (2014), de Jennifer Kent, personificou a morte como um monstro de conto de fadas, influenciando sequências como M3GAN e Bagman — O Homem do Saco.
A Bruxa (2015), um horror folclórico ambientado no século 17, consagrou o diretor Robert Eggers e a atriz Anya Taylor-Joy, além de colocar holofotes sobre a produtora A24, que em apenas três anos de existência já mostrava personalidade e um toque de ouro.
Corra! (2017), de Jordan Peele, abriu as portas para narrativas de terror com comentários sociais, garantindo a ele o Oscar de Melhor Roteiro.

Corra!: filme de Jordan Peele combinou horror com temas sociais (Crédito:Divulgação)

A partir desses marcos, o terror se tornou protagonista da indústria cinematográfica. As produções Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambas de Ari Aster, mostram como o terror pode ser ao mesmo tempo intimista e brutal. Esses filmes não apenas aterrorizam o público, mas também provocam reflexões profundas sobre a humanidade.

O terror, assim, se mostra incansável, adaptando-se às demandas do público e às mudanças culturais. À medida que novas vozes e visões emergem, o gênero continua a evoluir, garantindo que, por mais que os temas nos assombrem, sempre haverá algo novo e surpreendente esperando por nós na escuridão do cinema.

E é exatamente isso que mantém o público voltando para mais: a promessa de que, no terror, nada é previsível — exceto o medo que sentimos quando as luzes se apagam.