Comportamento

Conheça o admirável mundo novo corporativo: bem-estar acima de tudo

Crédito: Rogério Albuquerque

Fernando Puig e Carolina Pinheiro: "Somos privilegiados, pois vamos passar seis meses cuidando do nosso bebê" (Crédito: Rogério Albuquerque)

Por Maria Ligia Pagenotto

RESUMO

• Exigir horário fixo, presença diária e atestado médico são temas ultrapassados para algumas empresas
• Elas querem ao redor pessoas nas quais possam confiar plenamente, mais felizes e comprometidas
• E a quem retribuem com generosos benefícios

Qualquer pesquisa sobre síndrome de burnout (esgotamento físico e mental) inevitavelmente associa o problema a situações de trabalho. O estudo “State of the Global Workplace”, divulgado este mês pela consultoria Gallup, mostrou que 46% dos trabalhadores brasileiros estão estressados, 25% tristes e 18% com raiva. Na América Latina, eles ocupam o quarto lugar em raiva e tristeza e estão em sétimo no quesito estresse. Há estimativas de que mais da metade dos brasileiros já tenha sido vítima de assédio moral no ambiente corporativo. Mas, diante deste cenário – assustador – algumas empresas têm respondido com propostas que parecem saídas de um conto de fadas com final feliz. Elas oferecem aos colaboradores benefícios tão generosos que soam como utópicos.

Por exemplo:
Rafaela Carvalho, gerente de engajamento do Grupo MOL, não trabalha às segundas-feiras – sua semana tem quatro dias;
Giovana Neiva, produtora da AKQA Casa, leva sua cachorra ao escritório sempre;
Karolyne Oliveira, analista de redes sociais do MOL, tem direito à licença menstrual;
• Sara Radis, da BASF, pode incluir o filho, autista, em todas as atividades para crianças que a empresa promove.


“Cora é meu suporte emocional. Com ela, não perco o foco das minhas atividades”, diz Giovana Neiva (Crédito:Divulgação)

São situações inusitadas, que provocam reações de admiração no mercado. “Minhas amigas têm inveja de mim”, sentencia Karolyne. Ela pode faltar até dois dias no mês, sem ser descontada e sem ter necessidade de apresentar atestado médico, por conta do ciclo menstrual. “Acho isso incrível, pois confiam em mim.”

Na AKQA Casa, os funcionários podem trabalhar com seus animais de estimação por perto, se assim desejarem. Esse não é o único atrativo da agência de design e inovação.

Em março, Carolina Pinheiro, diretora criativa, e Fernando Puig, gerente de contas sênior, terão um filho. Ambos sairão de licença parental por seis meses.

Em julho, Mariana Franco, diretora de contas, tirou uma semana de folga remunerada para viajar com o filho, Bento, e o marido, Leonardo. Esse benefício é concedido a todo funcionário que tem filho – biológico ou adotivo até 17 anos – além das férias.

Os exemplos nessa linha ainda são poucos, mas paulatinamente o mundo corporativo tem se convencido de que garantir espaços de lazer no trabalho com escorregador e geladeiras com comidas e bebidas à vontade, em contraponto a prazos apertados e cobranças, não basta.

“A cultura da empresa é que faz diferença. Não adianta oferecer meditação se a companhia tem um ambiente tóxico, onde não há respeito”, diz Rodrigo de Aquino, especialista em bem-estar e consultor sobre o tema.

“Queremos deixar o local de trabalho um pouco melhor, mais leve e divertido, porque isso traduz nossos valores”, explica Luiza Baffa, diretora geral da AKQA Casa, ciente da realidade do mundo corporativo. “Não somos românticos, aqui é trabalho e não dá para ser 100% feliz, porque temos que dar conta de atender às exigências dos clientes.”

Os benefícios oferecidos, afirma, foram pensados de forma a fazer diferença de fato na vida dos colaboradores. “Mesa de pebolim não muda a vida de ninguém, mas garantir uns dias a mais com o filho nas suas férias escolares faz muita diferença, assim como poder estar perto do seu animal de estimação”.

Na BASF, empresa de origem alemã, os funcionários já contam com modelos de trabalho flexíveis desde 2015, segundo Camila Bonelli, gerente da área de Bem-Estar da América do Sul. “Sabemos que a felicidade é uma jornada e queremos garantir a segurança psicológica dos colaboradores”, pontua.

“É muito bom atuar numa empresa que nos permite ter tempo para os filhos”, diz Mariana Franco, com Bento e Leonardo (Crédito:Divulgação)

Acolhimento

A BASF oferece diversos programas para os funcionários, alguns extensivos à família. “Fazemos oficinas, atividades esportivas, rodas de conversa, e temos espaço para dialogar sobre temas tabus abertamente.” Há um canal de atendimento, gratuito e confidencial, para quem busca apoio psicológico, nutricional, jurídico e financeiro.

Camila diz que a empresa visa quebrar paradigmas, como por exemplo, o de que homem não chora e que seus problemas se resolvem em casa. “Apoiamos as pessoas a reconhecerem suas emoções e a irem atrás de ajuda se necessário.”

Em termos de benefícios, além de período sabático, a BASF também ampliou a licença parental em países onde ela praticamente não existia, como Argentina, Peru e Bolívia. “De menos de 60 dias, oferecemos 120 agora”, afirma.

O grande diferencial, no entanto, que para muitos pode parecer banal, foi a promoção do primeiro acampamento inclusivo para filhos de funcionários. Sara Radis, analista administrativo de vendas, mãe de César, um menino autista não verbal de 6 anos, conta que a experiência mudou a vida da família. “Ele raramente é convidado para alguma festa. Estar nesse acampamento, com crianças típicas, foi muito transformador.”

O filho não aceitava dormir na sua cama, ia sempre para o quarto dos pais. “Tentamos de tudo, com apoio de terapeutas, sem sucesso.” Ao retornar do acampamento, o garoto passou a aceitar o próprio quarto. “Ele voltou com uma independência muito grande.” César não bebia água, só queria líquidos ácidos. No acampamento, recebeu uma garrafinha e aprendeu a beber água nela. Também largou a chupeta e passou a organizar melhor suas roupas. “Para uma mãe atípica, ver o filho ser aceito não tem preço.”

Na AKQA os colaboradores escolhem o modelo de trabalho. Mas toda vez que vai à agência, Giovana leva Cora. “Ela diminui meu nível de ansiedade, trabalho com muito mais foco ao lado dela.” A empresa está situada numa casa e funciona, dentro do possível, como tal. Há café da manhã, almoço, hora do lanche, festas. Os animais de estimação transitam pelo local, sob o cuidado dos seus tutores.

“As pessoas produzem melhor quando estão mais felizes. Os benefícios buscam dar tranquilidade e segurança aos colaboradores”
Luiza Baffa, diretora geral da AKQA Casa

É nessa condição que Carolina e Fernando terão o primeiro filho. “Vamos sair seis meses de licença sem receio de perdemos nossa vaga”, diz Carolina. “Temos um clima ótimo aqui, nosso filho já é querido por todos e isso reflete nos resultados”, completa Fernando. Eles sabem que são privilegiados. “É a filosofia da empresa e somos muito gratos desde já pelo tempo que teremos com nosso bebê.” Pela lei brasileira, a mulher tem direito a quatro meses de licença maternidade e o homem, a cinco dias.

Mariana usufrui com gosto o direito de tirar uns dias em julho que a empresa oferece para ficar ao lado do filho de 5 anos. Este ano, ela e o marido, Leonardo, passaram uma semana com Bento na Bahia. “É muito bom poder trabalhar num lugar que entende a importância de a gente estar com os filhos.”

Com uma semana de 4 dias, Rafaela disse que nunca foi tão produtiva na vida como agora. “Não trabalho horas a mais no período, ao contrário, pois aprendi a identificar o que me distrai”, diz. A novidade também fez crescer o espírito de coletividade, marca do Grupo MOL. “Somos obrigados a conversar mais entre nós sobre os processos e todos da equipe precisam estar inteirados das atividades.”

Qualidade de vida

“A MOL é uma empresa utópica, criei para ser o lugar onde eu gostaria de trabalhar”, revela Roberta Faria, CEO. Seu desejo é romper com o modelo tradicional de corporação, que visa o lucro à custa de muita pressão e equipes mínimas. “Existem outras formas de trabalhar e produzir, é preciso se abrir para elas.”

Sobre a licença menstrual que dispensa atestado, Roberta diz que traduz a filosofia da MOL: “A gente entende que a produtividade vem do lugar de confiança e não de controle”.

Rafaela conta que aproveita sua segunda livre para “dar conta de perrengues, como ir ao dentista, médico”. Mas também para ver amigos, almoçar com calma e a praticar exercícios aeróbicos, o que não tinha tempo. Agora até se arrisca a participar de corridas de rua.

A ideia de felicidade no trabalho não é uma moda “new age”, observa Rodrigo. Tampouco é uma medida “que visa criar um exército de zumbis sorridentes, com todo mundo agradecendo por tudo”. Felicidade dentro das organizações significa não adoecer por causa do trabalho: “É respeito, equidade, lugar de escuta e de fala”. É o básico, mas longe de ser uma prática.