Comportamento

“Alimentação é 75% de um projeto de longevidade”, diz neurobiólogo italiano Valter Longo

Crédito: Alan Weissman

Italiano descobriu que jejum funciona no tratamento de câncer (Crédito: Alan Weissman)

Por Luiz Cesar Pimentel e Fábio César dos Santos

Apontado pela revista Time como uma das 50 pessoas mais influentes no mundo na área da saúde, o bioquímico e neurobiólogo italiano Valter Longo apresenta uma nova perspectiva de tratamento contra o câncer, doença que, segundo ele, uma em cada duas pessoas corre o risco de desenvolver. Por meio de pesquisas e programas experimentais, Longo sugere a aplicação de protocolos de jejum controlado como um aliado poderoso no combate a diversos tipos de tumores e, com base nessa ideia, explora novas e possíveis combinações com terapias convencionais de tratamento da doença. O “guru da longevidade”, como é conhecido, lança agora o livro Desnutrir o Câncer, Nutrir o Paciente pela Editora Cultrix, no qual parte da premissa da pergunta: “Por que conseguimos reduzir o risco de doenças mortais, como as cardiovasculares e tantas outras, mas não tivemos o mesmo sucesso contra o câncer?” De cara, apresenta resposta: “Isso acontece porque os tumores são doenças complexas, nunca idênticas entre si, feitas de células diferentes, que não costumam seguir um curso previsível. No entanto, elas têm algo em comum: são constituídas de células”. O complemento, que estabelece a ligação com o título da obra, indica o uso controlado de um regime semelhante ao jejum que, aliado à dieta da longevidade, “pode ajudar a prevenir, e também a derrotar as patologias tumorais. Isso ocorre quando há a retirada do alimento apenas das células doentes, quando se mantém o paciente nutrido e forte, matando apenas as células cancerígenas”. Ele contextualiza o protocolo em conversa com a ISTOÉ.

Em seus livros recentes, o senhor demonstra a importância da restrição calórica e da técnica criada pelo seu grupo, que é o jejum intermitente. Fale um pouco sobre como funciona a questão da alimentação na sua abordagem de saúde.
Sim, começamos analisando os genes que regulam o envelhecimento e descobrimos que um tipo populacional determinado quase nunca manifestava câncer, raramente tinha diabetes e parecia estar protegidos contra doenças cardiovasculares e contra o declínio cognitivo. Portanto, acho que está claro que o alimento controla o gene e os genes controlam o processo de envelhecimento. É por isso que a alimentação é tão importante — é um controlador maciço desses genes. Nessa, tudo é importante: o tipo de alimento que se come, quanto se come e quando não se come.

Quando se refere a quando não se come, falamos de jejum intermitente, certo?
Uma pergunta importante é o que aprendemos sobre o jejum no passado e o que os ensaios clínicos e as pesquisas básicas estão nos dizendo. Então, a partir disso, chegamos à conclusão de que 3 ou 4 coisas podem fazer uma grande diferença na vida das pessoas, inclusive daquelas que têm câncer. Sobre o jejum intermitente, vamos nos concentrar no que é chamado de tempo de descanso para comer. Muitas pessoas fazem 16 horas de jejum por dia. Sempre fomos contra isso. E sempre fomos a favor de 12 horas para pessoas em condições normais e 14 horas para pacientes com câncer. A razão para isso é que, se analisarmos os dados epidemiológicos de longo prazo, as pessoas que fazem 16 horas de jejum todos os dias e pulam o café da manhã tendem a viver menos e com mais doenças cardiovasculares. Mas há muitas vantagens nas 12 horas e, até agora, nunca vi um único artigo negativo sobre 12 horas.

(Piero Cruciatti)

“Se você der a volta ao mundo em 100 lugares onde há muitos centenários, encontrará 100 histórias diferentes”

Quais são os estudos que validam isso?
Há um estudo que estou analisando sobre mulheres com câncer de mama. Elas jejuam por 14 horas todas as noites, vivem mais, a sobrevida geral é melhor em comparação com as que não jejuaram tanto tempo, portanto, para pacientes com câncer, e apenas para esses, acredito que devemos aumentar para 14 horas por dia. Uma medicina baseada em alimentos, essencialmente, tem como função ajudar muitos medicamentos a funcionarem melhor, ou complementar a imunoterapia, quimioterapia ou terapia hormonal.

Você acredita que o jejum nessa janela de 12 horas funciona para todos, sem nenhuma contradição?
Eu diria que sim, eu nunca vi, eu nunca ouvi, sequer de um geriatra ou de um pediatra, algo contrário, e é por isso que eu indico sem restrições.

Por sua experiência baseada em estudos e observação da população em lugares como a vila italiana onde você cresceu e que possui muitos centenários, quais acredita serem as melhores práticas além da alimentação?
Cada lugar tem uma particularidade e se você der a volta ao mundo em 100 lugares onde há muitos centenários, encontrará 100 histórias diferentes. Mas algumas coisas são comuns, como o engajamento social ou a religião, que são motivacionais. No final, há uma questão de motivação, seja pela igreja ou por seus amigos. Também é necessária motivação para comer direito, se exercitar, ir ao médico, ir ao hospital quando precisar fazer exames, e assim por diante. Isso tudo acontece nesses pequenos vilarejos do sul da Itália. Lá, as famílias tendem a ser muito grandes, e todo mundo pressiona seus entes queridos para que façam check-up regularmente. Há o ponto em comum de alguns possuírem uma vantagem genética e um estilo de vida mais saudável.

Na sua opinião, qual é o peso que a comida tem em um projeto de longa jornada?
Eu diria que a alimentação é provavelmente cerca de 75% de um projeto de longevidade. Claro que se você se alimenta perfeitamente, mas nunca vai ao médico e não faz exames, provavelmente morrerá bem jovem devido a algum problema. Dou esse peso para alimentação considerando que a pessoa faça as coisas certas, sendo exercícios e atividades físicas uns 25%.

A que atribui essa importância bem maior ao que se come do que à atividade física?
O exercício por si só tem um efeito muito menor sobre a longevidade do que a caloria consumida, pelo menos com base nos dados de análises com animais e humanos. Mas, é claro que se você se exercitar todos os dias em comparação a alguém que o faz a cada 90 dias, os efeitos serão bem diferentes. Também digo isso por causa da sustentabilidade, ou seja, as pessoas podem correr 10, 20 milhas quando têm 20 ou 30 ou até 40 anos, mas, quando forem mais velhas terão menos tempo e disposição, portanto não é algo que dê para contar sempre. Quase todos os centenários que conheci pararam de se exercitar quando chegaram aos 70, 75 anos – se tornaram sedentários. Mesmo sem fazerem nada especial de atividade física, continuam muito fortes. Eles caminham, mas não 10 milhas por dia — uma milha, se tanto. E conseguem chegar aos 100 anos e até irem além. Por todas essas razões, eu diria que a comida é, de longe, a mais importante.

Como você disse, o mundo está comendo em demasia, ingerindo mais do que precisamos e aparecem muito mais casos de doenças crônicas. Onde estamos errando?
Definitivamente, não estamos fazendo a coisa certa. A indústria problemática costumava ser a das empresas de tabaco, mas o cigarro não é nada comparado ao que temos agora. Vivemos o que chamo de conspiração alimentícia. Centros médicos têm muito dinheiro a ganhar, então há uma enorme quantidade de dinheiro nessa máquina que se baseia no fato de que os americanos estão se tornando quatro vezes mais obesos do que há 50 anos. No Brasil, é muito semelhante, certo? As crianças italianas atingiram agora o mesmo nível de sobrepeso que as crianças americanas. Portanto, essa é uma doença mundial que faz com que muitas pessoas ganhem muito dinheiro.

Não há uma maneira de ajudar as pessoas, estejam elas no Brasil, na Itália ou nos Estados Unidos, a se manterem longe de tantos alimentos ruins?
Obviamente, o sistema é perfeito para fazer com que as empresas farmacêuticas ganhem muito dinheiro, as empresas alimentícias ganhem muito dinheiro e os hospitais com fins lucrativos ganhem muito dinheiro e isso não vai mudar até que todos percebam que é possível outra realidade sem essa ganância. A ideia básica é fazer com que as pessoas voltem a ter saúde plena e, se isso não estiver disponível, só então você vai para a droga. Só que o modelo econômico é feito para que as pessoas fiquem acima do peso — 75% dos americanos estão acima do peso e obesos — e então vamos dar a elas um monte de drogas para o resto de suas vidas. É inacreditável que os americanos não estejam nas ruas protestando contra isso, dizendo que rejeitam esse mundo

Qual é o peso que tem a conscientização em um projeto de saúde?
Sempre digo: imagine se dissermos que queremos que as crianças sejam educadas, mas não quisermos construir escolas e não quisermos treinar professores. Neste momento, não temos escolas para um estilo de vida e não temos professores para esse estilo saudável, e o resultado é que ninguém é educado. Já imaginou se dissermos: “Ah, você precisa se educar, basta ir ao Google e pesquisar”. Isso não vai funcionar, concorda?

Quão grave é o caso brasileiro nessa perspectiva, dado que aqui as pessoas compram medicamentos para emagrecimento direto do farmacêutico, sem receita médica?
Isso é um jogo. Eles permitem que a população compre esses medicamentos e os use da maneira que eles acham que devem. Então, é um longo caminho de problemas que temos nessa busca por uma vida feliz.

(Jaap Arriens)

“O exercício por si só tem um efeito muito menor sobre a longevidade do que a caloria consumida”

Em seu livro Desnutrir o Câncer, Nutrir o Paciente como você falou anteriormente sobre genes, acredita que a doença é um problema genético ou epigenético (área que estuda como o ambiente e o estilo de vida alteram a forma de funcionamento dos genes)?
É tudo isso. É um problema genético, é um problema epigenético e é um problema alimentar. Nós fizemos muitos estudos em que injetamos certos cânceres, em camundongos. Em alguns estudos, apenas mudamos a quantidade de proteínas fornecida em alimentos, não mudamos nem as calorias. Constatamos que o câncer, às vezes, não é capaz de sobreviver com uma dieta proteica. Isso mostra como uma simples mudança na dieta pode ser poderosa contra o câncer. Não há nada que possamos fazer em relação aos genes com os quais nascemos, mas há muito que podemos fazer em relação à nutrição e as pessoas não se dão conta disso.

O Brasil está no topo de transtornos de ansiedade e depressão. O senhor acredita que a alimentação pode ajudar nesse caso?
Fizemos dois estudos, um já foi publicado e o outro ainda não. No primeiro estudo, o jejum foi administrado a pacientes com depressão, ansiedade e funcionou melhor do que tratamento com os medicamentos. Portanto, precisamos fazer estudos maiores. Um hospital me relatou que usava o jejum há anos, sem fazer testes, mas com sucesso. Então, eu diria: experimente, veja o que acontece e, se ajudar o paciente, ótimo. Com certeza, o jejum faz uma grande reconfiguração no cérebro humano.

O alimento é um aliado preventivo. Ele também pode ser curativo?
É constatado que um ciclo de quimioterapia e um ciclo de jejum retardam o crescimento do câncer. Juntos, quando combinamos a quimioterapia e a dieta, torna-se muito promissor. Neste momento estamos usando algo mais tecnológico, que é mimetizar o jejum intermitente, observamos como o câncer se reconfigura e bloqueamos o que chamamos de vias de escape da fome. Com isso, as células cancerígenas reduzem significativamente sua capacidade de proliferação.