O segredo de Hugo Motta para abocanhar a presidência da Câmara
As eleições municipais de domingo passado fortaleceram os principais candidatos à presidência da Câmara, mas deram a Hugo Motta um favoritismo impressionante: além do apoio de Arthur Lira, ele não tem objeções de Lula e nem de Bolsonaro
Por Vasconcelo Quadros
O deputado Hugo Motta, líder do Republicanos na Câmara, obteve uma significativa vitória nas eleições municipais deste ano na Paraíba. Ajudou a eleger 50 prefeitos, entre eles o pai, Nabor Wanderley, reeleito em Patos, e 492 vereadores, um resultado à altura de quem mandou para suas bases cerca de R$ 130 milhões em emendas parlamentares. Motta sai das urnas com musculatura, mas não é só essa a força que o tornou o favorito para vencer a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados no ano que vem: ele conta com o empenho de quatro caciques de peso nas articulações internas do Legislativo, entre eles seu criador, o ex-deputado Eduardo Cunha, cassado e preso por envolvimento na Lava Jato, que voltou a operar forte em Brasília.
Conhecedor das entranhas da Casa e depositário das aspirações mais secretas dos parlamentares, Cunha virou um dos principais cabos eleitorais do pupilo e tem se esmerado na busca de apoios que garantam uma vitória consistente em fevereiro do ano que vem. No final do primeiro turno o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, numa entrevista ao radialista e ex-prefeito de Salvador, Mário Kertész, provavelmente traído pelo cansaço da campanha, acabou fazendo uma revelação indiscreta que se perdeu na avalanche de notícias sobre as disputas municipais: “Cunha voltou a ter protagonismo. Atende num hotel em Brasília e até virou instrutor de deputado. Não sei o que ele está treinando os deputados a fazer, mas virou coach”.
Os alunos de Cunha são deputados das poderosas bancadas evangélica e ruralista, que devem favores a ele quando presidiu a Câmara, entre 2015 e 2016, e abriu caminho para o orçamento secreto com as emendas impositivas que dariam poder quase parlamentarista ao legislativo, esvaziando os cofres do Executivo.
Aos 35 anos, Motta chegou à Câmara em 2010 como o mais jovem deputado a assumir um mandato.
• Tinha 21 anos.
• Hábil, herdeiro de um clã que maldosamente os adversários dizem que se formou logo depois que os holandeses foram expulsos do Nordeste, o favorito do sistema se dá bem com todos os líderes e dirigentes de partidos, inclusive os petistas.
• Mesmo tendo votado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi levado ao presidente Lula para se apresentar como candidato à sucessão de Arthur Lira.
• Em determinado momento da conversa, chegou a explicar ao presidente que em 2016 ainda tentou convencer Eduardo Cunha a não colocar na pauta o pedido de impeachment.
Se não obteve uma declaração de apoio formal, pelo menos ouviu que não partirá do Palácio do Planalto objeções à sua pretensão, posição que cabe como uma luva às pretensões políticas do núcleo baiano. Jaques Wagner e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, não têm muita simpatia por Motta, mas preferem ele a ter de suportar os riscos de ver na presidência da Câmara seus adversários Elmar Nascimento, que era o preferido e acabou traído pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, ou Antônio Brito que, com o crescimento do PSD e o empoderamento de Gilberto Kassab como articulador, passou a sonhar mais alto com o cargo.
Wagner e Costa querem disputar as duas vagas de senador em 2026 pela Bahia e trabalham também para evitar que o União Brasil e o PSD se juntem para cacifar o principal adversário do PT no Estado, ACM Neto, que ganhou força com a reeleição do prefeito Bruno Reis em Salvador e quer desbancar o PT em 2026.
O grupo liderado por Wagner governa o Estado há duas décadas. Além disso, considera que como a eleição de Davi Alcolumbre no Senado é dada como certa e seria um perigo para o governo dar ao União Brasil a hegemonia sobre o Congresso caso Elmar Nascimento voltasse à “pole”. Wagner acha, no entanto, que Elmar é carta fora do baralho de Lira.
“Ele nunca quis Elmar. Estava enrolando até cair fora ou ficou com medo de perder, achando que Elmar não estava conseguindo galvanizar e ganhar os votos que precisava. E tudo que ele (Lira) não quer é perder essa eleição”.
O poder de Lira
Lira é outro grande apoiador por trás do favoritismo de Hugo Motta e, for da presidência, quer manter o status de eminência parda. É ainda poderoso e o responsável pela costura de um acordo em que, se eleito, o republicano se compromete a trabalhar pelo fortalecimento da Câmara não abrindo mão das conquistas que avançam sobre o Orçamento federal através das emendas parlamentares.
Os outros dois são o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, que abriu mão da disputa para cacifá-lo, e o senador bolsonarista Ciro Nogueira que, como presidente nacional do PP, tem forte ascendência sobre os deputados da bancada e já avisou que o candidato é Hugo Motta.
Ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro e com a experiência de 30 anos no Congresso, Nogueira sustenta que as sucessões de Rodrigo Pacheco e de Arthur Lira estão definidas. “Tanto Davi quanto Hugo já estão sacramentados. No Congresso Nacional não vejo mais cenário para mudar”. O presidente do PP afirma que Motta unifica governo e oposição e acha que o republicano será a continuidade do atual presidente. “Temos de eleger um candidato que traga independência para a Câmara como Arthur Lira fez”.
É exatamente aí que mora o perigo para o governo. Ciro Nogueira é um conspirador que, fiel ao bolsonarismo raiz, atua para atacar a esquerda e o governo do presidente Lula. O continuísmo que ele prega na condução da Câmara significa forçar a barra para aumentar o controle sobre o Orçamento federal, não abrindo mão das emendas parlamentares cujo modelo está sendo questionado pelo STF.
Sem votos para enfrentar a maioria conservadora no Congresso com um candidato governista, Lula tenta recuperar o Orçamento apoiando um candidato suscetível à redução dos valores das emendas. Para o ano que vem, se o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias que está no Congresso não for mudado, dos R$ 95 bilhões livres para investimentos, deputados e senadores continuariam com a maior fatia, algo em torno de R$ 55 bilhões.
O fôlego de Kassab
Pela lógica da disputa na Câmara, seria mais fácil o governo se entender com Antônio Brito (PSD), que pode receber o apoio do União Brasil na hipótese de Elmar Nascimento acabar abrindo mão da disputa na reta final da campanha, além de contar com o empenho de Gilberto Kassab para conquistar outros apoios, como o MDB ou mesmo o PT.
Kassab sabe que o jogo para sucessão na Câmara e no Senado depende mais do posicionamento dos “cardeais” da política congressista do que do resultado das urnas. Ele diz que o acordo entre Brito e Elmar significa inicialmete pelo menos 100 votos. E acha que a imagem de Motta junto ao PT não é boa, o que pode resultar em mais votos para a outra candidatura.
Ele tem razão: o líder republicano não tem o mesmo prestígio de Marcos Pereira junto ao governo. Nos episódios que derrubaram Dilma, atuou com integrante da tropa de choque de Eduardo Cunha e atazanou a vida dos petistas presidindo a CPI da Petrobras, criada pelos dois para desgastar a imagem da ex-presidente.
O PT não engoliu o voto solene de Motta pelo impeachment de Dilma. Ainda assim, o líder na Câmara, Odair Cunha disse que vai submeter o nome de Motta aos 68 deputados da bancada. “O importante é a união em torno da aprovação de projetos relevantes que busquem o desenvolvimento sustentável”.
Responsável pelo lançamento de Hugo Motta, Marcos Pereira lembra que o favorito não encontra resistência nem em Lula nem em Bolsonaro, mas é cauteloso: “Eu acho que ele sai um pouquinho na frente, mas a gente precisa trabalhar muito”.
Como gato escaldado tem medo de água fria, os republicanos querem ver para crer o apoio de Lira a Motta. O ceticismo tem precedente: se Lira já traiu Elmar Nascimento, quem garante que agora manterá a palavra? Pelo sim ou pelo não, Motta está em franca campanha. Se vencer, será o mais novo deputado a presidir a Câmara num período que promete grandes emoções na política: a sucessão de 2026.