A grande trapaça
Por Luiz Cesar Pimentel
Das pomposas frases que inevitavelmente acompanham análises sobre Inteligência Artificial, minha favorita é que a IA tem potencial para levar a humanidade à extinção. Ora, ora, é quase triste informar que a teoria nuclear-apocalíptica está mais para tiro de festim.
ChatGPT, Perplexity e mesmo as plataformas generativas ou preditivas fazem mais pirotecnia do que qualquer coisa. São, sim, bons analistas e processadores de enorme quantidade de dados, mas a verdadeira inteligência vai muito além disso – está na capacidade de processar, analisar, refinar (machine learning), intuir qual um cérebro humano (deep learning) e oferecer inovação na área devida.
O israelense Yuval Noah Harari tem um exemplo muito bom em seu livro novo, Nexus. O debute oficial da IA, conforme a acepção do nome, aconteceu em 2016. Bancaram um desafio máquina versus homem no jogo de tabuleiro milenar Go. O boardgame é uma instituição na Ásia, e, devido à complexidade e possibilidades infinitas de movimentos, é tido em conta de representação da vida. Mesmo os especialistas em tecnologia não acreditavam que a máquina levaria a melhor sobre um humano em curto ou médio prazo.
O programa AlphaGo foi treinado absorvendo dados de partidas e aperfeiçoado jogando contra si mesmo para enfrentar o, à época, 18 vezes campeão mundial, o sul-coreano Lee Sedol. Na segunda partida, a máquina utilizou lance que fugiu à lógica humana. Nem especialistas nem o melhor jogador da história entenderam, mas o batizado “movimento 37” definiu o jogo, mostrando-se tão inovador quanto genial. A disputa terminou 4 a 1 para o AlphaGo e é a pedra fundamental do entendimento da capacidade tecnológica.
IA que responde às perguntas, cria textos para trabalhos escolares ou automatiza tarefas é supimpa, mas o verdadeiro valor da tecnologia é apresentar soluções para problemas práticos que beneficiem humanos e que não conseguimos resolver de maneira eficiente.
Essa tarefa está na programação da capacidade analítica dos superprocessadores para questões que importam. Já deixo algumas sugestões. “O mundo possui abundância alimentícia suficiente para que nenhum ser humano durma esta noite com fome. Como podemos equacionar a situação para que isso aconteça?” Ou: “Muitas indústrias estão acabando (pelos avanços tecnológicos) e não haverá ocupação para todos. Como podemos prover renda universal mínima à humanidade diante disso?”.
São perguntas que eu, você e qualquer pessoa com boa intenção faria. Só que essa bola está nos pés de uns bilionários como Sam Altman, CEO da OpenAI, que tem planos para viver eternamente, Peter Thiel, do PayPal, que contratou serviço de criogenia para ser congelado quando morrer (e ressuscitado se pintar a chance), ou Elon Musk, que tem tanto dinheiro quanto deliberada intenção de tirar 10 sozinho em todas as provas. Tenho medo de perguntar à “IA” qual é a chance de que isso aconteça.