A ausência de Lula no primeiro turno vai se repetir no segundo?
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
• Dirigentes e militantes do PT cobram participação maior e direta do presidente nas onze campanhas do partido no segundo turno, quatro delas em capitais
• Mas tudo indica que ele continuará recolhido para não se associar a derrotas que contaminem 2026
“Essa eleição vai ser entre Lula e Bolsonaro”, repetiu o presidente, para energizar a militância, nos encontros de organização das eleições do PT. Promoveu a festa — mas não participou dela. Desagradou partido, aliados e deixou o papel de anfitrião em São Paulo, maior colégio eleitoral do País, a Guilherme Boulos (PSOL), que só não desceu ladeira abaixo graças a tiros no pé dados pelo empresário e ex-coach Pablo Marçal (PRTB), por sinal, especialidades da nova direita.
A difundida polarização deu-se às avessas: Lula e Bolsonaro não tiveram tração nem apetite para influenciar os eleitores no primeiro turno. Em conversas com líderes de seu partido e auxiliares, o presidente argumentou que não queria provocar melindres e cisões impulsionando petistas, em capitais e cidades importantes, contra candidatos de partidos da base do governo. E o ex perdeu-se em distanciamentos, a exemplo do Rio, onde Eduardo Paes (PSD) bateu com folga Alexandre Ramagem (PL), e em hesitações como os acenos a Marçal enquanto dava suporte oficial a Ricardo Nunes (MDB).
A rigor, para além da atitude semelhante, o que uniu Lula e Bolsonaro foi o medo de se associarem agora a derrotas que poderiam contaminar a eleição presidencial de 2026. O presidente foi ainda mais rigoroso do que o adversário na adoção da tática — e todas as informações de bastidores dão conta de que ele continuará recolhido até o final do segundo turno.
O grande beneficiado com o duplo recuo foi o Centrão, vitaminado por um derrame de dinheiro de emendas na eleição com a mais forte compra de votos da história recente. Foi talvez o maior equívoco da trajetória de Lula, com reflexos sobre a eleição de 2026 e a disputa inevitável por sua herança a partir de 2030, com favoritismo na centro-esquerda confirmado nessas eleições ao PSB do prefeito de Recife, João Campos, reeleito com uma fartura de 78% do eleitorado.
Com presença maior nas campanhas cobrada pelo PT, o presidente tentará, no entanto, montar uma estratégia de reconstrução do embate com o bolsonarismo e ensaiar reação para alavancar Boulos e, até onde for possível, reabilitar o PT em Fortaleza, Natal, Porto Alegre e Cuiabá. Nessas capitais seus candidatos, sem notar a presença do líder, chegaram à etapa final em segundo lugar e não terão vida fácil diante do avanço do centro-direita.
• O deputado petista Rogério Correia, derrotado em Belo Horizonte, foi um dos poucos a reclamar em público da ausência de Lula.
• A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, destacou o crescimento de 33,5% na comparação com 2020 (de 183 para 248 prefeituras), mas não fez qualquer menção ao fato de o partido, embora com a máquina federal na mão, ter perdido feio para o principal adversário, o PL, que cresceu 48%, elegendo 511 prefeitos, dez deles nas 103 maiores cidades com mais de 200 mil habitantes (40% do eleitorado), das quais 52 terão disputas no segundo turno.
• O PT ficou atrás também do PSB, que avançou 35% (de 252 para 312) e firmou-se como a legenda de esquerda com maior capilaridade nos municípios.
• A alternância afetou também a correlação de forças no centro. O PSD, do secretário de governo de Tarcísio de Freitas, Gilberto Kassab, desbancou o MDB como o rei das paróquias nos últimos 30 anos e passou a ser o partido com o maior número de prefeituras no País: 882 contra 856.
Eleições municipais são diferentes das majoritárias, mas não dá para ignorar que o conservadorismo ditará regras sobre candidaturas futuras.
• PSD, MDB, PP, União Brasil, PL, Republicanos e PSDB fizeram 4.252 das 5569 prefeituras, algo em torno de 77% das bases eleitorais das quais partirão Lula e o nome da direita.
• O embate mais provável deverá ser com Tarcísio de Freitas, que leva vantagem sobre Marçal e Bolsonaro, especialmente depois que o ex-presidente foi fritado em fogo alto pelo pastor Silas Malafaia, porta-voz do conservadorismo neopentecostal, deixando exposta uma fratura na direita que, mais do que a presença de Lula, poderá favorecer Boulos na capital paulista.
• O “muy amigo” Malafaia disse que Bolsonaro foi “covarde e omisso” ao ficar sobre o muro nessa disputa e revelou, em espetacular lavagem de roupa suja, que o ex-presidente, ao ver amigos encarcerados pela tentativa de golpe, chorou copiosamente por cinco minutos, com medo de ser preso, em conversa por celular.
O novo “cara”
Inelegível e no corredor da prisão, só algo próximo a um milagre poderá mudar o destino de Bolsonaro. Como não há vácuo em política, Kassab é o novo “cara”. Movimenta-se discretamente, mas de olho no comando de uma articulação que inclua também poder no Congresso, como fez o MDB até Michel Temer chegar à presidência pelo impeachment de 2016. A disputa pelo poder central hoje ainda gira em torno de PT e PL, tendo como coadjuvantes PSD, PP, União Brasil, MDB e Republicanos.
Operador de bastidores, Kassab atua com equilíbrio. Não briga com ninguém, tem parceria sólida com o republicano Tarcísio, controla três ministérios no governo Lula 3 (Agricultura, Minas e Energia e Pesca) e ainda pode ser o fiel da balança em Cuiabá, principal arena em que se enfrentarão lulismo e bolsonarismo e ambientalismo versus direita do agronegócio.
Lá, o candidato do PT, Lúdio Cabral, que disputa com o deputado federal Abílio Brunini, um dos exemplares mais bizarros do bolsonarismo raiz, tem apoio e empenho do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, kassabista que há 40 dias praticamente transferiu seu gabinete para Mato Grosso em apoio à filha, a jornalista Rafaela Fávaro, candidata a vice na chapa petista.
PL e petistas disputam com candidatos “puro sangue” também em Fortaleza, onde Evandro Leitão chegou em segundo lugar com 34,33% dos votos, contra 40,20% do bolsonarista André Fernandes.
Em Porto Alegre e Natal, as petistas Maria do Rosário e Natália Bonavides disputam com Sebastião Melo, do MDB, e Paulinho Freire, do União Brasil. O PT quer fazer um embate mais frontal com o bolsonarismo, mas enfrenta um cenário desfavorável.
Ranking
• Nos 52 municípios com segundo turno no dia 27, entre eles 15 capitais, o PL lidera o ranking de presença na disputa com 23 cidades, onze delas capitais.
• No campo conservador em seguida aparecem União Brasil, com 11, MDB e PSD (dez cada), Republicanos, com sete, Podemos e PP com seis e PSDB com cinco.
• À esquerda, o PT disputará em onze e PDT, PSB e PSOL, juntos, em sete. O cenário, como se vê, pende mais uma vez para a centro-direita.
O dado novo das eleições de 2024 em comparação com os dois pleitos anteriores foi o alto volume de dinheiro apreendido que se destinava à compra de votos: R$ 21 milhões, 14 vezes mais do que o R$ 1,5 milhão confiscado em 2020. Mais um benefício para o Centrão. Nas eleições majoritárias de 2022 foram R$ 5 milhões, quatro vezes menos do que este ano. Empoderado, o Congresso controla 55% da verba não-carimbada do Orçamento federal.
O grande desafio de Lula a partir de agora, tanto para gerir o governo em 2025 quanto para colocar-se como candidato em 2026, será administrar essa força a seu favor.
* Colaborou Eduardo Marini