Internacional

O fator Irã: como a guerra no Oriente Médio pode sair de controle

Com o mundo na expectativa por uma ampliação dos conflitos no Oriente Médio, ameaças elevam temperatura do lado de Israel e do Irã — este, um país-chave na região

Crédito: Baz Ratner

Tanques israelenses entram no sul do Líbano, para combates corpo a corpo com membros do Hezbollah (Crédito: Baz Ratner)

Por Denise Mirás

Diante dos ataques aéreos e terrestres de Israel no sul do Líbano, sob o argumento de caça a membros do Hezbollah, e a resposta do Irã com pelo menos duas centenas de mísseis na terça-feira, 1º, o mundo mais uma vez se vê em alerta máximo, sob a expectativa da possibilidade de um conflito generalizado no Oriente Médio. Ou ainda mais estendido, com a entrada dos EUA e, por conseqüência, de aliados europeus, contra Rússia e até China.

Mesmo que o revide iraniano ao território israelense tenha sido milimetricamente controlado sobre alvos militares e restrito a uma hora, líderes dos dois lados se alternaram em discursos furiosos ao vivo e — como vem se tornando cada vez mais freqüente — distribuídos por redes sociais. E, enquanto seguia o jogo de ameaças sem qualquer perspectiva de cessar-fogo, as Forças de Defesa de Israel (IDF) renovavam ataques em Gaza, mantendo as incursões no Líbano e ainda ameaçando, pelo X, com um “ataque retaliatório surpresa” contra o Irã.

Acusações abertas se multiplicam, em tom cada vez mais alto, por meio de discursos no plenário de uma ONU inoperante e imobilizada pelo sistema de vetos a qualquer proposta de cessar-fogo, restritos a cinco países, e sistematicamente utilizado pelos EUA, tanto em relação à guerra na Ucrânia como nos massacres na Faixa de Gaza ou no Líbano. Ou são espalhadas por mensagens em aplicativos. Enquanto isso, mais de 42 mil palestinos civis já foram mortos no último ano e agora se estima em um milhão o número de pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas no Líbano (na quarta-feira, 2, a FAB iniciou operações de voo para resgate de brasileiros naquele país).

Além de renovar ataques na Faixa de Gaza, Israel mantém bombardeios no Líbano que alcançam a capital Beirute (Crédito:Hassan Ammar)

E em meio a essa espiral de violência, a expectativa de analistas da geopolítica se divide entre possibilidades:
● do agravamento dos conflitos, que poderiam tomar todo o Oriente Médio e ainda envolver potências como EUA e Rússia,
● até ações criteriosamente limitadas para evitar um confronto total, que não interessa a nenhum lado, política ou economicamente.

O número de pessoas deslocadas de suas casas no Líbano já chega a um milhão (Crédito:Louai Beshara)

Para Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, o objetivo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu é, sim, levar o conflito para todo o Oriente Médio e o Irã é um país-chave para isso. Além de matar lideranças de Hezbollah e Hamas e dos atentados com pagers explosivos, diz o professor, Israel também se valeu da comunicação e da psicologia ao gravar um vídeo em língua farsi com mensagens sobre opressão do povo iraniano, que distribuiu pela internet daquele país. “Isso é ingerência à soberania nacional. Ninguém consegue parar Netanyahu, que vem fustigando o Irã há muito tempo. Esse é um indicativo de que o primeiro-ministro de Israel ganhou maior margem de autonomia frente aos EUA.”

Daí a perspectiva de conflitos se espalharem, segundo o professor. “O Joe Biden suspendeu a agenda dele para tratar do assunto, o que não ocorria em seu país desde 1973, quando Israel sofreu um ataque-relâmpago dos árabes. E se ele tomou a frente, em pessoa, para conversas em âmbito presidencial, foi porque a situação se mostrou bem grave. Já em pré-guerra.”

(Vahid Salemi)

“O Irã não busca a guerra, mas se mantém firme contra quaisquer ameaças.”
Masoud Pezeshkian, presidente do Irã

Chuva de mísseis

A agência Fars, do Irã, divulgou relato do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) destacando que as duas centenas de mísseis sobre alvos militares e de segurança em Israel foi um revide legítimo ao assassinato em 27 de setembro de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, no Líbano, e de Ismail Haniyeh, do Hamas, no início do ano (na quarta-feira, 2, foi morto em Beirute o genro de Nasrallah, Hassan Jaafar Al Qasir).

Em postagem no X, o ex-ministro Mohammad Javad Zarif, atual conselheiro estratégico do presidente iraniano Masoud Pezeshkian, falou de “países encorajando e ajudando o genocídio em Gaza e agressões contra Irã, Palestina, Líbano Síria, Iêmen e outros países da região”.

Pelo lado de Israel, depois de sinais sonoros por todo o país levarem a população a abrigos na terça-feira, 1º., foi suspenso o alerta e reaberto o espaço aéreo, mas o ministro ultradireitista Bezalel Smotrich, das Finanças, garantia que “o Irã vai se arrepender deste momento”.

Em paralelo, soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF) avançavam pelo Líbano, enfrentando membros do Hezbollah no “mano a mano”, como divulgaram. Também seguiam ataques renovados em Gaza, onde 42 mil palestinos foram assassinados no último ano. Benjamin Netanyahu se vê em meio a furiosas multidões cobrando dele o desvio da atenção sobre a promessa não cumprida de resgatar reféns vivos (250 foram levados no 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas invadiram o território israelense matando mais de 1.200 pessoas).

“Ele está com a faca no pescoço, porque depende do apoio da extrema- direita do Parlamento para não cair”, observa Andrew Traumann, historiador da PUC-Curitiba e especialista em Irã. Já condenado por corrupção, se perder o cargo de primeiro-ministro vai direto para a cadeia. Assim, Netanyahu continua com ataques próximos de instalações nucleares do Irã, diz o professor, “para mostrar que poderia partir para a destruição, se quisesse”, mas não para uma guerra direta. “Os militares israelenses de alta patente usam uma expressão: cortar a grama. Eles assumem que o enfrentamento de terroristas é um problema insolúvel e o que dá para fazer é ir ‘cortando a grama’ até que cresça e seja preciso cortar novamente.”

Para o professor, o objetivo de Israel é impedir operações de grupos como Hezbollah e Hamas por algum tempo — se possível anos. Com a morte de líderes respectivos como Hassan Nasrallah, no Líbano, em 27 de setembro, e de Ismail Haniyeh, no início do ano, Israel sente que “cortou os braços do Irã” no Oriente Médio, diz Traumann. “E se EUA, Rússia e China se envolvessem no confronto, não seria fácil para Israel.”

Além disso, lembra o especialista em Irã, o presidente moderado Masoud Pezeshkian foi eleito em julho com promessas de tentar uma reaproximação com os EUA para a derrubada de sanções que o país sofre do Ocidente há décadas, com a população cada vez mais sufocada economicamente. “Acredito que os ataques dos dois lados continuem sendo calibrados, porque nenhum deles quer guerra total.”

(Fatih Aktas)

“O Irã cometeu um grande e grave erro e vai pagar por isso.”
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel

Em meio a tamanha violência, a ONU se mostra tão inoperante quanto sua Linha Azul — estabelecida em 120 quilômetros na fronteira entre o sul do Líbano e Israel, onde atuariam as Forças de Paz.

Convocado de urgência na quarta-feira, 2, pelo secretário-geral Antonio Guterres, o Conselho de Segurança da ONU só conseguiu, mais uma vez, se mostrar paralisado e dividido pelo sistema de veto exclusivo a cinco países (EUA, França, Reino Unido, Rússia e China).

● A embaixadora americana Linda Thomas-Greenfield declarou que o apoio a Israel tem sido defensivo, mas alertou Irã “ou seus representantes” quanto a novos ataques.

● Vassily Nebenzia, pela Rússia, elogiou a contenção do Irã nos últimos meses e destacou que o veto dos EUA tem paralisado o Conselho de Segurança, impedindo qualquer ação contra Israel, que “usa a força em vez da diplomacia”.

Israelenses procuram se proteger diante dos mísseis lançados pelo Irã na terça, dia 1º (Crédito:Ohad Zwigenberg)

Amir Iravani, embaixador pelo Irã, disse que os mísseis lançados foram para “restaurar o equilíbrio”, porque uma escalada de conflitos só será evitada se Israel cessar ataques em Gaza e no Líbano. A delegação de seu país na ONU postou no X que dava por “concluído” o acerto de contas, mas uma retaliação israelense mereceria novos ataques — “e esmagadores”.

● Por sua vez, Danny Danon, o embaixador de Israel na ONU, mandou um “alerta internacional” dizendo que seu país está sob ataque e assegurou que haverá uma resposta ao Irã — “decisiva e dolorosa”.

Iranianos festejam em Teerã resposta a Israel (Crédito:Fatemeh Bahrami)