Petróleo: analistas projetam como as incertezas podem ajudar (ou não) o Brasil
RESUMO
• Os conflitos internacionais, sobretudo entre Rússia e Ucrânia e Israel contra o Hamas, e a instabilidade política e social em vários continentes, têm provocado uma tempestade prefeita para a economia mundial
• A oscilação nos preços do petróleo pode ser nova fonte de preocupação
O mundo vive hoje um cenário de caos. São problemas econômicos, geográficos, sociais, políticos e climáticos eclodindo nos quatro cantos do planeta, se misturando e formando o que conhecemos como tempestade perfeita. E quem diz isso é o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas. Segundo ele, pequenas práticas adotadas ou aprofundadas durante o período pandêmico começam a ter seus efeitos explícitos no andamento global, seja o protecionismo, o descaso com o meio ambiente ou as tensões políticas dentro e fora das fronteiras territoriais. Dentro deste quadro, se saem pior os países que possuem dependência de exportações primárias, instabilidade política interna e desvalorização acentuada da moeda corrente, fatores que podem servir para o Brasil.
“As oscilações dos preços do petróleo, a confiabilidade na recuperação chinesa, as guerras na Europa são reflexos de decisões tomadas no passado, e a forma como os países lidam individualmente e coletivamente com elas vai definir como será o futuro”, disse. Para mostrar os pontos de preocupação, e como o Brasil precisa lidar com eles, é necessário mostrar os principais problemas que envolvem a nossa economia, ainda muito atrelada aos preços internacionais do petróleo.
O efeito EUA
O desempenho dos Estados Unidos, maior economia mundial, tem reflexo direto no andamento do desempenho econômico dos demais países e não poderia ser diferente com o Brasil. As incertezas carregadas pela eleição americana, que definirá o próximo presidente, entre Donald Trump e Kamala Harris, se tornaram um Fla x Flu no xadrez da geopolítica global.
Os riscos, por assim dizer, envolvem os dois lados da disputa. “Ambos são protecionistas, inclusive o governo Biden foi marcado pela preferência incontestável do marcado interno, o que pressupõe que haverá a manutenção de parte das medidas adotadas pelo governo dos EUA. Ainda que o Trump seja mais explícito e a Kamala mais contida há, com toda certeza, uma perpetuação de políticas econômicas mais protecionistas”, disse a economista Monica de Bolle.
Segundo ela, essa virada de chave dos americanos se deu em 2016, antes da Covid-19, mas se fortaleceu durante todo o período pandêmico e se arrasta até aqui. “Hoje, os EUA questionam o livre comércio e integração global é um fato”, afirmou. A diferença entre eles, no entanto, reside na diplomacia. E isso pode definir como o Brasil se colocará nesta equação.
Para o professor de macroeconomia da Berkeley Economics J.Bradford DeLong, o olhar do mundo para as eleições americanas é grande, mas os principais impactados serão os vizinhos das américas do Sul e Central. “Brasil e México sentirão, sem dúvida, os maiores reflexos no retorno de Trump, até pela diferença explícita na condução política destas nações”, disse.
Mas este não é o único desafio prestes a estourar, e que remonta ações do passado. Há atualmente nas américas uma série de pequenos furacões políticos que podem se desdobrar adiante.
• As eleições na Venezuela e a crescente tensão com a Guiana;
• a tentativa de golpe em Honduras;
• os constantes conflitos entre o governo colombiano e as Farcs são apenas alguns dos pontos políticos de atenção.
• Na economia, a Argentina lida com uma crise sem precedentes,
• enquanto o México, que acaba de empossar sua nova presidente, luta para garantir apoio do mercado.
“Tudo isso forma um cordão de tensão com diversas pontas e, se uma delas puxar, estoura para todos”, disse DeLong.
No Brasil, ainda que a economia esteja reagindo bem, com apoio do mercado interno, é impossível sustentar a sensação de crescimento se não houver um clima geopolítico mundial mais promissor, o que envolve incremento de mercado e demanda maior dos países parceiros. “Ainda que Lula tenha se colocado como mediador de grandes questões mundiais, como taxação das grandes empresas multinacionais, o Brasil ainda não é um grande negociador na mesa e, principalmente, é uma economia volátil o bastante para se abalar com alterações no mercado externo”, explicou o professor.
A crise do petróleo
Uma guerra que se arrasta há 31 meses entre a Rússia e a Ucrânia, a inflação que não baixa, os juros que só sobem. O alto custo energético e a baixa capacidade de absorver mão de obra. O cenário na Europa não está bom, e as projeções também preocupam o mundo.
• Com a menor capacidade produtiva em 40 anos, estacionada desde a pandemia em 75%, a avaliação é que, desde o Brexit, que foi a saída do Reino Unido da União Europeia, o continente perdeu parte de seu azeitamento da economia tradicional.
• Muito focado nas disputas políticas globais, como a guerra na Ucrânia e as recentes ameaças de poderio nuclear, a falta de capacidade de reação das economias europeias têm sido objetos de estudo.
• Por ser o maior bloco comercial do mundo, e um dos principais parceiros do Brasil, em especial para produtos agrícolas, se a economia bambeia por lá, estremece por aqui.
Para Stephen Machin, professor de macroeconomia da London School of Economics (LSE), os países que formam o continente não têm mais coordenação econômica, objetivo em comum nem força para negociação. “A indústria automobilística foi varrida pelos chineses, não há desenvolvimento local de tecnologia, não há contribuição relevante para a ciência há anos. O poder de barganha se tornou apenas a arrogância e cidades envelhecidas”, afirmou.
De opinião similar partilha Mario Draghi, ex-primeiro-ministro da Itália, que assinou um relatório, em setembro, sobre a importância de repensar a forma como a Europa se coloca no mundo. “Não é sobre investir trilhões é sobre entender que não estamos mais na mesma posição de prestígio e riqueza de outros tempos. A história da economia não é mais contada pelo olhar eurocêntrico”, disparou.
Uma das soluções, segundo o italiano, é avançar com acordos comerciais robustos, como que envolve o Mercosul. “Não burocratizar acordos e limitar avanços comerciais em nome de um protecionismo que, sozinho, não sana nossas demandas”, disse Machin.
Segundo ele, a abertura comercial poderia incrementar o PIB na Zona do Euro em pouco mais de 0,4 ponto percentual. “O resultado poderia ser a diferença entre recessão e crescimento do bloco”, disse.
Na lista de preocupações também aparece o abastecimento energético, seja por petróleo ou gás. Com o maior fornecedor sendo a Rússia, o alongamento da invasão da Ucrânia tem cobrado seu preço na Europa, e influenciado na capacidade de reação econômica do bloco.
A perspectiva piorou, inclusive, após a Ucrânia afirmar não ter planos de estender um acordo de trânsito de gás com a Rússia após seu vencimento no final do ano, no dia 31 de dezembro.
Áustria, Eslováquia e República Tcheca também avaliam a interrupção, o que pode ter um efeito significativo na economia local e nos preços de petróleo pelo mundo.
O preço do petróleo e seus efeitos globais também têm marcado presença na Ásia, e vai além do boicote ao produto russo, promovido por parte das nações europeias e aliados como os Estados Unidos.
• A escalada da tensão em Gaza e o avanço de Israel acendeu pelo mundo o sinal amarelo.
• Há um ano, centenas de integrantes do Hamas invadiram Israel e assassinaram quase 1.200 pessoas e desde então começou a mais duradoura de todas as guerras que travou contra o Hamas em Gaza, é uma das mais longas desde o seu nascimento como Estado.
• De lá para cá, o conflito espalhou-se para além das fronteiras de Gaza, inflamando a hostilidade de longa data entre Israel e o grupo libanês Hezbollah e abrindo uma nova frente no Líbano.
Além da tragédia humanitária de uma guerra, há reflexos diretos na economia. Foi pela escalada que levou o preço do petróleo bater em quase US$ 80 por barril, e foi a expectativa de cessar-fogo que derrubou de novo para a casa dos US$ 70. Essa montanha russa tem deixado o mercado de capitais pelo mundo em grande oscilação, inclusive o brasileiro, com ganhos e perdas diárias para a Petrobras.
Além disso, a perspectiva de aumento no barril tem preocupado empresários, em especial os que dependem de fornalhas, motores à combustão ou gás. Se, por ventura, o petróleo passar de US$ 90, o impacto na inflação brasileira fica na casa dos 0,27 ponto percentual, uma cifra altíssima em um país que já encostou na meta inflacionária do ano.