O futuro das terapias contra o câncer
Hoje, material genético transformado em laboratório volta em bolsas para ser injetado em pacientes. Pesquisas buscam como colocá-lo em nanopartículas
Por Denise Mirás
A cura em definitivo de doenças como a AIDS, provocada pelo HIV (sigla em inglês para Vírus da Imunodeficiência Humana), segue um caminho muito palpável, a longo prazo, a partir da aceleração de estudos com terapia celular, já utilizada em escala industrial para tratamento de linfoma, leucemia e mieloma múltiplo. Foi o hematologista Renato Cunha, especialista em transplante de medula óssea, que trouxe para o Brasil esse processo de transformação genética de células em laboratório, específicas para esses casos de doenças no sangue. E que agora aguarda financiamento para um novo passo de pesquisa: o uso da terapia celular voltada para câncer no cérebro, principalmente de crianças.
“É impressionante a velocidade com que os estudos nessa área estão evoluindo. O primeiro paciente tratado com o protocolo para leucemia foi nos EUA, em 2011. Em 2017, esse tratamento com células do próprio paciente, modificadas em laboratório, já estava disponível no mercado. Isso, em um intervalo de tempo muito curto, de apenas sete anos”, diz o médico. “Agora, já estamos pesquisando como colocar células ‘construídas’ especificamente para cada doença em nanopartículas, a serem injetadas nos pacientes. Sairíamos assim do processo in vitro, no laboratório, para o in vivo, no próprio paciente, partindo assim para a escala industrial e barateando
o tratamento.”
“Há uma avalanche de estudos pelo mundo. E é impressionante a velocidade dessa evolução, com a quantidade de laboratórios envolvidos”
Renato Cunha, hematologista”
• As células têm um ciclo de vida: “nascem”, desempenham sua função e morrem.
• No caso do sangue, são produzidos bilhões delas pelo organismo, todos os dias, para durar cerca de três meses.
• Nessa renovação constante há um desgaste natural (e por isso envelhecemos).
Daí, como destaca Renato Cunha, a importância de hábitos de vida saudáveis. “Nosso sistema de defesa é muito eficiente na identificação dessas células que adoecem e que destroi todos os dias. Mas pode haver o ‘escape’. E a célula, que é programada para morrer mas segue ativa, vai se dividir. O acúmulo forma o ambiente tumoral.”
Maior autoridade em terapia celular e precursor de pesquisas no Brasil, Renato Cunha diz que o tratamento de câncer parte de três pilares: cirurgia, quimioterapia e radioterapia. E mais recentemente conta com a terapia celular, como explica por meio de analogias. “Em laboratório, transformamos geneticamente a célula de defesa ‘T’ para dotá-la de uma capacidade supranatural. Ela ganha uma ‘chave’ — na verdade um gene artificial chamado de ‘CAR’. Ela se torna então a CAR-T. E consegue se conectar com um alvo da célula do câncer — uma fechadura — e destruí-la.”
Correndo pelo sangue, as CAR-T têm uma chave, mas apenas para uma determinada fechadura. Hoje se conhece, por exemplo, a CD-19, presente em células doentes de leucemias e linfomas, e é ali que a já chamada de CAR-T anti-CD-19 vai atacar. Outra fechadura conhecida é a BCMA, da célula do mieloma múltiplo, que também tem sua inimiga específica preparada em laboratório: a CAR-T anti-BCMA. Como se percebe, são doenças do sangue.
E é por um caminho semelhante que pesquisadores buscam a cura da AIDS: encontrando a chave para entrar nas células em que o vírus latente se esconde do coquetel antiviral para destruí-lo definitivamente.
30 mil
pacientes com câncer são tratados no mundo com terapia celular
2,5 milhões
de reais ainda é o custo pelo tratamento; daí as pesquisas para baixar custos
Foco nos sólidos
No caso de mama, próstata, pulmão, rim, estômago, colo de útero e intestino (os tipo de câncer mais comuns, pela ordem, à frente de leucemia, linfoma e mieloma), as CAR-T encontram uma carapaça pela frente. Atacar esses tumores sólidos é o campo mais novo de pesquisas com transformação genética. “A célula de defesa precisa ser mais que CAR-T. Precisa ser um soldado de força de elite para atacar a massa sólida e sobreviver ao ambiente tumoral, totalmente hostil, dentro da carapaça. Para isso, estamos investigando as fechaduras e como transformar nosso soldado especial em um general, mesmo”, observa Renato Cunha, exemplificando com a GD2, que seria a fechadura da célula de câncer do cérebro e que já tem primeiros resultados divulgados nos EUA.
É sobre esse GD2 que o médico pretende iniciar pesquisas no Brasil, depois de trabalhar na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com as CAR-T anti-CD-19 e anti-BCMA (também sendo pesquisadas no Hospital Albert Einsten, em São Paulo, e na Fiocruz/INCA, no Rio de Janeiro).
São 30 mil pacientes, 100 deles no Brasil, tratados com CAR-T, segundo Renato Cunha. “O sangue deles é coletado, vai para os EUA para a transformação genética em laboratório, e a bolsa com a o sangue das células modificadas volta por avião, para a infusão ser feita em seu país”, explica. Com as nanopartículas, em vez de mandar o sangue para os EUA, já colocaremos nelas os elementos necessários. ‘Recheadas’, essas nanopartículas serão injetadas na corrente sanguínea do paciente para buscar as células T e fazer a transformação necessária para ‘abrir a fechadura’ de células cancerígenas específicas e destruí-las.”