Vinhos de inverno, você sabe o que são? Vá se acostumando
Por Ana Mosquera
Cresce a produção de vinhos finos para além do Sul do País — só o novo programa “Rotas do Vinho de São Paulo”, do Governo do Estado, já reúne 66 vinícolas em prol do enoturismo. Boa parte da produção de uvas viníferas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste (em locais de altitude elevada) só acontece graças à técnica da dupla poda, que inverte o ciclo da planta permitindo que a colheita, usual no verão, seja feita no inverno, longe das altas temperaturas e das chuvas típicas.
“Quando a uva amadurece, o tempo está seco e frio. Sem calor e umidade, não há formação de fungos e a fruta não apodrece”, diz Aline Mabel, engenheira agrônoma, PhD em viticultura, diretora técnica da Anprovin e gerente de consultorias do Grupo Vitácea Brasil. São os “vinhos de inverno”, termo anunciado em alguns rótulos, que aos poucos desenham uma nova rota da bebida no País. Enquanto algumas vinícolas somam prêmios internacionais, projetos inaugurais começam a vislumbrar um futuro vinífero com o plantio das primeiras mudas.
Em Queluz, na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro, a Fazenda Santa Vitória acaba de iniciar o primeiro projeto de viticultura do Vale do Paraíba. “A intenção é criar conteúdo para os hóspedes do local, pois o vinhedo fica ao lado da área em que é servido almoço, aos sábados”, diz a sócia Fábia Raquel Ferreira. No local que conta com hospedagem, queijaria, haras, spa e espaços para eventos, a ideia é ampliar ainda mais as frentes de negócio: “Pretendemos ter nossa própria vinícola no segundo ano de produção, mas é preciso aumentar o vinhedo para justificar o investimento”.
Os anseios do novo projeto acompanham os dos colegas que já produzem vinhos em tais condições. “Antes, comprávamos maçãs só da Argentina. Hoje, são eles que querem as nossas. Acho que isso vai acontecer com queijos e vinhos, e daqui a pouco os franceses estarão adquirindo produtos brasileiros”, disse o sócio Luiz Eduardo Monteiro, no plantio comunitário.
Os vinhos de inverno estão, sim, sendo notados fora do País. As dez vinícolas que compõem o grupo Wines of São Paulo somam 120 medalhas no Decanter World Wine Awards, de Londres, o concurso mais importante do setor.
Apesar da chancela internacional, o marketing e a educação do consumidor são primordiais para fortalecer o setor: “Se você vai à região de Champagne, na França, só vai achar vinhos de lá. Na Borgonha, da mesma forma. No Brasil, é o contrário, dificilmente você encontra um brasileiro, quiçá um paulista”, diz Ricardo Baldo, engenheiro agrônomo e diretor da Vinícola Terras Altas, em Ribeirão Preto, da Wines of São Paulo e da Anprovin (Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno).
Os desafios são sempre grandes em movimentos incipientes. “Não perdemos nada, em termos físico-químicos, para outras regiões produtoras. Mas estamos engatinhando, são pouco mais de 15 anos. Existem profissionais do setor que nem bebem vinhos de 15 anos”, diz Valerio Marega Jr., fundador da Arpuro Wine, localizada em Uberaba, no Triângulo Mineiro.
Na Serra Fluminense ou da Mantiqueira, na Chapada dos Guimarães ou Diamantina, a produção dos vinhos de inverno cresce de 20% a 25% ao ano, e as bebidas se diferenciam de acordo com a macrorregião. “Elas são multifacetadas, as do Cerrado Mineiro não são iguais às da Alta Mogiana. O Sul de Minas está com um pedido de registro de Indicação Geográfica em fase final no INPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial”, diz Murillo de Albuquerque Regina, criador da técnica da dupla poda, engenheiro agrônomo, diretor e sócio-fundador do Grupo Vitácea Brasil.